Durante décadas, a Yamaha foi a grande força do MotoGP. A marca que outrora lutava para acompanhar a Honda tornou-se uma referência, impulsionada pelo génio da engenharia e pelo talento inquestionável de Valentino Rossi. No entanto, a Yamaha caiu de tal forma que hoje é apenas uma sombra do que foi.

De equipa dominante, passou a ver a Ducati e a KTM liderarem a competição. Esta decadência não aconteceu de um dia para o outro, mas sim como resultado de erros estratégicos, decisões questionáveis e oportunidades desperdiçadas. Afinal, o que levou a Yamaha a este ponto? E será que ainda há esperança para um regresso ao topo?

A Era dourada da Yamaha

Nos anos 2000, a Yamaha não era a melhor moto da grelha. Esse título pertencia à Honda RC211V, equipada com a melhor tecnologia, os melhores engenheiros e, claro, o melhor piloto: Valentino Rossi. Mas em 2004, a Yamaha fez a jogada mais arriscada da sua história ao conseguir roubar Rossi à Honda.

Na época anterior, a Honda tinha vencido 15 das 16 corridas, enquanto a Yamaha apenas uma. A diferença era abismal. Mas com a chegada de Rossi e a disposição da Yamaha para ouvir as suas indicações, tudo mudou. Logo na sua primeira corrida pela marca, Rossi venceu, e ao longo da temporada sagrou-se campeão.

Nos sete anos seguintes, a Yamaha tornou-se a referência no MotoGP. Rossi conquistou mais títulos em 2005, 2008 e 2009, seguido de Jorge Lorenzo, que garantiu campeonatos em 2010 e 2012. Mesmo após o regresso de Rossi em 2013, a Yamaha continuava competitiva. A moto destacava-se pela sua precisão, estabilidade e suavidade em curva, o que permitia um desempenho consistente ao longo das corridas.

O início da queda

A partir de 2016, os primeiros sinais de declínio começaram a surgir. Um fator determinante foi a mudança de fornecedor de pneus: a Michelin substituiu a Bridgestone, e de um momento para o outro, a Yamaha perdeu uma das suas maiores vantagens – a aderência em curva. Enquanto a Honda se adaptou rapidamente, a Yamaha culpou os pneus pelo desempenho inferior.

A grande diferença era que a Yamaha tinha deixado de liderar o desenvolvimento do MotoGP. A Ducati possuía um motor extremamente potente, a Honda apostava na aceleração e travagem agressiva, mas a Yamaha continuava presa à sua filosofia de curvas rápidas e condução suave. Essa abordagem só funcionava quando tinham os melhores pilotos, mas com a evolução da categoria, a velocidade de ponta e a aceleração tornaram-se fatores decisivos.

Em 2017, a Yamaha introduziu um novo chassis, mas o resultado foi desastroso. Tanto Rossi como Maverick Viñales criticaram a moto, que se tornou inconsistente e com problemas eletrónicos, além de continuar a perder potência para as rivais. Enquanto a Yamaha tentava corrigir falhas, a Ducati consolidava o seu domínio e a Honda contava com um trunfo imbatível: Marc Márquez.

Entre 2013 e 2019, Márquez conquistou seis títulos em sete anos, e a Yamaha simplesmente não conseguiu contrariar o seu estilo de pilotagem agressivo. A filosofia da marca japonesa baseava-se na precisão e controlo, enquanto Márquez conseguia extrair o máximo da sua Honda, mesmo sem ter a moto perfeita.

O ponto de rutura

Em 2020, os problemas da Yamaha atingiram um novo nível. O motor começou a falhar repetidamente, e, numa tentativa desesperada de resolver a situação, a equipa modificou componentes ilegalmente sem aprovação da Federação Internacional de Motociclismo (FIM). Como consequência, a Yamaha foi penalizada com a perda de 50 pontos no campeonato.

E não se pode esquecer como a própria pandemia, a COVID-19 trouxe mais limitações à fabricante em comparação com as equipas europeias. Durante esse período e enquanto a Yamaha ficou confinada no Japão, as equipas europeias, em colaboração com as equipas de Fórmula 1, intensificaram o desenvolvimento aerodinâmico das suas motos em tuneis de vento. Este trabalho, embora com foco primário nos carros de F1, resultou num avanço significativo na aerodinâmica das motos, impulsionado pelo conhecimento especializado das equipas de F1, e a desvantagem era ainda maior para a Yamaha, que não dispunha dos recursos da F1 de que a Ducati, Aprilia e KTM usufruíam.

Apesar destes erros e também azares, Fabio Quartararo conseguiu um feito notável em 2021 ao conquistar o título de pilotos, o primeiro da Yamaha desde 2015. No entanto, este triunfo não refletia uma recuperação da equipa – Quartararo venceu graças ao seu talento, não tanto pelo desempenho da moto.

No ano seguinte, a fraqueza da Yamaha ficou ainda mais evidente. A Ducati apresentou uma moto quase quase perfeita, tornando todos os seus pilotos altamente competitivos. Em contraste, a Yamaha dependia exclusivamente de Quartararo para lutar pelos primeiros lugares.

Já em 2023, a situação agravou-se ainda mais. O motor estava desatualizado, a aerodinâmica ultrapassada e os sistemas eletrónicos inferiores aos da concorrência. Enquanto marcas como a Ducati, KTM e Aprilia inovavam constantemente, a Yamaha parecia estar parada no tempo. Quartararo, cada vez mais frustrado, criticou publicamente a equipa por não ouvir os pilotos.

O caminho para a recuperação

Em 2024, a Yamaha finalmente cedeu à pressão e começou a desenvolver um motor V4, alinhando-se com a tendência da categoria. No entanto, os primeiros testes foram desanimadores, com relatos de que a moto era difícil de controlar e sem aderência suficiente.

A esperança surgiu com a contratação de Max Bartolini, um engenheiro da Ducati. Mais do que alterar a moto, Bartolini revolucionou a abordagem da Yamaha, incentivando um processo mais dinâmico de desenvolvimento: testar, falhar e repetir. Pela primeira vez em anos, a equipa começou a reagir rapidamente aos problemas. Além disso, a entrada da equipa satélite Pramac na estrutura da Yamaha trouxe um aumento significativo na recolha de dados e feedback.

O futuro da Yamaha no MotoGP

O regresso da Yamaha ao topo do MotoGP não será fácil. Atualmente, é a única marca japonesa que continua totalmente comprometida com a competição. A Honda enfrenta dificuldades semelhantes, enquanto a Suzuki já abandonou o campeonato.

Para recuperar, a Yamaha precisa de fazer três mudanças cruciais, em última análise:

  1. Melhorar o motor – Sem um motor mais potente, será praticamente impossível competir com as equipas europeias. A filosofia atual da Yamaha está ultrapassada e precisa de ser reformulada, algo que está a ser trabalhado neste momento;
  2. Atualizar a eletrónica e a aerodinâmica – O MotoGP transformou-se numa «guerra» tecnológica, e a Yamaha tem de acompanhar a evolução da Ducati para ter alguma hipótese de sucesso.
  3. Ouvir, interpretar e incluir os pilotos no desenvolvimento – Quartararo e os restantes pilotos da Yamaha têm exigido mudanças há anos e finalmente parece que está algo a ser feito nesse sentido, mas… será tarde demais, ou estará a Yamaha «à espera» de 2027?

A Yamaha garante que está a trabalhar nestes problemas, mas será que conseguirá resolvê-los a tempo?

O MotoGP é um desporto imprevisível, e a Yamaha já demonstrou que sabe como vencer, no entanto, se não se adaptar rapidamente, continuará a assistir à concorrência a sobressair, com a Ducati no topo e a perseguição por parte de Aprilia e KTM – neste momento e panorama atual – e sem esquecer as boas indicações que a Honda também deu nos testes recentes. E a grande questão que permanece é: estará a Yamaha condenada ou conseguirá regressar ao topo? O tempo dirá.

Seja como for, e a julgar pelos últimos testes do MotoGP em Sepang a verdade é que se regista uma melhoria aparente mas, e curiosamente, sempre com Fabio Quartararo como principal autor desta e se essa recuperação é indicativo de uma melhoria que tem de ser real, também vale a pena colocar a questão no ar se a fabricante não está demasiado dependente de «um piloto» só, à semelhança do que aconteceu em parte precisamente com a Honda e Marc Márquez a «mascarar» os problemas que a moto tinha…