
Perante a incapacidade de igualar o marcador, pelo menos vencemos nos cartões. Terá sido esse o pensamento da plateia do Dragão nos derradeiros minutos do clássico contra o Benfica. Aos 82', com 3-1 em golos mas 1-1 em amarelos, Gonçalo Borges fez uma entrada dura a Otamendi, vendo um cartão. O público aplaudiu a agressividade do extremo, que deixou os locais na frente em cartões.
Nos descontos, o filme repetiu-se. Martim Fernandes derrubou Belotti e a rasteira levou-o a ser aplaudido pelos adeptos. Era o 3-1 em amarelos, com vantagem para a equipa da casa. O pior veio logo a seguir: livre para a área, cabeceamento de Otamendi, que se impôs com normal facilidade perante William Gomes, 4-1 em golos.
O Dragão não mais aplaudiu as faltas ou os cartões. Ao tornar-se o quarto futebolista a marcar por FC Porto e Benfica no clássico, depois de Serafim, Yuran e Maxi Pereira, Otamendi deu contornos históricos ao encontro.
Os azuis e brancos não sofriam quatro golos em casa para o campeonato desde março de 2005, então num 4-0 diante do Nacional. A juntar ao igualmente estrondoso 4-1 da primeira volta, temos um acumulado de 8-2, a maior quantidade de golos sofrida pelo FC Porto numa campanha do campeonato diante dos encarnados desde 1944/45. O Benfica só marcara quatro vezes em casa do rival uma vez, em 1943, ainda a II Guerra Mundial decorria. As águias não apontavam, sequer, três golos no clássico como visitantes desde 1993.
“Tudo o que disser taticamente sobra, está a mais”
Quando o clássico terminou, os jogadores do FC Porto foram, como habitual, até ao centro do relvado. A contestação que vinha das bancadas via-se e ouvia-se, com Anselmi a estar perto dos futebolistas num primeiro momento.
Seguidamente, o plantel deu a costumeira volta ao campo. Foram primeiro ao topo sul, depois ao topo norte, recebendo as vaias dos adeptos. Neste segundo momento, Anselmi não acompanhou a equipa.
Questionado, na conferência de imprensa, em relação à sua ausência no momento em que a equipa dava a volta ao estádio, o argentino negou que estivesse ausente. "Eu estava lá. Vê. Eu estava lá", retorquiu.
Antes da conferência de imprensa, Martín apareceu na entrevista rápida como nunca o víramos em Portugal. O habitual gosto do argentino em explicar e explicar-se, as frases longas, as respostas prolongadas, tudo sumiu perante o microfone da "Sport TV".
Na primeira resposta, de 40 segundos de duração, notou-se logo o desconforto. Não querendo abordar aspetos técnicos ou táticos, disse que essas considerações deveriam ficar "para durante a semana". "Agora é momento para pedir desculpas. Tudo o que disser taticamente sobra, está a mais", atirou o técnico.
Após a primeira resposta, todas as restantes foram de 16 segundos ou menos. Recusava-se a aprofundar temas táticos, reiterando a ideia de que "isso sobra", em frases cada vez mais curtas. "Só temos de pedir desculpa", numa mensagem repetida, também, pelo capitão Diogo Costa.
A histórica derrota complica a consolidação da imagem de Anselmi junto dos adeptos do FC Porto. André Villas-Boas já garantiu que o argentino seria o treinador na próxima temporada, mas, até ao momento, os números mostram uma quebra de rendimento face ao curto período de Vítor Bruno.
Com o antigo técnico, o FC Porto, em 18 jornadas, somou 13 vitórias, um empate e quatro derrotas, com uma média de 2,2 pontos por encontro. Com o argentino, os dragões, em nove rondas, têm quatro vitórias, três empates e duas derrotas, com uma média de 1,66 pontos por desafio.
Com Vítor Bruno havia, no campeonato, 2,27 golos marcados em média por jogo e 0,77 sofridos. Com Anselmi há 1,33 marcados e uma média de 1,1 sofridos. Quando o antigo adjunto de Sérgio Conceição saiu, o FC Porto estava a um ponto do Benfica e a quatro do Sporting. Agora o Benfica está a 12 pontos e o Sporting, com uma partida menos, está a nove pontos. Deixou-se de olhar para o primeiro lugar e passou-se a tentar defender o terceiro, perante a forte ameaça do SC Braga.
O estágio prolongado e Sérgio Conceição
O guião que Villas-Boas seguiu para reagir aos acontecimentos alinhou, em parte, com o que o presidente fizera no clássico da primeira volta. Na Luz, AVB foi ao balneário no fim do jogo e cancelou as folgas que estavam previstas. Agora foi mais longe.
O presidente não se limitou a ir ao balneário após o encontro. Também ao intervalo houve uma ida de Villas-Boas ao espaço da equipa, como mostram imagens de várias estações de televisão.
Tal como na primeira volta, a folga que estava agendada não foi cumprida. O plantel treinou nesta segunda-feira, mas com uma novidade. Depois da partida, o grupo de trabalho seguiu para o mesmo hotel do qual saíra para disputar o clássico, em São Félix da Marinha, em Gaia. Uma noite de castigo, à qual se seguiu um treino no Estádio do Dragão e, só após essa sessão, puderam os futebolistas regressar a casa.
Sem folgas, o FC Porto volta a treinar na terça-feira. O foco está na deslocação ao terreno do Casa Pia, sábado, dia 12 (20h30, Sport TV1), o primeiro de seis encontros que fecharão a I Liga 2024/25. Em junho há, ainda, o Mundial de Clubes, com Palmeiras, Inter Miami e Al-Ahly como adversários na fase de grupos.
O insólito na caótica reação à pior derrota em casa contra o Benfica de que há memória não termina aqui. As ondas de choques chegaram mesmo a Itália, com o treinador que fez mais jogos na história do FC Porto a reagir rapidamente ao resultado.
Poucos minutos depois do fim do encontro, Sérgio Conceição citou, na sua conta de Instagram, Pedro Chagas Freitas: "Tenho medo das pessoas perfeitas. Dos que têm sempre a resposta certa, a postura correta, o sorriso calibrado para parecer natural. A perfeição, vista de perto, cheira a embuste. Prefiro os amassados, os partidos, os que sabem que a vida é uma sequência de quedas. As pessoas perfeitas assustam-me porque não existem. Se existem estão a mentir", escreveu o técnico do Milan, cuja saída do clube foi especialmente conturbada.