- Há seis meses, Pedro Proença foi eleito como presidente da Federação Portuguesa de Futebol e confirmou-se a substituição: sai Humberto Coelho, entra Toni. Está a gostar da experiência?

- Durante os 12 anos de mandato do Humberto Coelho na Federação Portuguesa de Futebol fomos conversando e partilhando muitos dos feitos desportivos da Seleção Nacional. E mal sabia eu que, já quase a bater nos 80 [completará 79 anos em outubro], viria a substituir o meu amigo Humberto na sua ligação à Seleção e também na representação da federação em diversas situações, como presenças em jogos, aniversários de clubes, associações distritais e regionais, por exemplo. Esta partilha, digamos assim, não é só minha, mas também de todos os membros que fazem parte da direção. Estou a viver as emoções que o Humberto viveu nestes 12 anos. Há mais de 40 anos, desde o Euro-1984, que eu tinha perdido, em termos de Seleção, o contacto com o balneário.

- Falou no Euro 84 e pergunto-lhe: que diferenças entre a Federação Portuguesa de Futebol de 1984 e a atual?

- Mal seria se nós, estando em 2025, ainda estivéssemos como fomos em 1984. O mundo mudou, o futebol mudou, a federação mudou, tudo mudou. O mundo está em constante mutação. A federação evoluiu para patamares tremendos. São diferenças extraordinárias e este legado deixado pelo doutor Fernando Gomes é o desafio da direção de Pedro Proença: tentar fazer ainda melhor do que aquilo que foi feito, quer no plano desportivo, quer no plano das infraestruturas. A Federação tem 29 seleções, portanto, vê lá a logística que é necessária. Além disso, em seis meses, do ponto de vista desportivo, houve a vitória na Liga das Nações, o Campeonato da Europa dos sub-17, que é muito importante, a presença dos sub-19 femininos, cuja classificação permitirá a estreia no Mundial. Tudo isto num curto espaço de tempo.

- Quando é que Pedro Proença o convidou para este cargo?

- O convite surgiu dois ou três meses antes das eleições. Esta Direção foi eleita em fevereiro deste ano e o convite foi feito sensivelmente em novembro.

- Aceitou logo ou pediu uns dias para pensar?

- Não respondi de imediato, mas não demorei muito tempo a pensar. Eu olhava para aquilo que foi o desempenho do Humberto e pensava que era algo que gostaria de fazer, quase no fim de uma carreira ligado ao futebol. Era estar de novo envolvido naquilo que é o jogo, não de uma forma direta, já que não és tu o treinador, não és tu que escolhes, não és tu que decides, mas és tu que vibras, és tu que tens a adrenalina. Já o vivia enquanto adepto, mas agora estou envolvido de uma forma mais direta, partilhando emoções e vivências.

- Já tinha saudades do cheiro a bálsamo e do barulho dos pitons no empedrado?

- O balneário é sagrado, mas, mesmo assim, tivemos momentos muito intensos de partilha. Quando perdes, como aconteceu na Dinamarca, mas também na eliminação deles em Alvalade. E depois, claro, nas vitórias sobre Alemanha e Espanha, na fase final da Liga das Nações. O futebol, como a vida, é feito de momentos bons e de momentos menos bons e há que desfrutá-los sempre.

- Como é normalmente o seu dia de trabalho?

- Cada um de nós tem um plano de atividades mensal. A Seleção, como sabes, não trabalha todos os meses, mas tenho a parte de representação, tal como outros membros da direção. Já fui à inauguração de um campo de futebol em Cabanas de Viriato, ao centenário da Associação de Futebol de Beja ou à apresentação de livros. E confirmei que a paixão não tinha morrido e, naquelas duas semanas na Alemanha, bem como nos dois jogos dos quartos de final com a Dinamarca, vivi momentos que nunca mais esquecerei. Aliás, tenho uma foto que te vou enviar, que tirei, dentro do balneário, com o capitão e a taça da Liga das Nações.

- Então é uma espécie de senador da Seleção?

- Não sou só eu que faço este trabalho. Temos mais gente do futebol como o Daniel Carriço, que acompanha os Sub-21, ou o Domingos Paciência que estava com o pelouro da Direção Internacional e que agora está também na Seleção A. Porque a FPF é a agregação de todos os clubes, não há discriminação. Depois há outros membros da Direção que também fazem essa representação. Não está exclusiva a mim, nem ao Daniel Carriço ou ao Domingos Paciência. Essa representação não está atribuída só a mim. Há um plano de atividades mensais que cada um de nós tem.

- Está só com a Seleção masculina ou também com a feminina?

- Não. Só com a masculina. Com a feminina está a Sofia Teles. Mas estive também em diversos jogos de futsal. É um mundo novo que se abriu para mim. Não no futebol, claro, mas na participação em reuniões de direção, por exemplo. Não faço diferente do que fazia o Humberto.

-O Toni é uma das figuras mais consensuais do futebol português, mesmo tendo um passado forte ligado ao Benfica. Há algum lugar onde não seja bem recebido?

- O futebol, como sabes, desperta emoções e ao despertá-las nem sempre se olha ao lado da razão, mas julgo que ao longo da construção da minha carreira, fui ganhando o respeito e a admiração das pessoas pelos valores que defendi e continuo a defender. Valores de transparência, verdade desportiva e solidariedade. São princípios que, como agora se diz, são inegociáveis para mim, tal como para toda a Direção da Federação Portuguesa de Futebol. Quando em férias, por exemplo, sou confrontado com adeptos de cores diferentes, mas sinto esse carinho, respeito e admiração das pessoas.

- Recuando dois meses, sensivelmente, que memória mais marcante tem da vitória na Liga das Nações?

- Há algo muito importante a reter: foram seis meses fantásticos, mas este último mês tem sido também um mês de luto…

- Já falaremos desse luto. Falemos, para já, da Liga das Nações e da alegria que sentiu.

- O dia da vitória de Portugal sobre a Espanha e de ganhar, de novo, a Liga das Nações, é um momento alto que nunca esquecerei. Mas o triunfo no Europeu de sub-17 vai de encontro àquilo que é o trabalho das associações regionais.

- Nos jogos com a Dinamarca e na fase final da Liga das Nações, ainda teve dentro de si o bichinho de treinador que o leva a pensar, por exemplo, tira o 10 e mete o 11?

- Não, não. Sei que todos temos uma veia de treinador, quer estejamos na bancada ou em casa, mas, para mim, seja qual for o selecionador nacional, será sempre o meu selecionador. Por isso, nem sequer penso nisso do tira o 10 e mete o 11.

- Como foi recebido pelos jogadores?

- Alguns têm idade para ser meus netos, pois tenho netos que que são mais velhos que alguns deles. Por isso, não há choque geracional. O que senti, da parte de todos e desde o primeiro dia, foi respeito. Além disso, há um espírito muito forte dentro da Seleção.

- Todos conhecemos os jogadores enquanto profissionais, mas em termos pessoais, nem tanto. Houve algum que o tenha surpreendido como pessoa?

- Olha, no dia em que vencemos a a Liga das Nações, estávamos na tribuna e descemos também para o relvado e partilhar esse triunfo com os jogadores deu-me a sensação de que também eu tinha jogado. E tinha. Mas por fora. E foi uma partilha muito intensa. Até com o capitão, com quem praticamente nunca tinha falado. Foi uma experiência muito boa e muito gratificante.

- Falou no Cristiano e pergunto-lhe: como é ele no grupo e na função de líder?

- Uma coisa é estarmos fora e irmos acompanhando tudo aquilo que foi a história dele, que começou-se a ser escrita em 2003. É diferente irmos ouvindo, lendo e vendo o Cristiano a jogar. Outra coisa é vermos como ele é fora de campo, durante um estágio e em momentos de partilha. E foi muito interessante, durante estes estágios, perceber como o Cristiano é líder. E é líder não só por aquilo que joga, mas pela forma como se afirma dentro do balneário. Ele e o Bruno Fernandes, por exemplo, são extensões do selecionador. Um líder, como Cristiano é, não se compra na farmácia. Ou és ou não és. E ele é um líder inato.

- Está a lidar de perto com uma das maiores figuras do futebol português e lidou de muito mais perto com outra. Eusébio e Ronaldo, em termos pessoais, parecem ser radicalmente diferentes. É assim?

- É tremendamente injusto julgarmos ou compararmos alguém que jogou há 60 anos com alguém que joga em 2025. A única certeza é que foram dois jogadores extraordinários. Portugal teve a felicidade de ter dois jogadores que marcam a história do futebol mundial. Jogadores extraordinários, com características diferentes, personalidades diferentes, mas que foram dois enormes jogadores.

- Ronaldo parece ser um bocadinho mais exuberante e Eusébio dava a sensação de ser um bocadinho mais sereno e calmo. É mesmo assim?

- Talvez as pessoas não se recordem, mas quando o Eusébio marcava um golo, ele fazia um sprint em que dava dois ou três saltos e vibrava como poucos. O Cristiano criou e imortalizou aquela forma de se expressar após um golo e o Eusébio tinha característica diferente de exultar os golos. Era sprintar e dar três saltos no ar. Mas, como digo, estamos a falar de jogadores diferentes, de personalidades diferentes. Não eram iguais, mas eram mesmo de outra galáxia.

- Ronaldo fará 41 anos em fevereiro. No tempo em que o Toni jogava, um futebolista terminava a carreira com 30 e pouco anos. Como é que Ronaldo, aos 41 anos, embora num campeonato de menor exigência, continua tão bem?

- Acho que se deve, em grande parte, à vida privada dele. Tem a ver com alimentação, repouso, recuperação. E ele é rigorosíssimo. Depois há a parte mental, em que ele é muito forte. Mas quem sou eu para falar do Cristiano, pois praticamente só convivi 10 dias com ele. Tem uma paixão muito grande pelo que faz e, além disso, vai-se alimentando dos golos que faz. É ele quem vai determinar quando, como e onde vai terminar a carreira. Ninguém o fará por ele.

- Acredita que daqui a 11 meses, nos Estados Unidos, poderemos vê-lo a erguer a taça de Campeão do Mundo?

- Há uma divisa que diz…’never give up’. E nem ele nem Portugal desistem de ser campeão do Mundo. Temos tudo para tentar ser campeões do Mundo, mas há um leque de seleções que são fortíssimas para ganhar a prova.

- Portugal, como Fernando Santos costumava dizer, é candidato, mas não é favorito?

- Há alguns dias ouvi alguém dizer que ‘favorito não existe no meu dicionário’. E é isso. Aquilo que sentimos é que Portugal é uma seleção muito forte. E Espanha? Forte. E França? Forte. E Alemanha? Nunca fica para trás. E a Argentina, campeã do Mundo. É fraca? Não, pois não? Agora, Portugal tem condições para ter como grande objetivo trabalhar para ser campeão do Mundo. É o que passa pela cabeça de todos os que vivem de forma intensa a Seleção.