Com apenas 20 anos, Tiago Sanches é uma das grandes figuras do campeonato italiano com 28 golos, o que faz dele o terceiro melhor marcador da Serie A1, somando ainda 11 assistências. Formado no Benfica e proveniente de uma família ligada ao futebol, Record esteve à conversa com o craque do Valdagno, recordando a aventura no Chile, a mágoa com Renato Garrido no Valongo e o sonho de voltar à Luz onde cumpriu toda a formação.

Record - Como está a correr esta aventura em Itália?

TIAGO SANCHES - Está a correr muito bem. Eu precisava muito disto e está a ser muito importante para mim. Tenho jogado muito tempo. Voltei a ganhar confiança depois daquilo que aconteceu em Portugal.

R - Já lá vamos. É a tua segunda experiência no estrangeiro depois de teres jogado no Chile. Como foi essa experiência?

TS - Eu estava a jogar no Valongo [na época passada] e na altura saí em Janeiro e não podia jogar na Europa porque foi depois do mercado de inverno ter fechado. A solução passou por ir jogar para o clube chileno da minha namorada na altura, a Cata Flores, que jogava no Benfica. Foi um bocadinho difícil para mim mudar assim de forma radical para uma cultura diferente, mas foi importante para mim preparar-me para voltar outra vez.

R - Que diferenças culturais encontraste? Houve alguma coisa que te tivesse marcado?

TS - A forma de pensar o hóquei é diferente. É muito mais puro e o facto de não haver contratos faz com que joguem hóquei apenas porque gostam. Iam jogar com frio, às vezes começava a chover e os miúdos não saiam da pista. A cultura do hóquei é muito mais pura.

R - Foste campeão sul-americano no San Jorge.

TS - Tive a oportunidade de ganhar todos os campeonatos que joguei. É um campeonato super importante para o clube e para mim também porque é difícil sair de um contexto europeu e ir jogar um pan-americano. Tive a sorte de poder jogar e de ganhar.

R - Os teus adversários e mesmo colegas de equipa olhavam para ti de lado por vires do Benfica?

TS - Já lá tinha no ano anterior de férias. Joguei lá um torneio e senti esse impacto de haver um jogador internacional do Benfica. Ter ido para o Chile ajudou-me a voltar a desfrutar do hóquei e a ser feliz.

R - Como é que surge o Valdagno?

TS - Eu tenho um ídolo que é Nicolía, uma pessoa muito importante para mim dentro do hóquei. Conheci-o muito novo e sempre tive a oportunidade de falar com ele e de de poder compartilhar as minhas experiências com ele. E eu quando fui para o HC Braga já falava muitas vezes à minha família que gostava de jogar no Valdagno, mas sempre tive aquele receio de sair de casa, de sair perto da minha família. Então fui para o HC Braga, que era mais perto de Lisboa. Entretanto, fui para o Valongo. E quando estava no Valongo, recebi uma proposta do Lodi, de Itália, e falei com o Nico. E nessas conversas eu já lhe tinha dito que gostava de ir para o Valdagno. Quando saí do Valongo, houve conversas com o pai da Tami [Elena Tamiozzo], jogadora do Benfica. O pai dela é diretor-desportivo do Valdagno. Fizemos um pré-contrato antes de eu ir para o Chile e que quando voltasse assinava com eles.

R - Neste momento és o terceiro melhor marcador do campeonato, tens 11 assistências. Esperavas ter assim um impacto tão grande na equipa logo na tua primeira época?

TS - Inicialmente não, até porque estava com receio. A minha adaptação aqui não foi fácil porque muitas vezes tive vontade de voltar para casa, para perto da minha família e não esperava que tivesse tido um começo tão bom. Esperava algo mais gradual. Aconteceu tudo muito rápido. Nunca tive um papel tão importante dentro de uma equipa da 1.ª divisão. Nas camadas jovens sim, mas quando chegas aos campeonatos de topo é difícil jogar contra alguns jogadores que já têm mais anos de hóquei do que eu de vida.

R- No hóquei italiano têm-se visto muitos pavilhões cheios e acompanhados de claques. Isso surpreendeu-te?

TS - Estou num clube onde se vive muito o hóquei. O Valdagno, o Trissino e o Bassano levam muita gente ao hóquei. Apesar de em Portugal haver os jogos grandes nos playoffs com os pavilhões bem compostos, aqui a maioria dos jogos estão sempre cheios, sempre com claque, sempre muito barulho, e isso é bom para nós para dar aquele boost extra que às vezes é preciso.

R - Que diferenças notas do hóquei em patins português para o italiano?

TS - Em Itália, o hóquei é muito mais direto. Para mim, o melhor hóquei do mundo é o português porque é uma mistura de todos os modelos de hóquei que há no mundo, mas para mim o hóquei italiano falo dá-me mais liberdade. Gosto de jogar muito com bola, um contra um, e acho que foi a diferença que senti. No campeonato português tem de se defender muito, enquanto aqui é mais direto, há mais contra-ataques, muitos golos, e essa foi a maior diferença que eu senti.

R - Voltando a Portugal, guardas alguma mágoa pela saída do Valongo?

TS - Sim, não vou estar a mentir. Quando cheguei ao HC Braga era novo, tinha 18 anos. O meu objetivo era sempre voltar ao Benfica. Foi o clube que me formou, é o clube do meu coração e da minha família. Ainda treino todos os dias com o objetivo de voltar ao Benfica. Passava mais tempo com as pessoas do clube do que com a minha família. É a minha casa e quero voltar um dia. Em relação ao Valongo, guardo [mágoa] do treinador Renato Garrido porque acreditei no projeto, acreditei naquilo que me foi dito no início da época e não foi de todo cumprido. Seria injusto se dissesse que também não tenha tido culpa, tive culpa em muitas situações, mas a realidade é que tinha acabado de chegar à 1ª Divisão. Ele era de uma forma comigo que não era com os outros. Do resto do pessoal, nada a dizer. Falo ainda com o Guga, o Moura, Carlitos, eles ajudaram-me muito, e mesmo com a direção do clube falo bem. Em relação ao Renato, foi alguém que deixou-me pela primeira vez com vontade de não voltar ao hóquei. Na semana depois de ter saído não queria ver hóquei, não queria falar de hóquei, não saía de casa.

R - O Chile acabou por fazer bem.

TS - Eu reconheço que não tenho um feitio fácil, mas também não era o que ele dizia que eu era. Tenho muita vontade de de jogar, sou muito obcecado pelo que faço, que é jogar hóquei. Só jogo hóquei, só vivo do hóquei. Às vezes tenho um feitio um bocado difícil, mas não sou desrespeitador.

R - Vamos voltar às origens. Começaste logo no Benfica?

TS - Sim, com três anos comecei a jogar no Benfica.

R - Foi influência da família?

TS - O meu pai, Manuel Sanches, foi jogador de futebol, o meu irmão também foi e sempre fui obrigado a fazer desporto. Mas andava sempre a chatear o meu avô que queria uns patins, mas eles queriam que eu fosse jogador de futebol. O meu pai jogava no Chipre e eu viajava de avião e ligava ao meu avô sempre a pedir uns patins.

R - Tens alguma relação com o Renato Sanches?

TS - Sim, sou primo em 2.º grau.

R - Continua.

TS - Há um dia, saímos do relvado sintético, e o meu avô leva-me ao pavilhão. O Rolão, treinador da formação do hóquei, deu-me uns patins daqueles que se amarram aos sapatos, um stick e uma bola. O Rolão virou-se para o meu avô e disse: 'Este tem de ficar aqui'. Apaixonei-me pela modalidade e já não saí. Ainda andei a jogar os dois, mas chegou uma altura em que tive de decidir e a paixão pelo hóquei falou mais alto.

R - És um jogador muito rápido. Há Alguém que te consiga bater em velocidade?

TS - É difícil. Quando fui treinar aos seniores do Benfica tive Aacuriosidade de saber se era mais rápido do que o Diogo Rafael, mas nunca descobri [risos].

R - Chegaste a jogar pela equipa principal do Benfica na época 2020/21. Foi dos momentos mais felizes no hóquei?

TS - Foi por dois motivos. O mais importante foi jogar ao lado do meu ídolo, o Nicolía. Foram muitas horas a vê-lo treinar e sempre tentei tirar muito dele. Era uma coisa que eu sempre sonhei. E outra porque tive a oportunidade de representar o meu clube ao mais alto nível, apesar de ter sido um jogo para a Taça de Portugal.

R - Vais ficar no Valdagno? Acreditas que podes levar o clube aos títulos?

TS - O meu maior objetivo é voltar a dar um título ao Valdagno. Sim, vou ficar.

R - Tiveste convites?

TS - De Portugal, não. De Itália, tive convite do Trissino, Lodi, Bassano e Sarzana. Falei com o Nico e podia ter ido para o Trissino, mas ia ser mais um. Sei que vou ganhar, mas agora quero é jogar. Tentar fazer história no Valdagno vai ser muito mais importante.