Em apenas dois anos ao comando do Nacional, conseguiu não só levar a equipa à Liga como mantê-la na elite do futebol nacional, apresentando um futebol atrativo e livre de espartilhos táticos. A sua abordagem ofensiva e arrojada não passou despercebida, granjeando-lhe reconhecimento e valorização. Tiago Margarido é o reflexo do mérito e da perseverança. Veio de baixo para alcançar o sucesso onde muitos falham. Com apenas 36 anos, o sonho de um dia ouvir o hino da Liga dos Campeões parece não estar tão distante quanto isso. Sem pressão. Desfruta do trabalho já realizado, aprecia a vida na Madeira e dedica-se ao curso UEFA Pro, preparando-se para um futuro onde, sem dúvida, o céu será o limite.

— Pode considerar-se que esta época foi de sucesso para o Nacional 

— De facto, é verdade, foi uma época de sucesso para nós. Era muito importante estabilizarmos o clube na Liga. Há oito anos que isso não acontecia e era muito importante quebrarmos este ciclo de sobe e desce. Para nós, como equipa técnica, era um dos nossos grandes objetivos alcançar a manutenção, ou seja, neste caso, estabilizar o clube dois anos na Liga. Foi uma época extremamente difícil. Começamos praticamente do zero, tivemos 23 jogadores novos no plantel, tivemos que criar uma cultura de grupo do zero e uma forma de jogar do zero. Pouco aproveitamos da época anterior, infelizmente, mas com o tempo conseguimos impor essa identidade, criar a nossa forma de jogar, a nossa ideologia e felizmente conseguimos ter sucesso. Posso inclusive dizer que para mim, enquanto treinador, foi a época mais difícil desde que iniciei a minha carreira. 

— O Santa Clara sobe, tal como Nacional, e é campeão da Liga2, mas com uma estrutura muito bem montada e forte para chegar à UEFA. Vocês não, certo? 

 — Infelizmente, é verdade. Começamos, como disse, praticamente do zero. Isso, obviamente, custou-nos mais trabalho, mais tempo para criarmos as nossas ideias. Tempo esse também que foi dado pela nossa administração, porque sempre nos deu confiança, mesmo quando os resultados não foram tão positivos. Portanto, sim, de facto, o Santa Clara, neste caso, partiu em vantagem em relação a nós, mas chegámos ao fim e conseguimos os objetivos.  

— Houve um período que realmente, como disse, foi um pouco mais difícil. O que o mudou? Foi o processo que começou a funcionar, o mercado de inverno, que também foi agitado, dedo do treinador ou tudo junto?

— Quando começamos algo praticamente do zero, precisamos de tempo para implementarmos as nossas ideias. Foi isso mesmo que precisámos, de algum tempo para criarmos o espírito grupo de que falei, para criarmos a identidade e a forma de jogar que pretendíamos. Para isso foi extremamente importante, neste caso, o tempo que a Direção nos deu, porque estávamos a conseguir criar um futebol ofensivo, com a chegada à baliza, mas não estávamos a materializar esse futebol ofensivo em golos. Éramos das equipas com mais expectativas de golo na Liga. Inclusive, penso que terminámos em 6.º ou 7.º lugar nesse aspeto. Faltava-nos finalizar. O mercado de inverno foi importante no ajuste feito, porque voltamos a ter jogadores que nos permitiram ter um maior acerto nesse momento do jogo e isso traduziu-se em pontos. Essa estabilidade dada pela Direção e, neste caso, pelo presidente, foi um dos segredos para a época.

Não podíamos abdicar da nossa forma de jogar e da nossa identidade, por isso mantivemos o nosso padrão, que demora tempo. No final, conseguimos ambas as coisas que foi o rendimento desportivo com a manutenção e a valorização dos jogadores que acredito que o clube poderá vender em breve

— Nunca abdicou de um futebol atrativo e sustentado em bases fortes, que tornou o Nacional uma equipa interessante de ver jogar. Considera que isso deu visibilidade ao seu trabalho?

— O nosso objetivo também partia muito pela valorização de ativos. Não só pelo rendimento desportivo, mas também pela valorização dos ativos. Para nós era extremamente importante potenciarmos os jogadores para poderem tornar-se mais-valias e para o clube fazer encaixe financeiro. Não podíamos abdicar da nossa forma de jogar e da nossa identidade, por isso mantivemos o nosso padrão, que demora tempo. No final, conseguimos ambas as coisas que foi o rendimento desportivo com a manutenção e a valorização dos jogadores que acredito que o clube poderá vender em breve.

— Tem jogadores interessantes. O Zé Vítor é um central com qualidade, talvez precise de um travão ali no pé dele para não cometer tantos penáltis. Que jogadores destacaria desta época? 

— Este ano, o Lucas França valorizou, dando consistência ao que fez na época anterior. Penso que o Zé Vítor, de facto, foi uma surpresa, porque veio da III Divisão do Brasil e impôs-se na principal Divisão em Portugal, da forma como todos viram. O Gustavo Garcia, mas esse está emprestado pelo Palmeiras. Também se valorizou. O Djibril Soumaré também teve uma valorização muito grande. Se calhar, esses quatro nomes, porque acho que foram surpresas muito agradáveis.  

— E o treinador também valorizou bastante? 

 — Acredito que sim. Para nós era importante fazer uma boa Liga em ano de estreia, com a obtenção dos objetivos, com consistência naquilo que era o nosso processo. E penso que isso nos valoriza enquanto equipa técnica, porque conseguimos rentabilizar ativos e ter rendimento em Portugal. 

Cláusula de €1 milhão até início de junho

— Vai continuar no Nacional? Pergunto-lhe isso porque tem uma cláusula com dois valores, uma mais baixa, de €1 milhão, até 4 de junho, que depois sobe para €2 milhões. Qual é a sua perspetiva?  

 — A minha perspetiva é continuar no Nacional. Tenho mais de um ano de contrato. De facto existe uma cláusula que veio a público, que tem um período em que fica mais baixa, mas a minha expectativa é continuar, porque tenho mais de um ano de contrato. 

— É natural do Porto. Como é trabalhar numa ilha e que desafios acarreta?

— É o que eu imaginava. Tem sido uma experiência muito positiva. A Madeira é um sítio muito particular, tem os seus encantos, clima fantástico, as pessoas são afáveis e a gastronomia também é excelente. É um povo que vê o futebol com paixão, que apoia a equipa. São muito fervorosos no apoio à nossa equipa. Estou muito satisfeito com dois anos de sucesso que temos tido, com a subida do Nacional e agora a permanência.

— O processo da venda da SAD do Nacional a capital estrangeiro é algo que o preocupe?

— Não é uma coisa que me preocupe, são coisas que me passam ao lado. Estou exclusivamente focado naquilo que é o meu trabalho enquanto treinador, a construção do plantel e criar uma forma de jogar que se identifique com os valores do Nacional. O que sei é que não há melhor pessoa para definir o futuro do Nacional que o nosso presidente. É alguém que já lá está há 30 anos, com uma experiência muito vasta no mundo do futebol. É uma pessoa que gosta muito do clube, portanto, aquilo que ele decidir, tenho a certeza que será o melhor para o Nacional.

Tive o prazer e a felicidade de poder fazer esse trajeto de baixo para cima, passando por quase todos os níveis competitivos e isso também nos fortalece enquanto treinadores. É lógico que ter chegado à Liga e conseguir ter sucesso faz com que o mercado olhe para nós

— Tal como Rui Borges, você fez um percurso de baixo para cima como treinador. Sente que hoje olham para o Tiago Margarido de forma diferente?

— É verdade. O facto de nós, treinadores, termos a possibilidade de passar dos escalões mais baixos até à Liga é um processo de aprendizagem. Um processo com experiências diferentes nos sucessivos patamares que se vai subindo. Isso enriquece-nos enquanto treinadores. Tive o prazer e a felicidade de poder fazer esse trajeto de baixo para cima, passando por quase todos os níveis competitivos e isso também nos fortalece enquanto treinadores. É lógico que ter chegado à Liga e conseguir ter sucesso faz com que o mercado olhe para nós.

— Disse numa entrevista anterior a A BOLA, que o seu objetivo é um dia chegar a um patamar de Liga dos Campeões. Colocou uma meta temporal para chegar lá?

— Não coloquei meta temporal para chegar a esse objetivo porque nós, treinadores, estamos dependentes daquilo que são as oportunidades que aparecem. Não controlamos as nossas oportunidades. Também se me perguntasse, há cinco anos, se neste momento estaria a treinar na Liga, se calhar diria que seria demasiado ambicioso. Mas a verdade é que as oportunidades, felizmente, surgiram e eu, enquanto treinador, tive capacidade de as agarrar. É impossível definirmos metas temporais para chegar a um objetivo. O que temos que nos preocupar é em estar preparados para quando as oportunidades surgem e podermos agarrá-las. E isso é a minha preocupação e não em chegar mais rápido ou mais devagar àquilo que é a minha ambição profissional.

«Há uma nova fornada de treinadores muito competentes»

— Está a tirar o curso UEFA Pro, em Quiaios. Quando o terminar, estará habilitado a orientar equipas de topo em qualquer ponto do planeta...

— Uma das minhas ambições é concluir o curso com sucesso, para poder estar habilitado a treinar em qualquer parte do mundo. Tudo aquilo que são eventuais sondagens está na mão do meu empresário e eventualmente se se tornarem em situações mais factuais ele irá comunicar-me.

Dentro daquele regime militar que é esse curso, está a projetar com o líder do Nacional o plantel da próxima época?  

 — Estamos a formar o plantel, alinhados naquilo que é a versão do Nacional para 2025/2026.   

  — No curso UEFA Pro que frequenta também está o Vasco Botelho da Costa, que subiu o Alverca. 

— Tem o Vasco Botelho, o Vasco Matos, o Luís Pinto, o Fábio Pereira e eu, sim... 

Está a surgir uma fornada de treinadores muito competentes. Acredito que nos próximos anos serão os treinadores que estarão em voga

Uma geração nova de treinadores que pode moldar o futuro do futebol em Portugal? 

— Parece -me que está a surgir uma fornada de treinadores muito competentes. Portanto, acredito que nos próximos anos serão os treinadores que estarão em voga. Esses mesmos que acabamos de referir.  

 — Foi eleito o melhor treinador da Liga 2. Normalmente costuma ser sempre o campeão a ganhar, no caso o Vasco Matos. Valoriza esse tipo de prémios?  

— Obviamente que temos que valorizar, porque é importante e configura aquilo que é a nossa prestação ao fim de uma época, mas esses prémios individuais, se nós não conseguirmos aquilo que são os objetivos coletivos, não servem para nada. Se conseguirmos aliar os dois fatores... Neste caso subirmos de divisão com o Nacional e ao ganhar o prémio de melhor treinador da Liga 2, obviamente que fiquei muito feliz e muito orgulhoso.