
O judo nacional está em choque com a suspensão da federação portuguesa, gerada por uma dívida de 800 mil euros à federação internacional (IJF), por falta de pagamento das cauções da organização de dois Grand Prix e Mundial de juniores. Uma punição que pode fazer com que os judocas lusos tenham de competir com bandeira da IJF no Campeonato do Mundo que começa dentro de duas semanas, na Hungria.
Uma análise ao acórdão da Comissão Disciplinar da IFJ permite perceber a cronologia do processo, as explicações dadas pela federação portuguesa, e até um detalhe inusitado pelo meio, associado a uma tentativa de mostrar boa fé.
O documento começa por detalhar os compromissos assumidos entre as duas partes: a 18 de novembro de 2021 foi assinado o acordo para a realização de três Grand Prix (2022-25), em Odivelas, e a 23 de junho de 2022 para a organização do Mundial de Juniores, no ano seguinte, em Coimbra. Este torneio implicava o pagamento, por parte da Federação Portuguesa de Judo (FPJ), de 300 mil euros, enquanto os Grand Prix custavam 250 mil euros cada. A edição 2025 do Grand Prix não entra neste processo, pelo que a dívida portuguesa é de 800 mil euros, conforme resume o acórdão.
O documento especifica que a 12 de fevereiro de 2025 a IFJ enviou um aviso final à federação portuguesa, que estabelecia um prazo de 14 dias para o pagamento da referida verba, sendo que a 13 de março foi enviada ainda uma carta, pelos advogados da IFJ, a reforçar esse ultimato.
«Dívida astronómica»
O processo foi então reencaminhado para a Comissão Disciplinar, que deu até 1 de maio (de 2025) para a federação portuguesa «admitir a acusação ou apresentar uma declaração de defesa».
Nesse momento, a direção liderada por Sérgio Pina explicou que a FPJ «tem estado em situação crítica após a expulsão do seu anterior presidente», Jorge Fernandes. «Após este episódio, os membros da federação tomaram consciência que os sete anos dessa presidência foram uma catástrofe financeira total», cita o documento. «Quando assumi as funções de presidente comecei a perceber que a dívida da FPJ é astronómica», disse Sérgio Pina no processo, garantindo que isso é algo que «ninguém, tirando o anterior presidente, sabia», embora tivesse sido seu vice-presidente.
O atual líder federativo explicou ainda que o apoio estatal é de 1,2 milhões de euros anuais, o que faz com que seja «impossível pagar sem apoio extraordinário das instituições do Estado». Sérgio Pina garantiu à federação internacional que isso estava a ser tentado, mas com a condicionante imposta pelo contexto político, fazendo referência a «semanas de particular instabilidade» associadas às Eleições Legislativas de 18 de maio.
IBAN errado
A resposta portuguesa prometia apresentar uma proposta de pagamento faseado da dívida, assumindo desde logo que os prazos não podiam ser curtos, que «a única solução viável é garantir um pagamento integral da verba a médio-longo prazo».
A FPJ pediu à Comissão Disciplinar que esperasse para lá do dia das eleições, mas tal não era permitido pelos regulamentos. Esse prazo foi fixado a 13 de maio, sendo que, na resposta, a FPJ assumiu que não tinha novidades relativamente ao apoio estatal, mas avisou que, graças a um «enorme esforço» dos dirigentes atuais, tinha sido realizada uma transferência de 50 mil euros para a federação internacional. «Sabemos que o valor não está sequer remotamente aproximado do total em dívida, e que é curto para aquilo que seria desejável (para as duas partes), mas é impossível, nesta altura, pagar uma quantia superior, e esperamos que este ato, embora curto, seja recebido como um gesto de boa-fé, e a prova de que queremos regularizar uma situação que, não tendo sido criada por nós, assumimos que temos de resolver», dizia a resposta portuguesa.
Esta transferência nem sequer chegou à conta da IJF, devido a um erro da federação portuguesa ao digitar o IBAN. Em todo o caso, a Comissão Disciplinar explicou que a obrigação é fazer valer os estatutos e o código disciplinar, pelo que «não tem autoridade para negociar», até pelo dever de respeitar os prazos dos processos.
Multa perdoada
Sem qualquer plano de pagamento da dívida apresentado pela federação portuguesa, a Comissão Disciplinar avançou para as sanções. Foi aplicada uma suspensão de um ano à FPJ, sendo que a penalização pode ser levantada em caso de pagamento integral da dívida.
A Comissão Disciplinar explica que decidiu não aplicar a proibição de participação em eventos desportivos para não penalizar os judocas portugueses, que podem assim competir com bandeira IJF, cenário que se coloca então para o Mundial da Hungria, onde estarão Catarina Costa, Taís Pina, Patrícia Sampaio, Miguel Gago, Otari Kvantidze e Jorge Fonseca.
Para além disso, a Comissão Disciplinar assume, na decisão do passado dia 23 de maio, que decidiu não aplicar qualquer multa, considerando as circunstâncias financeiras da federação portuguesa.