A única forma de validar hipóteses é testá-las. É nessa metamorfose – em que uma ideia imaginária se transforma na respetiva execução prática – que se compravam ou dissolvem expectativas. Durante o processo, muitos planos milimetricamente pensados colidem com a realidade num acidente que interrompe o trânsito na ponte dos cenários perfeitos.
Não era com o que fez contra os Estados Unidos, adversário com modestas ambições no Mundial de andebol, que Portugal ia saber a sua real condição. É que a seleção nacional colocou o peso de chegar aos quartos de final do Mundial de andebol nos halteres, mas, agora, há que levantá-lo. Um Portugal-Brasil já seria dos jogos de maior incerteza em relação a quem ia puxar a corda com mais força e levar a vitória, mas o triunfo da canarinha frente à Noruega, na jornada inaugural do Grupo E, fizera o adversário dos Heróis do Mar reforçar a tese de que se tratava do primeiro grande desafio de Portugal na competição.
Assim foi e Portugal não demorou a notar que a competição a sério tinha realmente começado aqui. 7’54’’ sem marcar causaram desidratação ao ataque. Finalmente, Pedro Portela lá matou a sede e quebrou o parcial de 0-4 do Brasil.
Numa pausa técnica, Paulo Pereira já tinha chamado a atenção para o desleixo. “Temos de trabalhar mais o jogo”, alertou o selecionador com serenidade no meio da roda de pupilos em brasa. Até ali, Portugal tinha disposto de poucas hipóteses de contra-atacar, tamanha a eficácia da primeira linha brasileira libertada pelo trabalho de bloqueios de Edy Silva, jogador do Sporting.
Com a defesa a forçar erros, Portugal encostou o marcador a um golo de diferença, mas sem nunca conseguir empatar. Porém, a ponta final da primeira parte (11-15) voltou a mostrar um Brasil superior com um domínio sustentado na exibição do guarda-redes Rangel da Rosa e na exploração que Jean-Pierre Dupoux, Haniel Langaro e Bryan Monte estavam a fazer do espaço no lado direito da defesa portuguesa.
Ainda antes do intervalo, Portugal testou o sete contra seis. Apesar de ter conseguido capitalizar, não evitou o contra-golo, voltando ao sistema ofensivo mais comum com muitas ações de cruzamento para libertar Martim Costa e Francisco Costa.
Mesmo com Iturriza condicionado pelas duas exclusões e com Luís Frade desinspirado (até ir ao banco descansar), Salvador Salvador e Fábio Magalhães deram um passo em frente. A consequência foi a melhoria da linha de seis a pendular em frente ao guarda-redes, o que diminuiu os ângulos de remate aos brasileiros, facilitando a vida a Gustavo Capdeville (10 defesas em 26 remates). A acompanhar, as manápulas dos irmãos Costa na finalização e as de Rui Silva nas assistências encheram-se de pós de perlimpimpim.
A 12 minutos do fim, Martim Costa colocou pela primeira vez Portugal na liderança (23-22) e daí até ao fim não parou de passar fatura (nove golos em 14 remates, ligando o modo de atirador furtivo que a cada remate esvaziava o colchão de conforto em que o Brasil já estivera deitado. Porém, foi nos imensos blocos na defesa (rigorosamente foram seis) que o 30-26 ficou vincado. Luís Frade, depois de um necessário descanso, voltou implacável. Salvador Salvador, a defender na zona central, permaneceu igual a si próprio. Fábio Magalhães, quase sem se dar por ele devido à presença física mais miúda, idem.
Portugal não foi melhor durante a maioria do tempo. Acontece que, no período em que foi melhor, Portugal foi muito melhor. Nas hipóteses que Paulo Pereira queria testar, duas foram comprovadas: 1) sim, o Mundial só começou contra o Brasil e daí que o desempoeirar da ansiedade tenha causado atrapalhação numa fase inicial; 2) se o Brasil ganhou à Noruega e Portugal ganhou ao Brasil, talvez o objetivo de estar entre as oito melhores seleções do mundo não seja assim tão descabido. Os Heróis do Mar seguem para a main round e já garantiram que vão começar a fase seguinte com pelo menos dois pontos. Diante da Noruega, no encerramento do Grupo E, o balão pode ainda encher-se um pouco mais.