Quando Renée Slegers assumiu o comando do Arsenal, a época parecia já perdida. Chegou sem promessas grandiosas, mas com uma ideia clara e um ouvido atento. Em poucos meses, devolveu à equipa a confiança, o jogo e o sonho — transformando dúvidas em vitórias e conduzindo o clube até à final da Liga dos Campeões. Mais do que uma treinadora, foi a arquiteta silenciosa de um renascimento.

Um Arsenal perdido nas quatro linhas e que era até então comandado Jonas Eidevall. Durante perto de quatro anos, foi o sueco quem guiou as gunners. No entanto, as críticas começaram a surgir.

Arsenal
Liga dos Campeões Feminina 2024/25
14J
10V
0E
4D
36-15G

O futebol praticado, a gestão de balneário - e até mesmo de plantel - geraram descontentamento. Um exemplo claro da tristeza no Norte de Londres foi a saída de Vivianne Miedema, um elemento fundamental na equipa, para Manchester. Aliado à saída da internacional neerlandesa, os resultados pecavam por escassos.

Afinal, o Arsenal iniciou a temporada com apenas uma vitória nos quatro primeiros jogos da Women’s Super League, num ano em que a Liga dos Campeões parecia uma miragem à partida - ainda para mais depois 5-2 sofrido diante do Bayern München.

A contestação? Gritante. A saída? Iminente. Jonas Eidevall bateu com a porta e a solução recaiu sobre Renée Slegers, treinadora-adjunta. Uma nova era estava prestes a começar em Londres.

«Uma lufada de ar fresco»

«Tem sido uma lufada de ar fresco com a Renée, estou a gostar muito até agora.» Foram estas as palavras de Beth Mead, jogadora singular das gunners quando apenas tinham passado quatro jogos após a saída do técnico sueco.

Mariona Caldentey tornou-se uma das grandes figuras da equipa @Arsenal Football Club

Três vitórias e um empate pareceram dar um vislumbre sobre o que poderia vir a ser a restante temporada do Arsenal. Afinal, só viriam a perder ao 14º (!) encontro com Slegers no comando - diante do campeão Chelsea por 1-0.

Os ventos da mudanças tomaram conta do Norte de Londres, num cenário visível com facilidade. As adversidades passaram a ser vistas como oportunidades e, se antes, havia um baixar de braços nos momentos de aperto, agora as gunners carregam a artilharia e vão à luta, tal como indica a meia-final da Liga dos Campeões diante do histórico Lyon.

Recordista de títulos na maior prova europeia de clubes, o emblema gaulês venceu a primeira mão da eliminatória por 1-2. Tudo levaria a crer que seria difícil o cenário inverter, mas o Arsenal chegou a França e fez das tripas coração para celebrar história.

18 anos depois, as gunners estão de volta a uma final da Liga dos Campeões, depois de uma temporada que começou em baixo, mas pode terminar no auge- finalizaram o campeonato no 2º lugar, apenas atrás do Chelsea.

Calma e serena, mas de armas em punho

Como jogadora, aporta no palmarés a conquista de um Campeonato Nacional na Suécia. Companheira de Jéssica Silva e Cláudia Neto no Linkoping FC, a carreira de Renée Slegers dentro das quatro linhas nunca extravasou para lá dos Países Baixos e da Escandinávia. Como treinadora, está perto de um lugar de glória.

Mas como é que se chega até aqui? Como se faz renascer um balneário partido numa época que tudo fazia prever desapontante?

Mais do que uma nova cara no banco do Arsenal, Renée Slegers trouxe uma nova forma de liderança. Enquanto o ruído em torno da saída de Jonas Eidevall ainda ecoava, a antiga internacional neerlandesa não tentou apagar o passado - construiu, em silêncio, um presente diferente. Marcado pela clareza e empatia, o seu estilo de liderança mostrou-se rapidamente um dos grandes pilares da equipa.

Reviravolta frente ao Lyon faz sonhar com título @Arsenal

«Ela ouve-nos de verdade», revelou Katie McCabe, figura incontornável das gunners: «Nos primeiros treinos, a Renée fazia pausas e perguntava o que estávamos a ver em campo. Sentimo-nos parte da solução, não só cumpridoras

Durante os treinos, as jogadoras têm espaço para discutir, questionar, propor. «A clareza gera liberdade», referiu Slegers, em conferência de imprensa. Essa mesma clareza trouxe ao plantel uma confiança e autonomia que, durante muito tempo, pareceu não existir.

«Sinto que posso ser eu própria aqui, até quando erro», confessou Alessia Russo. «Com a Renée, errar é parte do crescimento. No entanto, ela cobra. Há regras e ela é justa com todas.»

Na análise tática, encara o jogo como um problema por resolver. Não procura moldar a equipa a uma ideia fixa, mas adaptar a ideia às jogadoras que tem. «Ela tem uma calma que impressiona. Mesmo antes de jogos grandes, o balneário está sereno. Sabemos ao que vamos», descreve Leah Williamson, capitã do Arsenal e da seleção inglesa.

Os resultados não tardaram: uma série invicta, futebol envolvente e uma caminhada firme (22 vitórias em 30 jogos) até à final da Liga dos Campeões. Renée não precisou de gritar para ser ouvida. E, agora, pode mesmo ter o maior rugido em Alvalade.