
A final da Liga Europa não é decisiva para Ruben Amorim, ao contrário do que pode acontecer do outro lado da barricada com Ange Postecoglou. A diferença de ambiente entre as duas equipas foi notório na conferência de Imprensa de antevisão ao grande jogo de Bilbau, tal como a forma como ambos os treinadores encararam as perguntas dos jornalistas, ainda que estejam frente a frente o 16.º classificado, o Manchester United, e o 17.º, o Tottenham, da Premier League.
É que a diferença entre a responsabilidade dos dois treinadores também existe. Ange Postecoglou, australiano nascido na Grécia, tinha criado impacto sobretudo no campo, de forma mais mediática nos escoceses do Celtic, com um futebol mais radicalizado e apaixonante, e os seus objetivos passavam por remodelar um plantel de qualidade enquanto aproximava o conjunto da luta por troféus e o dotava de uma identidade em termos de ideia de jogo. Já a missão de Amorim era mais profunda, trata-se de devolver o United à grandeza e isso não se alcança apenas em campo. Os Red Devils são um clube ultrapassado no tempo e a gestão do português toca, a exemplo do que acontecia no Sporting, até a um nível mais extenso, em múltiplas áreas da sua gestão.
Daí que seja natural uma maior proximidade entre Amorim e Jim Ratcliffe, o responsável pelo futebol do clube, numa relação quase diária ou até mesmo diária, e os objetivos ultrapassem esta primeira época, com, ao que a Imprensa britânica relata, um orçamento de mais de 100 milhões de libras (€128M) para gastar no próximo mercado de transferências.
Não acaba aí, obviamente. Desde a chegada a Old Trafford, em novembro de 2024, Rúben Amorim impôs o sistema tático que melhor domina (o 3x4x2x1) e que trouxe resultados em Alvalade, encetando ao mesmo tempo uma revolução que aponta a uma cultura de vitória, não abdicando nunca do compromisso e do espírito coletivo, lacunas que terão atirado Marcus Rashford e Antony para os outros desafios, respetivamente em Birmingham e Sevilha, e deixado Garnacho a equilibrar-se na prancha do navio até conseguir voltar. Os resultados, a nível interno, não têm aparecido, mas a Liga Europa, não sendo decisiva para o treinador português, seria uma forma de sustentação das suas ideias diante dos seus e de projetar a equipa para os outros voos mais à frente. Como se disse, a abordagem é de longo prazo, mas mesmo um percurso maior pode ter metas volantes e esta é uma delas.
O seu 3-4-2-1, assente na flexibilidade posicional e controlo do jogo através da sobrecarga numérica (overload) da zona onde está a bola, ainda não se encontra no ponto, mas tem-se assistido aqui e ali a alguns sinais de evolução, com o crescimento das percentagens de posse de bola nos jogos mais recentes (de 53,81% para 58,72%, relatam Guardian e Sky Sports), um maior número de oportunidades criadas e uma recuperação de bola mais frequente no terço final do terreno. Na verdade, uma evolução semelhante à que teve de fazer em Alvalade, esbarrando depois essa transformação num animal de ataque à profundidade de nome Viktor Gyokeres, que precisava de ser potenciado.
Ao mesmo tempo, Amorim tem promovido uma cultura de responsabilidade e maturidade emocional. Mostra-se transparente e exigente, o que levou já a algumas mudanças na alma da equipa. Se o processo afastou Rashford e Antony, resgatou o melhor Casemiro que algum mancunian viu por perto.
São estes sinais que, apesar dos resultados domésticos decepcionantes, apenas seis vitórias em 26 jogos da Premier League, a direção de Jim Ratcliffe encontra para dar margem tão grande de confiança ao português. Os responsáveis valorizam a sua paixão, a gestão dos jogadores de um ponto de partida tremendamente próximo e a visão a longo prazo. Estão, por isso, previstas mudanças estruturais e de pessoal, incluindo a construção de um novo centro de treinos de 50 milhões de libras (€60M) para substituir Carrington, alinhadas com as ideias de Ruben Amorim.
Embora Amorim enfrente desafios significativos, incluindo a necessidade de melhorar a qualidade e mentalidade dos jogadores, há sinais de progresso que sustentam a maior liberdade e menor pressão que enfrenta. Com a consistência na seleção da equipa para os jogos, o técnico tem ainda enfatizado a importância da responsabilidade e da liderança dentro do próprio grupo, desafiando jogadores como Harry Maguire a melhorar desempenho e voz de liderança.
No final, o próprio já o reconheceu em vários encontros com os jornalistas, serão os resultados a ditar o futuro, todavia, para já, ainda há margem para se perder, se bem que não para a forma como se perde. Daí a cultura de exigência que manteve no campeonato quando faltava jogar a segunda mão da meia-final com o Athletic Bilbao, depois, apenas esta mesma final. Estão a implementar-se mudanças profundas no Manchester United, com foco na transformação tática e cultural da equipa. Embora os resultados imediatos possam não refletir totalmente esse impacto, há uma visão clara para o futuro do clube sob a sua liderança.