Os gauleses esqueceram a modéstia. Muito pelo contrário, aprontaram o Stade de France para um espetáculo de luz e cor, pomposo e espampanante. Claramente a Federação Francesa de Râguebi confiava nas suas odes: o quinto e derradeiro jogo do torneio das Seis Nações poderia ser o da consagração e quem por lá se chega à frente com decisões depositou as fichas por inteiro no azul, branco e vermelho. Se poderia ser, tinha mesmo que ser, tragam os confettis, é noite de festa. Restava aparecer a substância da farra, único pormenor que não estava garantido.

Em Paris, no recinto que é casa do râguebi francês a rebentar de gente, antes da partida foi estendida uma camisola gigante dos Les Bleus no relvado, esticada por dezenas de voluntários. Viam-se lançadores de chamas a rodear o campo, dançavam cheerleaders para animarem a malta. Ao intervalo, houve um espetáculo musical de Maman, a cantora eleita para representar França no Festival da Canção vindouro, literalmente aterrada no relvado por uma plataforma suspensa. Aí soltou-se fogo de artifício, puseram as luzes do Stade de France a piscar, montaram um palco, até percussionistas com tambores foram convocados para fazerem tremer as sonoridades. Parecia a final de um Mundial, era somente uma possibilidade com 80 mil pessoas a fazerem figas.

E no descanso, jogada a primeira parte, a França nem tinha sido espetacular, pouco cativante por contraste com o que fora perante a Irlanda, duas semanas antes. Agora ganhava, mas apenas por três pontos (16-13) e falta-lhe um jogador em campo, refém do segundo cartão amarelo na partida. Quiserem fazer dos escoceses os bobos de uma festa que eles pretendiam arruinar - já nos descontos, Finn Russell já se preparava para chutar aos postes e converter o ensaio que colocaria as visitas em vantagem, mas o árbitro anularia o feito porque uma pitada do corpo endiabrado de Blair Kinghorn estivera fora de campo na jogada que antecedeu o toque de meta.

Não seriam três titubeantes pontos de vantagem a estragar os preparos franceses. Fez-se a festa, houve espetáculo. Quando regressou o râguebi, a Escócia, porventura ainda mais desgostada com o lado circense da ocasião, quis cair logo sobre o adversário, Finn Russell investiu contra a linha defensiva gaulesa, quis cruzar a sua linha de corrida com Fraser Brown, mas o petit passe saiu mal. A sobra acabou em Ntamack, que sprintou campo fora até Louis Bielle-Biarrey apareceu no seu encalço.

Além de ter sido um dos ensaios mais fáceis da sua imberbe carreira, foi muito significante: o ponta francês, de 21 anos, marcou o oitavo neste Seis Nações, batendo o recorde de ensaios feitos numa só edição do torneio. É o frenético de serviço na equipa treinada por Fabien Galthié, com cara de poder ser outra estrelana fornada tão capaz do râguebi gaulês.

Na primeira parte já Thomas Ramos, neto de português, quebrara o primeiro das possíveis proezas da noite. Convertendo ensaios e penalidades, o 15 ultrapassou Frédéric Michalak na contagem dos pontos pela seleção francesa, chegando aos 450 com o seu fiável pé direito enquanto os Les Bleus foram massacrando os escoceses no trabalho de ruck e, sobretudo, na aposta em marrar contra o adversário com mauls atrás de mauls.

A pintura do Stade de France estava para presenciar uma gala, ter finesse, aperaltada a fim de ver o râguebi gaulês no seu esplendor atacante. O que teve foi um jogo tratorista, assente no poderio dos avançados, os titulares e os trazidos depois do banco para manter viva a maquinaria por vezes necessária para terraplanar jogos pela força quando pelo jeito parece complicado. No final, o 35-16 confirmou a esperada festa. Três anos após a conquista do torneio só com vitórias, esta talentosa geração do râguebi francês venceu a prova com 30 ensaios marcados, outro recorde a motivar a celebração.

Para erguer a troféu e dar soltura aos foguetes apareceu Antoine Dupont, ainda preso por arames, seguro por muletas após uma cirurgia ao joelho (lesionou-se contra a Irlanda, na partida anterior). O capitão e menino-bonito da vida oval de França pôde sorrir quando ergueu o troféu, la fête estava montada, havia que celebrá-la.

A melhor seleção do râguebi europeu prevaleceu até sem o seu melhor jogador antes de, em julho, fazer as malas para uma digressão à Nova Zelândia, onde terá à espera três encontros frente aos All Blacks. Provavelmente, Dupont nem estaria lá mesmo imaculado: a federação, como em viagens anteriores a países do hemisfério sul, já revelou que não levará os jogadores das equipas de topo do Top14, que apenas terminarão a época no final de junho.

Afinal, os franceses já tiveram a sua festa.