Ponto prévio: este texto não é sobre Andreia Faria, mas podia sê-lo. Nos 58 minutos que pisou o relvado do Estádio da Luz, a médio do Benfica foi a melhor jogadora em campo pela forma cerebral como fez o jogo das águias fluir. Procurou aproximar-se da construção, identificando os espaços vazios para receber e dar andamento ao jogo das águias, ajudando a superar a pressão do Sporting que, nos instantes iniciais, não só criou perigo como deu um golo às leoas.

Mais à frente, deu sequência aos ataques do Benfica, gerindo ritmos e definindo jogadas no último terço, procurando sobrecarregar um lado quando o era exigido ou soltar rapidamente à direita, encontrando Lúcia Alves sozinha, depois do jogo de atrações à esquerda.
E este texto não é sobre Andreia Faria, porque todas as equipas beneficiam de uma jogadora como a internacional portuguesa e, por consequência, todas as colegas da médio viram o seu nível exibicional subir, desde logo do meio-campo para a frente.

À esquerda do triângulo do meio-campo do Benfica, Andreia Norton foi uma aproveitadora de espaços, utilizando a força física para ganhar duelos e a capacidade de condução e de transporte a seu favor. Aproveita a liberdade na ocupação de espaços para encontrar o melhor espaço por onde romper, quer mais atrás, quebrando linhas em posse, quer mais à frente, tornando-se mais uma jogadora a forçar a linha defensiva adversária e criando espaço para as avançadas.

Muito do dérbi feminino (Benfica 1-1 Sporting) foi jogado pela forma como as duas equipas procuraram encurtar o espaço, correspondendo os períodos de domínio aqueles em que as pressões altas foram mais efetivas, mas também como procuraram importunar a linha defensiva adversária. Não é de estranhar, portanto, que os dois golos tenham surgido desta forma (no lance que origina o penálti e o canto).

Conjugando Cláudia Neto e Telma Encarnação nas costas de Diana Silva, o Sporting procurou a qualidade de definição entrelinhas da primeira e a agressividade na chegada à área da segunda para, por um lado, criar condições para Diana Silva atacar a profundidade e, por outro, para beneficiar do espaço criado por essas desmarcações, caso a bola não fosse lá parar. Foi numa destas roturas, após uma recuperação em zonas altas, que surgiu o penálti que lançou as leoas em vantagem.

Numa dupla cara de referências, o Benfica procurou constantemente criar desconforto nas centrais do Sporting com os movimentos de Nycole Raysla maioritariamente em apoio e a capacidade de Cristina Martín-Prieto, em desmarcações curtas nas costas da linha defensiva. Foi uma destas que obrigou Hannah Seabert a defender para o canto onde a avançada espanhola empatou o jogo. Na tónica dos espaços definiu-se um jogo cuja segunda parte se descaracterizou.

O Sporting foi superior nos segundos 45 minutos. Porque o Benfica foi menos capaz de ter bola e se desposicionou – e aí a explicação de Filipa Patão, revelando a ansiedade em recuperar a bola que prolongou o desconforto e o tempo sem ela – e porque, nesse jogo desenfreado de transições, o Sporting tem outros argumentos, quer na linha defensiva (Ana Borges irrepreensível, mesmo num jogo onde não esteve tanto em foco), quer a atacar outras.

Faltou Andreia Faria ou alguém que fizesse o que Andreia faria quando o Benfica teve bola. Ao Sporting, que não tem uma médio com todas estas características no plantel, faltou porventura outra capacidade de dosear os timings para despejar bola na frente ou aguardar e atrair ainda mais o Benfica.

A entrada de Brittany Raphino – fisicamente diferenciada em Portugal – torna este vicío na vertigem mais proveitoso, mas gerí-lo teria permitido uma superioridade mais clara. A avançada é, de resto, o retrato perfeito do dérbi. Quando houve espaço para correr, houve perigo. Faltou outra definição em certos momentos. Para o Benfica, que caiu a pique na segunda parte – onde sobressaiu Christy Ucheibe que, pela capacidade física, encontrou o contexto ideal para brilhar – e precisava de outra capacidade para gerir a bola. E para o Sporting, que poderia ter traduzido o domínio de outras maneiras se o critério em certos momentos e em determinados lances fosse outro.

BnR na Conferência de Imprensa:

Bola na Rede: O Sporting procurou hoje jogar muito com as costas da linha defensiva do Benfica, quer em transição quer atraindo para procurar a profundidade. Taticamente qual o objetivo desta estratégia?

Micael Sequeira: Taticamente, quando se faz isto é sempre para criar superioridade no meio-campo e, ao mesmo tempo, atrair, enquadrar as médios ofensivas e explorar o espaço em profundidade. Incialmente a estratégia do Benfica passava pelas centrais saltarem na pressão. Sabíamos que ao saltar na pressão temos jogadoras muito fortes a jogar entrelinhas, a Cláudia Neto e a Telma [Encarnação] e, se conseguissem enquadrar, o espaço iria aparecer. A situação da grande penalidade surge assim e logo a seguir ao nosso golo na primeira parte temos uma jogada semelhante em que a Diana aparece de frente. Penso que o plano estratégico funcionou na perfeição e as jogadoras cumpriram aquilo que estava definido. Faltou hoje sermos mais eficientes nas oportunidades que criámos. É o único ponto que hoje posso apontar às jogadoras porque, perante este ambiente e uma equipa moralizada como o Benfica, que nunca perdeu, chegámos aqui com esta personalidade a ir à procura do resultado porque queríamos ganhar. Acredito, muito sinceramente, que isto não está fechado. Vai ser até ao final. Não tirando o mérito ao Benfica, longe disso, mas as equipas que teoricamente começaram pior o campeonato na segunda volta estão a acrescentar qualidade e a evoluir e podem retirar pontos. Acredito que isso possa acontecer, mas sei que o Sporting também vai ter mais dificuldades nesses jogos. Vamos procurar continuar a fazer o que temos feito, continuar a ser a equipa com mais golos marcados e menos sofridos, o que é demonstrativo da qualidade que a equipa tem e passou a jogar. Passámos a ser muito mais ofensivos, agressivos e temos de continuar a trabalhar e acreditar que vamos ser felizes no fim.

Bola na Rede: Na complementaridade do meio-campo do Benfica, quão importante é conjugar o lado mais cerebral da Andreia Faria e o lado mais físico nas ruturas e conduções da Andreia Norton e sente que foi a saída precoce da Andreia Faria a provocar algum desnorte nas decisões e na capacidade de controlar o jogo com bola?

Filipa Patão: A [Beatriz] Cameirão também tem essa capacidade, também é uma jogadora muito inteligente e com capacidade para jogar com bola. Sabíamos que tínhamos o amarelo da [Anna] Gasper e o amarelo da [Catarina] Amado. Volto a repetir, a Lúcia [Alves] não era para sair, teve uma condicionante e veio de uma longa paragem, devido à paragem da Chandra [Davidson] teve mais tempo de jogo que o expectável, mas teve de ser. Num jogo tão intenso poderia quebrar mais cedo e tivemos de gerir. Não era o expectável, mas com os dois amarelos, tivemos de mudar as coisas e aí fez diferença. Tivemos de passar a Cameirão para 6, deslocar a [Andreia] Norton para o lado direito, que não é o lado preferencial nem a missão preferencial, com a Mimi [Marie-Alidou] do lado esquerdo. Isso modifica o nosso jogo e as características ao jogo. Com a [Andreia] Faria a sair e a entrar a Cameirão, sabíamos que também tem um jogo muito cerebral, é inteligente a ocupar os espaços e consegue transportar, tanto que pode jogar a 6, a 8 ou a 10. A ideia era dar frescura, mas sentimos que o jogo ao cair em transições, com a Gasper amarelada a 6, e a Amado amarelada com esse tipo de transições, poderíamos acabar com menos uma. Não era o pretendido, portanto trocámos a Laís [Araújo] pela Amado pelo amarelo, a Cameirão para seis pelo amarelo e características diferentes mexem o jogo. Ainda assim, tinham capacidade para um jogo de posse independentemente das peças que lá estavam. Sabemos que a Mimi ataca um pouco mais a profundidade, com características parecidas à Norton no transporte e a levar, mas quando a Norton teve de passar para a missão da Faria e a Cameirão para a da Gasper, trouxe coisas diferentes, porque a Norton é mais de transporte e com a fadiga começou a não decidir tão bem. Atenção, isto apesar de ter feito um jogo excecional. Foi irrepreensível na missão que lhe foi dada. Volto a repetir, queríamos frescura na segunda parte e daí a entrada da Cameirão para dar frescura e ataque ao último terço. Embora na primeira parte estivéssemos com posse, queríamos ter médios com mais chegada à área. A particularidade da Cameirão relativamente à Faria é essa. Consegue ter um jogo de posse e muita chegada à área. Sabemos que é difícil entrar num jogo jogado a esta intensidade, mas volto a repetir, as minhas jogadoras foram irrepreensíveis na atitude que meteram e na ambição de ganhar o jogo. A parte da inteligência emocional condicionou um pouco as missões que tínhamos para a segunda parte, fomos caindo e não conseguimos ter um jogo igual ao que fizemos na primeira.