Não basta passar o Natal em primeiro para ter um ano feliz. É preciso também fazê-lo no Ano Novo, no Carnaval, na Páscoa e, principalmente, em maio, numa época festiva que só é celebrada pelos adeptos de futebol e, exclusivamente, por uma certa franja destes. Foi esta a mensagem de Bruno Lage para todos os adeptos do Benfica depois da vitória por 3-0 diante do Estoril Praia que atirou os encarnados para um primeiro lugar que, há dois meses, parecia impensável.
Houve muito mérito na forma como o Benfica, mesmo sem ser absolutamente dominador e num período de quebra exibicional, cimentou uma sequência de vitórias na Primeira Liga, apenas interrompida por um empate na Vila das Aves. Ainda assim, na realidade, o primeiro lugar na semana antes do dérbi chega após uma queda desastrosa e imprevisível do Sporting nos últimos jogos, abrindo caminho a uma disputa aberta – e nivelada por baixo – entre os três crónicos candidatos ao título.
Nesta disputa, que ainda mudará de contornos e de figura nas próximas semanas, há duas exigências muito claras que Bruno Lage terá de ter em conta. Quando chegou à Luz, o principal mérito do treinador das águias foi organizar os jogadores e colocá-los em posições e funções que lhes dessem conforto. Ángel Di María foi protegido por Fredrik Aursnes (que regressou ao meio-campo), à esquerda formou-se uma sociedade capaz de potenciar Álvaro Carreras e Kerem Akturkoglu e o Benfica melhorou rapidamente o nível exibicional.
O próximo passo de Bruno Lage é alargar o plantel. Encontrar um onze de conforto foi importante numa primeira fase, mas o cansaço acumulado, e o esfumar do efeito da chicotada abrem horizontes a novas necessidades. O onze-tipo do Benfica está perfeitamente definido e mesmo as substituições são, em muitos momentos, algo previsíveis num plantel alargado e com múltiplas soluções.
Jogadores como Andreas Schjelderup e Benjamín Rollheiser reclamam por mais minutos e a utilização praticamente residual que têm deixa dúvidas quanto à confiança que têm e à forma como são olhados internamente. Num Benfica que se quer mais criterioso, há espaço para oferecer mais minutos aos dois jovens. O papel de Zeki Amdouni também terá de ser revisto por Bruno Lage. O suíço é o jogador do Benfica com mais aptidão para o golo, sem grandes problemas em armar o remate. Ao contrário de Vangelis Pavlidis, um jogador mais associativo, a vontade com que Amdouni procura a baliza é marca distintiva no Benfica e, a variação do 4-3-3 para o 4-2-3-1, abrindo caminho à presença de um jogador nas costas do avançado, é o encaixe perfeito para o avançado.
Por fim, e numa situação diferente, Jan-Niklas Beste ainda procura o melhor enquadramento no plantel do Benfica. É notória a confiança que Bruno Lage deposita no alemão, mas taticamente nem sempre tem o melhor encaixe. Se com Roger Schmidt poderia ser o lateral que se projeta e garante o corredor, com Bruno Lage o lateral esquerdo (Bah já é este jogador na direita) precisa de oferecer outra variabilidade nas soluções com bola no pé e outra capacidade de sair desde trás. Por outro lado, a versão extremo de Jan-Niklas Beste não tem a mesma criatividade que outros jogadores do plantel (Andreas Schjelderup tem outro refino técnico) e depende da precisão técnica na batida na bola. Não há muitos com a mesma capacidade de cruzar e de colocar a bola no sítio certo, mas quando isto se perde – e contra o Estoril Praia o alemão esteve algo impreciso – fica pouco a acrescentar.
A segunda necessidade de Bruno Lage é encontrar o equilíbrio perfeito que permita ao Benfica conseguir gerir o jogo com bola. Saber reconhecer esta necessidade é o primeiro passo para a colmatar e, pelas declarações recentes, o treinador tem bem identificado este problema que, na realidade, só o é em certos cenários.
Do meio-campo para a frente, quer-se vertigem em quase todos os jogadores do Benfica. De Orkun Kokçu a Alexander Bah (projetado), de Kerem Akturkoglu a Ángel Di María, o piloto automático está programado com destino à baliza. As principais referências na pausa jogam atrás no terreno e, em certos momentos, os jogos abrem-se e tornam-se divididos pela incapacidade do Benfica gerir a bola e o ritmo, percebendo quando é mais produtivo o passe para a frente, para o lado ou para trás.
E, nesta exigência, o plantel encarnado não ajuda. Mesmo sendo um plantel muito apetrechado, falta um jogador capaz de oferecer segurança e pausa com bola e que tenha na gestão dos ritmos e dos timings do jogo o seu forte. Numa altura de Natal, Bruno Lage pode ter um desejo especial a pedir. Resta saber se o Pai Natal será generoso e colmatará a principal lacuna de uma equipa que é, neste momento, líder da Primeira Liga.
BnR na Conferência de Imprensa
Bola na Rede: O Benfica tem atacado muito e construído muitos golos e lances de perigo pelo corredor lateral com as associações entre os laterais, os extremos e o médio a aproximar. Hoje muda o sistema, inverte o triângulo do meio-campo e o Benfica em vez de ter médios interiores passa a ter um duplo pivô com um jogador mais à frente, acabando por ter os jogadores mais espaçados e menos apoio deste médio no corredor lateral. Taticamente qual o impacto que esta mudança com a inversão do triângulo tem no Benfica e como vê a construção do Benfica, com demasiada velocidade e menos pensada do que poderia ser?
Bruno Lage: Quando fala do triângulo invertido, qual o terceiro homem.
Bola na Rede: Neste caso, o Akturkoglu jogou à frente do duplo pivô no meio-campo. Muitas vezes é o Florentino quem funciona como primeiro médio, com o Aursnes e o Kokçu à frente.
Bruno Lage: Não leve a mal. Nós não tentámos fazer nenhum triângulo, tentámos fazer um quadrado. Quase parece uma aula de geometria [risos]. É uma pergunta muito interessante. Se tivéssemos tempo, e você fez uma pergunta de futebol, podia mostrar como é que nós partimos o posicionamento para perceber melhor o nosso sistema. Às vezes no estádio ou a ver o jogo não se consegue ver e mesmo nós, no banco, vemos muito melhor em câmara aberta e filmado. O nosso objetivo era manter os dois laterais bem abertos, de uma forma assimétrica o Bah e o Beste, termos os dois médios e ter o Di María e o Akturkoglu por dentro. Quando se olha para a equipa pode entender-se que jogámos em 2+1, mas depois a nossa dinâmica era fazer ali um quadrado. Depois é ir ao ADN dos jogadores. Somos muito fortes em jogar de forma vertical. Na esquerda o sangue turco é quente e gostam de acelerar o jogo, na direita temos o Bah. Desculpem a expressão, ele sabe que eu o trato assim, que é um cavalo de corrida, o Di María também gosta de acelerar jogo e nós aproveitamos isso no nosso jogo para ser muito fortes nesse momento. O Fredrik [Aursnes] e o Kokçu a tempos conseguem controlar o jogo e gerir melhor o jogo. Por isso é que tenho dito que há momentos do jogo em que podemos crescer e evoluir. É nesse sentido que o vamos fazendo. Ainda não temos tempo de trabalho com a equipa para jogar a velocidades diferentes, mas por vezes vamos fazendo isso com enorme qualidade. Como foi na 2ª parte contra o Nacional em que jogámos muito bem, como foi depois do 2-0 e da entrada do Benjamim [Rollheiser] e do [Leandro] Barreiro para o Kokçu ser o 6 e ter o controlo do jogo.
Bola na Rede: Sempre que o Estoril procurou subir as linhas de pressão e pressionar mais alto, numa marcação individual, acabou por deixar espaço nas costas dos médios e dos defesas, que o Benfica conseguiu explorar. Taticamente, o que falhou nestes momentos?
Ian Cathro: Pode-se fazer a pergunta da outra maneira e ver as vezes em que os nossos médios, os nossos alas recuperaram a bola e foram lá criar perigo.