No anonimato do banco de suplentes, debaixo de um casaco escuro, poucos adivinham o que a figura carrega. As pernas arqueadas dão algumas pistas, evocam o baixinho de drible curto e atrevimento como forma de vida.

Jorge Couto.

Os três pontos do Boavista em Paços de Ferreira, casa adotada do Rio Ave, são muito dele. Figura discreta, resgatada ao futebol juvenil para substituir Lito Vidigal, um homem mais exuberante no curriculum vitae do que nas falas e comportamentos.

Não se sabe se Lito Vidigal terá um substituto formal ou se Jorge Couto carregará mais uns tempos o coração do Boavista nas mãos.

Por agora, seguro será dizer que o fio de vida dos axadrezados ainda bate, em picos de alta e baixa tensão, muito por responsabilidade do antigo internacional português, figura de culto nos maiores emblemas da Invicta.

«É um clube com que me identifico e me diz muito. É tentar fazer o nosso melhor com ânimo, atitude e compromisso.»

Os mais novos não desconfiam do riquíssimo palmarés que o precede. Vale a pena recordá-lo. Afinal, estamos a falar de um campeão do mundo.

Herói nas Antas, no Bessa e em... Riade

Em Argoncilhe, o nome ainda enche a Casa do FC Porto local. Jorge é um filho da terra e o primeiro a saltar daí para os azuis e brancos, após breve passagem por Lourosa. O segundo chama-se Fábio Vieira, 31 anos mais tarde.

Jorge Couto
Total
410
Jogos
25766
Minutos
40
Golos
7
Assistências
37 1 1 2x
Um ano nos juvenis, um ano nos juniores e o empréstimo ao Gil Vicente na antecâmara dos primeiros vislumbres de glória. É de Barcelos, e de uma equipa treinada por Mário Reis, que segue com Mário Morgado e Paulo Alves para a Arábia Saudita.

Não em busca do El Dorado e de contratos de abundância pornográfica, mas em perseguição do título mundial de sub20.

Assim é.

Suplente na primeira fase do torneio, o habilidoso extremo ganha lugar e destaque a partir dos quartos-de-final: 62 minutos e um golo contra a Colômbia, mais 76 frente ao Brasil e 90 na final diante da Nigéria, com um golo decisivo e o bilhete de acesso ao plantel principal do FC Porto.

Rei em Riade, príncipe nos corredores das Antas.

Genialidade em Alvalade e a «bad luck» com Robson

Artur Jorge e Carlos Alberto Silva adoram-no. Em quatro épocas, o pequeno Jorginho faz 133 jogos de dragão ao peito e 12 golos, o mais memorável em abril de 1991, no Estádio de Alvalade.

Perto do intervalo, a bola cai no pé direito de Jorge Couto, sobre a zona do meio-campo. O gigante Ivkovic está adiantado, mal colocado, e a genialidade do argoncilhense faz o resto.

Um chapéu a 50 metros do golo e a entrada na galeria das figuras icónicas do mundo portista.

@Getty /
Sete épocas completas nos seniores do FC Porto, cinco campeonatos conquistados. Uma brutalidade. A sorte de Jorge Couto só muda quando CAS regressa ao Brasil e Pinto da Costa aposta em Tomislav Ivic.

Jorge Couto começa a passar mais tempo no banco do que no onze inicial e o cenário piora com a entrada em cena de Sir Bobby Robson. Com o inglês, o tempo de jogo reduz drasticamente.

Nesse período, e mais tarde no Bessa, Ion Timofte é parceiro na arte e no génio. O romeno fala ao zerozero com «carinho» sobre um dos «nomes mais importantes» da passagem por Portugal.

«O Jorge jogava muito e era um tipo engraçado, com piada», conta ao zerozero o romeno. «Há uma cena muito contada por ele, com o Robson. No dia de uma convocatória, a folha é colocada no balneário e o Jorge vai lá todo contente. De repente, vê que o nome não está lá e o Bobby Robson aparece-lhe por trás: 'Bad luck, Jorge. Bad luck'.»

Robson aprecia o futebol de Jorge Couto, mas acha-o «incompatível» com a vertigem, a pressão alta, a intensidade sempre nos limites que exige.

De 94 a 96, dos 27 jogos realizados (4 golos) apenas 18 são a titular. Uma lesão e o final do contrato ditam o adeus ao FC Porto, mas a marca deixada é contundente: 183 jogos no total, além de dez troféus nacionais.

Nesse período nas Antas, Jorge soma cinco internacionalizações A por Portugal. Artur Jorge chama-o regularmente, mas a entrada de António Oliveira coincide com o apagamento no FC Porto.

O Euro96 não passa de uma miragem.

2001, odisseia aos quadradinhos

Sem contrato no FC Porto, Jorge Couto entrega-se ao namoro com o Boavista. O verão de 1996 revela-se mais do que uma paixão fugaz.

Quando entra no balneário axadrezado, Ion Timofte já lá está há dois anos. Reiniciam a simbiose de pensamento e amor pela bola.

«O Boavista oferecia-nos contratos muito próximos ao que tínhamos no FC Porto. Eu estive nas Antas sempre emprestado pelo Timisoara e o Porto nunca exerceu a opção de compra. O Boavista teve essa capacidade e também convenceu o Jorge», confidencia o genial romeno.

A opção revela-se acertada. De 1996 a 2003, mais sete épocas de futebol, a imagem das pernas em arco a proteger a bola passa a ser marca registada desse Boavistão.

São 197 jogos, 20 golos, o regresso à Seleção Nacional (24 minutos contra Israel em novembro de 1998) e o clímax em maio de 2001, já aos 31 anos.

«Eu saí em 2000. Tive de sair para o Boavista ser campeão», brinca Timofte. «O Jorge merece o reconhecimento do mundo boavisteiro. Foi um jogador tremendo e o Jaime Pacheco não prescindia dele. Misturava técnica e raça, era a marca do Jorge.»

É provável que a passagem pela função de treinador principal, pela terceira vez, não passe dos três pontos na Mata Real. Mas o que seria já deste Boavista se não fossem esses três pontos?

Jorge Couto, um herói axadrezado.