
— Tem 36 anos, imagina-se a jogar até quando?
— É difícil dizer, porque não sabemos como o corpo vai reagir. Há uma altura em que o corpo vai dizer basta. Depende do futuro, da família.
— E o que pensa fazer?
— Tenho uma pequena ideia, mas não estou focado nisso agora, porque é muito importante estar focado no basquetebol.
— Mas gostaria de continuar ligado ao basquetebol?
— Sim, com certeza. Até aqui no Benfica, muitas pessoas me disseram que eu podia tirar o curso de treinador, experimentar trabalhar com os mais jovens. Tenho minha licença na Tunísia, como professor, ensino jovens na escola a jogar basquetebol, e licença da FIBA.
— Imagina viver em Portugal?
— Para ser sincero, Lisboa mudou toda a minha maneira de pensar. Eu morava numa das melhores cidades da Tunísia, em Sousse, e sempre que estava fora — joguei quase 12 anos fora do meu país – dizia que mesmo que ganhasse milhões sempre moraria em Sousse. Depois de quatro anos no Benfica, a minha ideia mudou. Posso morar entre Sousse e Lisboa, porque amo a cidade, gosto muito das pessoas. Os meus filhos nasceram aqui. São metade tunisinos, metade portugueses, falam português, frequentam a escola aqui. Então, tenho muitas opções para o futuro, mas ninguém sabe. No meu país, na minha religião, dizemos que tudo vem de Deus, não podemos preparar nada, por isso dou liberdade, deixo fluir mas, no fim... Depois Deus decide sobre o futuro.
Preciso de agradecer a uma pessoa do fundo do meu coração: Mário Palma. Ele deu-me a oportunidade de fazer parte do Benfica e isso mudou completamente a minha vida
— Esta é a terceira experiência na Europa, é tudo diferente?
—Joguei em Múrcia, Espanha, e em França. E em outros países árabes, no Líbano e no Egito. Em países árabes, é completamente diferente. Se eles tiverem melhores condições, podiam competir com algumas equipas na Europa. Nos países árabes têm muito dinheiro, têm muito talento, mas precisam de pessoas para lhes mostrar o caminho. Na Egito ganhei dois campeonatos, no Líbano, quatro. Para mim, foi uma boa experiência. Este é o 33.º ou 32.º troféu que ganho.
— E sente o mesmo agora do que no primeiro?
— Não sei. Na minha cabeça, digo sempre que não é suficiente, que preciso de ganhar mais. Quando penso, tenho sempre na memória a minha primeira competição africana que ganhei com a seleção. O primeiro troféu que ganhei com a minha equipa Étoile du Sahel… Mas quero sempre ganhar mais.
— É por isso que lhe chamam 'Gladiador'?
Quando eu vivia em Sousse era uma loucura [risos]. Podes viver sem um tostão porque as pessoas dizem que lutas pela sua camisola podes comer, beber, pagam tudo. Tu és um Deus. Na Tunísia, somos lutadores, todos os dias para ganhar tudo. Quando acordo, preciso lutar mais para ganhar mais.
— Chamam-me isso desde a Tunísia porque jogava na equipa da minha terra, lutava sempre pela equipa. E acho que os adeptos do Benfica respeitam-me, porque eu mostro-lhes que estou sempre aqui para lutar. Digo muitas vezes aos jogadores que os adeptos gostam de troféus, claro, mas querem que lutes pela equipa, pela camisola que tens vestida. Quando os fãs percebem que mereces vestir a camisola do Benfica, ficam contentes. Temos de merecer vestir a camisola do Benfica.
— Essa atitude é por causa do amor ao basquetebol ou da educação, da sua religião?
— Acho que é a nossa educação. Se jogar futebol ou hóquei será o mesmo, é a nossa educação. Especialmente na Tunísia, é completamente diferente. Os fãs são mais loucos do que aqui em Portugal, porque lá eles mostram amor e respeito. Se estiveres a lutar pela tua camisola, podes ir almoçar fora todos os dias que não pagas nada. Quando eu vivia em Sousse era uma loucura [risos]. Podes viver sem um tostão porque as pessoas dizem que lutas pela sua camisola podes comer, beber, pagam tudo. Tu és um Deus. Na Tunísia, somos lutadores, todos os dias para ganhar tudo. Quando acordo, preciso lutar mais para ganhar mais.
— Recebeu uma enorme honra do governo do seu país
— Deve ser uma das maiores distinções e para um jogador, é um orgulho enorme. Eu estava na seleção há 17 ou 16 anos, sempre dei tudo pela equipa e a Tunísia é um país pequeno. Há melhores equipas que dominaram a liga africana durante anos. Com um bom grupo de jogadores, uma boa equipa técnica, em 15 anos, conseguimos. Joguei seis competições africanas, ganhámos três, qualificámo-nos duas vezes para o Mundial, fomos aos Jogos Olímpicos. Isto para a Tunísia é muito importante e quando somos distinguidos pelo presidente é um ótimo sinal. Agora as pessoas gostam mais de basquetebol, os jogadores já ganham muito dinheiro, mais do que em Portugal. Mas na mentalidade tunisina, os pais não deixam que os filhos se dediquem apenas ao desporto. Tive oportunidade de sair do país quando tinha 18 anos e a minha mãe disse que não, só depois de ter o diploma. Se tens uma lesão e és obrigado a parar de jogar, tens de sobreviver.
Na mentalidade tunisina, os pais não deixam que os filhos se dediquem apenas ao desporto. Tive oportunidade de sair do país quando tinha 18 anos e a minha mãe disse que não, só depois de ter o diploma. Se tens uma lesão e és obrigado a parar de jogar, tens de sobreviver.
— É supersticioso?
— Muito, sim. Por exemplo, eu estaciono sempre no mesmo lugar. E se não encontrar o lugar que preciso, sinto-me muito mal antes do jogo. Visto-me sempre no mesmo sítio, se vestir uma roupa antes de um jogo e perder nunca mais visto aquela roupa. Uma vez comprei uns ténis mesmo caros antes do jogo, perdi o jogo e ainda me lesionei disse logo: ‘Nunca mais uso estes, nunca!’ Talvez seja estúpido, não sei…Mas é a forma como preparo o meu jogo. Bebo o café da manhã no mesmo sítio, tudo é igual… Até o local onde tomo banho é o mesmo! Estou sempre a pedir aos responsáveis o mesmo motorista do autocarro.
— E quando perde fica muito chateado?
— Preciso de uns dias para recuperar, sobretudo quando perdemos mal, por nossa culpa.
— É difícil preparar o discurso?
— É fácil para mim porque vem de dentro. Eu nunca preparo nada. Mas, é muito difícil porque tens de lidar com todos os jogadores.
— Como descreveria o Benfica a alguém da Tunísia que não sabe nada sobre o clube?
— Fácil. Se alguém não jogar no Benfica, nunca saberá do empenho, do amor e do respeito. E ele não sabe como é que as pessoas aqui, sacrificam a vida pelo Benfica. O presidente, a direção lida com o futebol da mesma forma que com o basquetebol ou o andebol, todos são iguais. É a mesma camisola, os mesmos sapatos, tudo. Não se sente a diferença. Para mim, isso é muito importante.
— E Lisboa?
— Tive muita sorte em estar aqui em Portugal durante uma longa época, porque, como sabem, o meu primeiro treinador, Mário Palma, era português e costumávamos vir a Lisboa para fazer o estágio de preparação da nossa equipa nacional. Muita gente não conhece Portugal, não conhece Lisboa, não conhece nada. E durante uma temporada, tenho muitos amigos, muitos familiares, que vêm visitar-me e ficam chocados porque não esperam este tipo de acolhimento, a comida, o local agradável que se pode ver. Conheço muitas pessoas a tentarem investir aqui, há muitos estudantes também, há voos diretos. E estou muito feliz também porque agora temos muitas pessoas que vêm estudar aqui em Portugal. Muitos estudantes vêm para Portugal e começamos a ter voos diretos. E preciso de agradecer a uma pessoa do fundo do meu coração: Mário Palma. Ele deu-me a oportunidade de fazer parte do Benfica e isso mudou completamente a minha vida. Ele era amigo do nosso treinador Norberto e foi muito importante para mim. Sempre que o via no jogo ele estava sempre zangado comigo e pedia-me mais, mais. Um dia disse-lhe: ‘Treinador, às vezes estou cansado, às vezes temos problemas na equipa’. E ele disse que não . ‘Sei que podes fazer melhor pelo Benfica’. Por isso, quero agradecer-lhe, ele sempre acreditou em mim. agradecer-lhe por ele, porque tens alguém que acredita em ti. E, no final da história, também tenho de agradecer a toda a nossa equipa técnica pelo trabalho que está a fazer, aos nossos fisioterapeutas trabalham muito, muito bem, porque temos de lidar com muitas lesões de jogadores. Todos os elementos que trabalham na nossa equipa fazem um excelente trabalho. Somos como um puzzle. Se alguém não for com a equipa, todos caem. Quero agradecer a toda a gente da nossa equipa, aos jogadores pelo sacrifício, pela gestão que demonstram, aos nossos adeptos, porque muitos adeptos demonstram, mesmo quando temos momentos maus. ‘Estamos lá para vocês, confiamos em vocês, adoramos-vos’. São parte da equipa, precisamos deste tipo de empurrão, porque quando estamos a lutar, quando vamos para a guerra, sentimos que temos alguém atrás de nós e alguém que vai lutar connosco. Como um exército.