
Qualquer dia, o futebol nem a nostalgia nos irá permitir. Para a geração desta que vos escreve, o Tirsense foi uma espécie de primeiro contacto com a surpresa, com a possibilidade de todos, quase todos, poderem sonhar quando o assunto é uma bola e onze de cada lado. Também nos terá dado os primeiros alertas de que o futebol pode ser cruel, volúvel. O Tirsense, naquele equipamento negro de ponta a outra, tanto viveu no nosso imaginário, no processo de criação de memórias dos que começaram a ver futebol na primeira metade dos anos 90, como foi perdendo a sua matéria de sonho, tombando para patamares inferiores, deixando de fazer parte das reminiscências.
Essas memórias levam-nos para o Abel Alves de Figueiredo, negro como os equipamentos do Tirsense, difícil, duro, nas suas bancadas à inglesa, tão perto dos protagonistas, que hoje já não tem lugar na, digamos, “modernidade”. De tal forma que o regresso do Tirsense aos holofotes das transmissões televisivas, dos 90 minutos frente aos grandes, fez-se não nesse estádio das nossas meninices, mas sim em Barcelos, a 35 quilómetros de Santo Tirso, no Municipal de Barcelos, onde joga o Gil Vicente que outrora jogou no Adelino Ribeiro Novo, outro desses estádios tão anos 90 que são capazes de berrar uma canção de Ace of Base do início ao fim.
Não tivemos, portanto, direito à nostalgia de um jogo no Abel Alves de Figueiredo, onde vimos Paredão, Marcelo ou Giovanella naquela época 1994/95, em que o Tirsense acariciou a Europa. Honra seja feita ao estádio do Gil Vicente, que talvez seja o mais anos 90 dos novos estádios do país, por isso nem tudo se perdeu.
E a nostalgia também não surgiu em campo, os bravos tirsenses chegaram às meias-finais da Taça de Portugal, foram a primeira equipa da 4.ª divisão a fazê-lo, mas como assustar o Benfica em 2025, mesmo um Benfica muito pouco inspirado, com várias alterações e a pensar no campeonato que anda aí a jogar-se nos pormenores? O ano de 1995 está longe, e no futebol, então, cada vez mais longe.
Não será comum numas meias-finais da Taça de Portugal, em pleno decisivo mês de abril, mas o Benfica deu-se ao luxo de rodar. João Rego e Bajrami foram titulares, Leandro Santos foi o lateral direito e Belotti foi o avançado-centro. Schjelderup teve os minutos a titular que lhe têm faltado e todos foram aproveitando, mesmo que o primeiro lance de perigo até tenha sido do Tirsense - aos 5’, Jorge Silva apareceu junto à baliza, mas não terá acreditado em oferta tão grande e rematou frouxo.
A defender com uma linha de cinco e contando com alguma desconexão e moleza do adversário, o Tirsense foi fechando caminhos para a baliza, até ao auto-golo de João Pedro aos 16’, um infortúnio que a equipa do Campeonato de Portugal até então não merecia. Aos 26’, o espaço apareceu pela esquerda, de onde Schjelderup cruzou para a finalização algo artística de João Rego, a estrear-se a marcar pelo Benfica.
Acabava aí qualquer veleidade, um sonho de tombas gigantes. Uma jogada de João Martins, a cruzar para Alex Reis, foi um fogacho interessante, mas não mais que isso, um fogacho e a posse cerimonial que o Benfica ofertou ao Tirsense no início da 2.ª parte seria apenas uma esperança boba antes do beijo da morte, quando Lage exigiu aos seus jogadores que subissem linhas e lançou Tiago Gouveia, Arthur Cabral e Gianluca Prestianni em campo. Na primeira vez que tocou na bola, o jovem argentino, que não jogava na primeira equipa desde setembro, armou um remate em arco para o 3-0 e quatro minutos Arthur Cabral respondeu de primeira a um cruzamento de Gouveia vindo da direita.
Prestianni voltou a brilhar aos 84’, dançando o tango entre os jogadores do Tirsense à entrada da área para depois oferecer o quinto golo do jogo a Schjelderup. Se Lage queria miudagem a mostrar-se, teve-a em barda na 2.ª parte, depois de uns primeiros 45 minutos mais murchos. Não há nostalgia possível para quem ainda nem duas décadas viveu.
Não seria de esperar que o Benfica saísse de Barcelos sem a eliminatória resolvida e o jogo da 2.ª mão servirá, apenas, para que o Tirsense volte a pisar o relvado de uma equipa da 1.ª divisão, de um Estádio da Luz que não existia nesses anos 90 de nostalgia. Nem isso servirá de matéria para os advogados de defesa das meias-finais da Taça de Portugal a duas mãos, coisa que cada vez faz menos sentido, uma modernice que faz ter saudades do passado.