
Reconhecendo todos que o jogo mudou bastante na última década devido à transformação que os Warriors de Steve Kerr impuseram, através da excelência de Stephen Curry, e também Klay Thompson (agora nos Mavericks), na revolucionária capacidade e eficiência de lançamento longo que rapidamente se alastrou por toda a liga e até pelo basquetebol mundial, nas duas últimas épocas têm crescido as queixas sobre o exagero de triplos nos encontros.
Queixumes não só de fãs, alguns mais nostálgicos ou que preferem a opção do jogo interior, mas igualmente de comentadores e analistas, sobre a quantidade de lançamentos de três pontos que as equipas da NBA fazem por partida, por vezes sem grande sucesso.
Na regular season que agora terminou, os Celtics tornaram-se nos primeiros de sempre a tentar 60 triplos num só jogo em cinco ocasiões e bateram o recorde dos Warriors de 1.364 lançamentos de três pontos marcados na temporada, terminando com 1.457, em 3.955 tentativas, com a média de 36,8 por cento. Percentagem que os deixou na… 10.ª posição de um ranking onde os melhores foram os Bucks (38,7%), seguidos de Cavaliers (38,3), Suns (37,8), Wolves (37,7) e Nuggets (37,6).
No entanto, há equipas que também não têm grandes atiradores e não é por isso que refreiam essa opção ofensiva e acabam por percentagens mais modestas e originam jogos menos interessantes.
Com base nisso, A BOLA conversou sobre o assunto com o conhecido jornalista de NBA do canal desportivo ESPN Brian Windhorst, assim como o antigo campeão dos Spurs Sean Elliott, atualmente comentador dos jogos dos texanos, e acrescentou outra questão. Será que a NBA se vai ressentir, tal como aconteceu com Michael Jordan, quando estrelas como LeBron James (40 anos), Stephen Curry (37) ou Kevin Durant (36), que têm marcado a liga, se retirarem.
Creio que está um pouco desequilibrado, mas não acho que exista uma crise. Penso que a liga está numa situação muito boa. Creio que, em geral, poderia haver um melhor trabalho de ligação com os adeptos e contar-lhes histórias melhores
— Está a NBA a exagerar na quantidade de lançamentos de três pontos realizados por jogos e nem sempre com sucesso, que faz com que se ande a correr de um lado para o outro sem concretização de cestos?
— Creio que está um pouco desequilibrado, mas não acho que exista uma crise. Penso que a liga está numa situação muito boa. Creio que, em geral, poderia haver um melhor trabalho de ligação com os adeptos e contar-lhes histórias melhores, mas não considero que seja por causa dos lançamentos de três pontos que possa existir menos público a ver na televisão. As audiências do futebol americano estiveram em baixa esta temporada. Sinceramente, vou seguir uma frase que David Stern [commissioner que antecedeu Adam Silver e revolucionou a liga] costumava dizer: ‘Sempre que houver problemas, confiem na grandeza do jogo e na grandeza dos jogadores’. É o que vou fazer e vou apostar na NBA a longo prazo.
Stephen Curry é um dos melhores jogadores da história da modalidade. Rejeito simplesmente que o lançamento de três pontos seja a razão pela qual as pessoas possam não estar interessadas no jogo.
— Significa que, para si, as equipas, por si só, adaptar-se-ão na próxima temporada, se as audiências baixarem? Neste momento, apesar de todos estarem a lançar demasiado de três pontos, a NBA não necessita de criar nenhuma regra sobre isso?
— Não me parece. Percebo porque é que as pessoas dizem isso. E, como referi, estamos um pouco desequilibrados, e preferia que houvesse um maior equilíbrio, mas também não acho que seja necessário fazer uma mudança radical. Acredito sinceramente que o jogo está num bom lugar e que o nível de capacidade de competência dos jogadores é muito mais elevado. Se as pessoas vissem realmente o jogo, concordarão. E se as equipas que apostam no lançamento de três pontos forem bem-sucedidas, irão continuar a fazê-lo. Stephen Curry é um dos melhores jogadores da história da modalidade. Rejeito simplesmente que o lançamento de três pontos seja a razão pela qual as pessoas possam não estar interessadas no jogo. Creio que será mais um ciclo que está a passar e que se vai resolver por si só.
Sou um grande crente na grandeza dos jovens basquetebolistas e acontece que muitos desses jovens são europeus. É um desafio para os americanos estarem à altura deles, mas, a verdade é que os europeus jogam um basquetebol bonito.
— Será que a liga vai ser afetada quando LeBron James deixar de jogar, como quando aconteceu com Michael Jordan, ou já há jogadores que a quem os fatos de figuras maiores da NBA já lhes serviam e não verificará aquele fosso de perda de imagem representativa que existiu com MJ até com o Kobe Bryant quando se tornou maior do que todos?
— Definitivamente, a liga vai sofrer. Vamos sentir muito a falta dele [LeBron James]. Haverá uma quebra de audiências. Mas a NBA já existe há 79 anos e durante esse tempo houve grandes jogadores que entraram e saíram e a Liga continua. Sou um grande crente na grandeza dos jovens basquetebolistas e acontece que muitos desses jovens são europeus. É um desafio para os americanos estarem à altura deles, mas, a verdade é que os europeus jogam um basquetebol bonito. Não há razão para as pessoas não gostarem de ver o Victor [Wembanyama], o [Nikola] Jokic ou o [Luka] Doncic, e vão gostar. Mas sim, vamos dar um passo atrás em termos de audiências quando jogadores como LeBron e Steph se forem embora. Mais uma vez, vou recorrer ao David Stern, que viu muitos jogadores virem e irem: confiem no jogo, na grandeza do jogo e dos jogadores, e o jogo vai levar a melhor.
— O pior cenário é Steph, LeBron e Kevin Durant abandonarem na mesma temporada?
— Não seria o ideal. Mas esses jogadores e as suas equipas nem sempre estão envolvidas entre os principais candidatos ao título. LeBron, se bem que os atuais Lakers estejam mais poderosos com o Doncic, não vai aos Finals há quatro anos e não sei se o irá conseguir esta época. Steph não está na final há duas épocas e KD não disputa o título há seis anos [ficou fora do play-off]. De certa forma, eles já estão a ir embora. As pessoas apreciam grandes jogos. O que gostaria de ver é uma boa série de play-offs e que fossem longas. Sabermos que não temos uns Finals que vão terminar 4-1, como nas duas últimas épocas. Se tivermos uma final de sete jogos, independentemente de quem estiver a jogar, as pessoas vão sentir-se atraídas por ela. Mas sim, é claro que a saída desses jogadores vai ser um problema e é algo que vamos ter de resolver.
Votei no Victor Wembanyama. Poderei ser acusado de ter sido precoce ao considerar Vítor titular do All-Star, estou preparado para isso.
— É engraçado porque diz que as suas equipas não são tão relevantes, mas, esta temporada, esses três jogadores foram todos escolhidos para os cinco iniciais da Conferência Oeste no All-Star Game de São Francisco.
— Eu sei… Bem, não no meu boletim de voto… Votei no Victor Wembanyama. Poderei ser acusado de ter sido precoce ao considerar Vítor titular do All-Star, estou preparado para isso. O All-Star Game está uma confusão, mas para mim ele é um all-star com direito a jogar de início [foi escolhido como suplente].
— Esteve em Paris para os dois jogos da NBA, no final de janeiro, entre Spurs e Pacers. Ficou surpreendido pela atmosfera no pavilhão, com os espectadores a tentar criar um ambiente igual aos dos jogos nos Estados Unidos?
— Tinha estado em Paris para a final dos Jogos Olímpicos de 2024 entre a França e os Estados Unidos, disputada no mesmo pavilhão [Accor Arena] e aí a sensação foi muito diferente.
— Mas aí era uma luta entre países.
— Sim, mas quando tocou o hino francês antes da final olímpica foi qualquer coisa inesquecível. Com a NBA foi mais do que um jogo normal por que o Victor preocupou-se muito com os encontros. Acho que ele disse que sentiu [o primeiro dos dois] ter sido um dos melhores cinco encontros que já disputou. Que já havia efetuados muitos jogos onde havia registado estatísticas daquelas [30 pontos, 11 ressaltos, 5 assistência, 5 desarmes], mas sentiu que aquele momento havia sido grande. E os Pacers tinham ido jogar para ganhar.