Com uma vitória por 4-1 frente ao União FC, a Associação Naval 1893 assegurou a subida para o Campeonato de Portugal no passado domingo, num cenário que marca a estreia do clube nos campeonatos nacionais desde a sua refundação.

Falamos em 'refundação' porque a Figueira da Foz já viu a sua equipa - então chamada Associação Naval 1º Maio, extinta em 2017 -, no patamar mais elevado do futebol português, ao qual deseja regressar a médio prazo.

Fundada no Dia do Trabalhador de 1893, a Naval chegou pela primeira vez à 1ª Liga em 2005/06. A época 2009/10 foi a melhor da história do clube, que terminou em oitavo lugar do campeonato português, sob a tutela de Augusto Inácio.

O clube aliou esta surpreendente campanha a uma boa prestação na Taça de Portugal, onde caiu nas meias-finais frente ao GD Chaves.

No entanto, seguiu-se a miséria.

A Naval 1.º de Maio somou apenas 23 pontos na I Liga 2010/11 e foi despromovida para o segundo escalão nacional. A equipa ainda procurou recuperar, mas desceria novamente em 2012/13, desta vez para o terceiro escalão.

Equipa do Naval que perdeu 0-3 com o Sp. Ideal em 2016/17

Entre 2013 e 2016, o clube lutou pela manutenção no terceiro escalão nacional, até que, em 2017, foi despromovido para os campeonatos distritais. Perante este cenário, e com inúmeros problemas financeiros, a extinção foi o caminho escolhido.

Nesse mesmo ano, surgiu um novo clube, a Naval 1893.

Arrancou na Primeira Divisão Distrital de Coimbra em 2017/18 e subiu imediatamente à Divisão de Honra da AF Coimbra. Em 2022/23, garantiu a subida à Divisão de Elite. Na estreia nesta nova divisão, ficou em 5.º lugar.

Em 2024/25, a equipa da Figueira da Foz teve um começo de época quase perfeito, já que venceu quatro dos primeiros cinco jogos. Desde as duas derrotas frente a AD Nogueirense (3-1) e Sourense (1-3), a velhinha senhora não voltou a perder, numa série invicta de 18 jogos - 13 vitórias.

O resultado? A conquista da Divisão de Eite da AF Coimbra, com 57 pontos.

Com todos estes dados em cima da mesa, era impossível não apontarmos o foco à Figueira da Foz.

Segredo da época da Naval

Numa época em que finalmente conseguiram assegurar o regresso aos campeonatos nacionais, quisemos saber qual foi o segredo do sucesso da Naval.

@Associação Naval 1893

Quando questionado sobre o assunto, o treinador Nuno Raquete elogiou o trabalho realizado nos bastidores para preparar a época.

«O segredo foi o planeamento. Começámos desde junho a trabalhar na equipa. Contratámos um diretor-desportivo - Ricardo Tavares -, que é uma pessoa fantástica, com muitos conhecimentos e com um discurso muito positivo e cativante em relação a ir buscar jogadores. Foi esse o primeiro passo.»

«Criámos também novas infraestruturas. Com a entrada dos investidores, houve a necessidade de haver uma reestruturação. Houve, claramente, um investimento muito maior na equipa sénior e nos sub-19», acrescentou.

Já o presidente Joka Mateus reforçou a união dentro do clube: «Fomos uma família. Soubemos ultrapassar todos os obstáculos quando nos surgiam pelo caminho e soubemos colmatar ao máximo todos os problemas que nos apareciam. Lesões, castigos, resultados menos bons, conseguimos ultrapassar isso tudo.»

Diferenças e semelhanças depois da extinção

Tendo jogado pela Naval 1.º de Maio entre 1997 e 1999, Nuno Raquete delineou as principais diferenças entre as duas versões.

«A diferença principal é o nível competitivo. Enquanto jogador estávamos envolvidos num campeonato muito intenso, muito competitivo. Havia menos divisões e por aí a qualidade também era maior. Em termos de público havia também mais interesse, maior envolvimento da massa associativa.»

«Apesar da estrutura nunca ter envolvido muita gente, o estilo de presidência era completamente diferente. No meu tempo apanhei o Sr. Aprígio Santos e o clube assentava muito na sua pessoa, enquanto agora temos um presidente que é mais abrangente e comunicativo. Mas isto são estilos de liderança, o Sr. Aprígio teve muito sucesso, como toda a gente sabe, e esperemos que o presidente Joka também atinja esse sucesso», acrescentou.

Equipa da Naval 2002/03 @DR

Nas semelhanças, o presidente apontou para a alma da equipa, mas com a diferença de terem um maior apoio financeiro: «Ficou a alma navalista, aquela história, 132 anos que carregamos todos os dias. O que mudou foi que, depois de passarmos por períodos muito maus, tivemos a sorte de alguém acreditar em nós. Neste caso, o Mickaël Drouin, que é o nosso patrocinador, a ECA--N, e fizemos uma Sociedade Desportiva. Ao seu comando estão o Daniel Fontex, a Christine Francisco e eu.»

Objetivos futuros

Com o foco assente na final da Taça AF Coimbra, o treinador da Naval revelou que ainda não pensaram na próxima época: «Ainda não traçamos os objetivos. Até porque eu só falarei com a direção após o jogo da final da Taça da AF Coimbra.»

«Apesar das pessoas estarem envolvidas e quererem falar já em subida, sou muito realista em relação à situação. Acho que é preciso criar bases sólidas de uma Naval forte no Campeonato de Portugal. Não direi quantos anos é que isto pode demorar, mas é muito mais do que ir buscar 20 jogadores e dizer que sobes de divisão. É preciso criar outro tipo de infraestruturas, continuar a investir nas infraestruturas, manter uma base, aumentar a estatura do clube, mais envolvência e depois, sim, pensar em novos objetivos», explicou o técnico português.

No entanto, realçou que a decisão está nas mãos do clube: «Mas isto é apenas a minha opinião, se a Sociedade dos Investidores tiver outro objetivo, poderão já avançar com a ideia de subir para a Liga 3, mas para isso ainda terão de resolver muitos problemas, neste período muito importante para o clube se organizar e traçar os objetivos. Os objetivos deste ano continuam por concluir e, depois da Taça, poderemos traçar os objetivos do clube, com ou sem a minha presença.»

Equipa sub-19 venceu as distritais de Coimbra @Naval 1893

Joka Mateus apontou mesmo para a Liga 3, mas sem datas concretas: «Nós temos um projeto até à Liga 3. Agora é claro que vamos ter de nos sentar com a Sociedade Desportiva e planear a nova época, algo que ainda não fizemos porque ainda estamos em competição. Mas o projeto, para já, é a Liga 3. Agora é que vamos ver, mais para a frente, o que vamos fazer.»

A próxima época terá uma aposta forte na formação: «Esta época que vem, apostaremos mesmo muito forte na formação, porque queremos que haja mais equipas nossas a ir para os nacionais, é o que queremos mesmo.»

Impacto na Figueira da Foz

Nuno Raquete contou também como a cidade reagiu a esta subida: «As pessoas falam sempre do mesmo. Dão-nos os parabéns e dizem-nos 'Estamos vivos novamente, Estamos novamente a aparecer!'. Era o que as pessoas esperavam de nós, que atingíssemos os campeonatos nacionais o mais depressa possível. É verdade que tem mexido com muito mais gente, as pessoas estão envolvidas e têm estado muito mais presentes.»

Equipa celebrou título distrital com os adeptos @Naval 1893

«Obviamente que para mim é um orgulho enorme ter dado essa prenda a pessoas que já acompanharam a Naval há tantos anos, que viram o clube da cidade quase desaparecido. O clube, para além de mudar de nome, teve muitas dificuldades em reaparecer. Depois, começou num nível muito baixo, as pessoas desinteressaram-se e agora, finalmente, conseguimos elevar novamente o nome da Naval, o que nos deixa muito orgulhosos de participar neste projeto, na alegria das pessoas. É uma sensação única, que levarei sempre comigo e espero não ficar por aqui», acrescentou, num apontamento mais pessoal.

O presidente concluiu também com um reforço das boas sensações na cidade e o apoio da mesma: «A cidade está a acordar, está a acreditar. Viram-se os adeptos em grande número nos últimos jogos, principalmente no último e a cidade está a acreditar. Temos um presidente de câmara que acredita em nós, que nos apoia, tal como o vereador do desporto Manuel Domingues também.»

Com este projeto sobre rodas, iremos ver a Naval de volta nos principais palcos portugueses?

* por Henrique Martins