O França-Portugal entrou, nos derradeiros instantes do duelo, no código binário que, no andebol, significa emoção. Zero, um, zero, um. Vantagem por um golo para um lado, igualdade, vantagem por um, vantagem inexistente.
Nos últimos minutos da partida que poderia dar a primeira medalha da história para a seleção nacional, Portugal fazia de perseguidor. De equipa que lutava pelo zero, enquanto França tentava conservar o um.
A menos de quatro minutos e meia da conclusão, Areia, num livre de sete metros, fez o 31-31. França fez o 32-31. Kiko Costa empatou, França voltou a passar para a frente, Kiko Costa, com o seu 54.º golo do Mundial, igualou, França recuperou a liderança, Leonel Fernandes apontou o 34-34.
Faltavam 30 segundos para acabar. O código binário, ingrato, determinava que os franceses tinham a hipótese de marcar mais um, deixando os portugueses com pouco espaço para reagir. O 35-34 chegou a 16 segundos da buzina final.
Desconto de tempo. O computador que vive na mente do capitão Rui Silva definiu a rota de ataque, que incluía um passe pelo ar para António Areia. A bola chegou lá. Último segundo do encontro. Remate, defesa, Portugal cabisbaixo.
O bronze, ou pelo menos o forçar do prolongamento, ficava ali, naquela defesa, no último lance do último jogo da mais fantástica participação da história do andebol nacional. Portugal terminou no quarto lugar, mas as últimas semanas ficarão como página dourada para a modalidade.
Contra a França, Portugal voltava a tentar subir a um Evereste do andebol. Os gaulseses foram segundos no passado Mundial, são campeões da Europa, já venceram o máximo título global em seis vezes, o troféu continental em quatro ocasiões e o ouro olímpico em três circunstâncias.
O início do duelo pelo bronze foi cheio de golos e eficácia, sendo os guarda-redes batidos 14 vezes nas 16 primeiras finalizações. A certa altura, o ataque de Portugal começou a emperrar, abrindo caminho para uma fuga francesa. O marcador chegou a ter três golos de diferença, mas o intervalo chegou com danos limitados, num 19-17 que deixava tudo em aberto.
Diz-se que eles são os guardiões do “espírito de ir para cima deles”. Mas, inventando a lógica, eles também não temem que vão para cima deles, não fogem do confronto, da dificuldade, do embate.
Gustavo Capdeville não foge do duelo. Quando o França-Portugal entrou na segunda parte, o guarda-redes fechou a baliza nacional. Começou a acumular defesas, só nos primeiros 13 minutos em que esteve em ação foram nove paradas, e empurrou a seleção para a frente.
Portugal esteve a maior parte do encontro atrás no marcador. Mas quando Capdeville se ergueu como muralha, as coisas começaram a mudar. Aos 36', um grande golo de Martim Costa colocou, pela primeira vez, a equipa nacional na frente.
Capdeville, o guardião do Benfica que atua muitas vezes com uma camisola com o nome de Quintana, referência do FC Porto, numa personificação da união na base desta fantástica equipa, receberia, das mãos de Marcelo Rebelo de Sousa, o prémio de melhor em campo.
Ficou evidente que tudo seria decidido no limite. Talvez Portugal tivesse tido outro desfecho se não fossem os quase cinco minutos que esteve sem marcar, quando, entre os 46' e os 52', França chegou a ter um parcial de 6-2. Mesmo assim, tudo foi para o risco de meta.
O código binário em ação penalizou Portugal. Faltou um último milagre de Capdeville, faltou um pouco mais de acerto a Areia.
Quando tudo terminou, quando esta viagem mágica do andebol nacional concluiu, havia faces tristes entre os portugueses. Frustração, lamento, a sensação de que a medalha ficou bem perto. Se, há pouco tempo, alguém dissesse que Portugal seria quarto num Mundial, seria acusado de sonhador irrealista. Agora, ficar em quarto gerou um certo desconforto, frustração. A noção que dá para mais, que dará para mais no futuro. Esse é o melhor elogio que se pode fazer a esta equipa e a este percurso dourado.