Rui Borges, com a espontaneidade que lhe é característica, não hesitou em citar Bruno Lage na conferência de Imprensa em que foi aplaudido como campeão nacional. O transmontano disse concordar a cem por cento com aquilo que o setubalense proferira a propósito das qualidades que um treinador preserva à margem do número de títulos conquistados.

Vindas da boca de outra personagem, dir-se-ia que as palavras do Rui leão estariam manchadas de sarcasmo, impregnadas de ironia e a esconder uma subtil tentativa de envenenar a disputa mediática na véspera da final da Taça de Portugal.

Tratando-se de Rui Borges, não será justo pensar assim, desconfiar da hombridade daquele que acabou de elevar Ruben Amorim à condição de bicampeão, isto passando por cima, claro, da Liga arrebatada em 2020-21.

Ao longo da temporada, a maior parte das declarações do sportinguista deixaram ver uma personalidade de braço dado com a frontalidade e a humildade, sem trair aquele otimismo incorrigível que um dia pode levá-lo a outros palcos europeus. Por isso, ao fazer a vénia ao colega Lage, é de presumir que Borges estivesse a ser tão sincero como estava a ser Rui Costa em Braga, onde o presidente do Benfica teve a decência de dar os parabéns ao eterno rival e... de assegurar a continuidade do profissional que escolheu para substituir Roger Schmidt.

Gualter Fatia

Pelos vistos e pelo anunciado, no Estádio da Luz está assumido que o critério que prevaleceu para fazer regressar o homem que em 2018/19 bateu vários recordes permanece dentro do prazo de validade, mesmo que o Sporting seja capaz de alcançar a “dobradinha” no próximo domingo. Aconteça o que acontecer no Jamor, Bruno Lage tem a garantia de que pode perseguir o objetivo confidenciado no início de janeiro, quando não se deixou embriagar pelo triunfo em Turim e se limitou a dizer que o maior sonho era “continuar a orientar a grande equipa do Benfica”.

Também neste sentido, a final da Taça reúne duas almas que podiam dar corpo a um dos maiores êxitos de Tony Carreira. Era só trocar o sonho de menino pelo sonho do tal rapaz simples, que veio de muito longe, convencido de que tinha tanto direito como os outros a vencer no futebol e sobretudo na vida, para recuperar as emoções verbalizadas na referida conferência de Imprensa. “Sou apenas o Rui Borges de Mirandela, com todos os defeitos, com todas as virtudes, um rapaz que acreditou num sonho e foi trilhando o seu caminho, com mérito e com competência”, soltou o ex-Vitória de Guimarães, preferindo colocar os holofotes nos jogadores e em particular no influente Viktor Gyokeres.

Armando Franca

COM FINAL FELICÍSSIMO

À semelhança do que testemunhou durante a fase em que o sueco teve de ser gerido com pinças para não engrossar o lote de pacientes de longa duração no departamento médico, o treinador voltou a apontá-lo como o “melhor avançado da Europa e talvez do Mundo”, completamente rendido ao incontornável grau de influência do camisola 9 no êxito coletivo. Dez jornadas antes da consagração de sábado à noite, num momento que coincidiu com a visita do Estoril, a pontaria do goleador da máscara (dois golos nesse encontro que os anfitriões venceram por 3-1) suscitou logo um comentário especial, relegando para segundo plano o aplauso à estreia a titular do jovem Eduardo Felicíssimo.

“O Viktor voltou ao velho Viktor. Percebeu o que o jogo ia dar. Fez uma grande exibição”, salientou o técnico no final de uma partida que só ficou esclarecida nos últimos instantes, depois do penálti convertido por... Gyokeres no sexto minuto do tempo de descontos. Apenas com duas derrotas no currículo leonino, ambas em contexto de Liga dos Campeões, Rui Borges já se tinha estreado nas apreciações caricatas ao putativo Bota de Ouro precisamente no balanço efetuado ao primeiro desaire consentido ante oponentes germânicos. Questionado sobre as razões que o levaram a lançar o furacão escandinavo apenas aos 55 minutos do duelo em Leipzig, o míster de Mirandela foi mais terra a terra do que nunca e lembrou à plateia que não se sentia acometido por nenhuma doença mental. “Tratou-se de uma questão de gestão, já aconteceu no jogo passado. Se estivesse a cem por cento, jogava de início. O treinador não é nenhum maluco. O jogador acusa fadiga, está com um problema e estamos a tentar geri-lo”, relatou, ainda e sempre refastelado na cadeira da honestidade.

Pouco habituado a perder, o bom do Rui não desconhecerá que todo este conto de fadas só está de pé porque Leipzig e Dortmund foram honrosas exceções num percurso formidável. Independentemente das convicções pessoais ou de classe que comungue com Bruno Lage, o nobre campeão de 2025 jamais se poderá esquecer que larga percentagem das SAD, quando as coisas correm mal, deixam cair os treinadores com a mesma facilidade com que Ruben Amorim ou Pote deixam cair um microfone.

Bruna Prado

Convém não se iludir. Basta citar as palavras de Abel Ferreira no exato dia em que os leões consentiram fora de horas um inesperadíssimo empate a dois golos na Vila das Aves. “Aqui todos percebem de futebol, o treinador é que é um burro, o resto são todos inteligentes”, desabafou o ex-Sporting, apenas e só o mais vitorioso nome do centenário Palmeiras.

Para muitos presidentes, a estória do rapaz, do velho e do... burro continua a ser uma lenda inspiradora à margem do número de títulos conquistados.