
Há cerca de seis meses, Rui Borges aceitou o maior desafio da sua carreira: levar o Sporting à conquista do bicampeonato nacional. Com uma trajetória marcada por passos firmes e conquistas sólidas, o treinador chegou a Alvalade com um misto de ambição e humildade, as duas palavras que sempre usou para se descrever.
Depois de deixar a sua marca no Moreirense, em que bateu recordes históricos, e no Vitória de Guimarães, em que guiou a equipa a feitos inéditos nas competições europeias, o técnico, de 43 anos, viu agora premiado o seu percurso de sete anos nos bancos.
Em 2017, após uma carreira modesta como futebolista, Rui Borges decidiu pendurar as chuteiras e iniciar o percurso de treinador.
A sua jornada até aqui tem sido consistente e impressionante. Começou no modesto Mirandela e passou pela Segunda Liga, onde foi somando créditos: retirou o Académico de Viseu da zona de descida, levou-os a uma meia-final da Taça de Portugal e ainda guiou a Académica ao seu melhor registo desde 2016.
Apesar de uma passagem frustrada pelo Nacional, não parou de crescer. Seguiram-se as aventuras ao serviço do Vilafranquense e do Mafra, em que conseguiu excelentes recuperações na tabela classificativa.
Minho abriu-lhe as portas algo maior
Foi então que regressou ao Moreirense, clube que já tinha representado como jogador, e transformou o emblema minhoto numa força surpreendente da Primeira Liga.
Com um modelo de jogo bem definido (4-2-3-1), levou a equipa ao sexto lugar com um registo defensivo notável: 16 jogos sem sofrer golos.
Esse sucesso abriu-lhe as portas do Vitória de Guimarães, que em poucos meses brilhou na Europa, conquistando nove vitórias seguidas na Liga Conferência, um novo recorde português nas competições europeias.
Na "Cidade Berço" apostou num sistema de 4-3-3, com pressão alta e futebol ofensivo, embora a finalização nem sempre tenha acompanhado o volume de jogo.
Entrada num vulcão em ebulição chamado 'Sporting'
Esta temporada do Sporting poderia ser digna de um guião de um filme de Hollywood. Os 'leões' arrancaram de forma avassaladora com 11 vitórias seguidas mas perderam algum gás após a saída Ruben Amorim para o Manchester United.
A breve passagem de João Pereira à frente da equipa resultou em apenas quatro pontos em quatro jornadas, e os agora bicampeões nacionais caíram para o segundo lugar à beira do Natal.
Após as festividades natalícias, Frederico Varandas remediou o "erro de casting" e foi ao Minho resgatar Rui Borges para salvar a época.
O técnico transmontano estreou-se no comando dos 'leões' logo com um belo presente de natal. Em Alvalade, no dérbi lisboeta frente ao 'eterno rival' Benfica saiu vitorioso e devolveu a liderança perdida na semana anterior.
"Quando faltar inspiração, que não falte atitude"
Apesar da vitória sobre as 'águias', os dois meses ao leme da equipa 'verde e branca' estiveram tremidos. No final de janeiro, falhou a conquista da Taça da Liga diante do Benfica e em fevereiro, a equipa esteve seis jogos sem sentir o sabor da vitória.
Se Ruben Amorim teve uma frase mítica na sua apresentação como treinador do Sporting, Rui Borges teve uma declaração nos primeiros dias em Alvalade que ecoou para dentro e para fora: "Quando faltar inspiração, que não falte atitude."
A frase tornar-se-ia quase um mantra. E foi com essa ideia que Rui Borges construiu um novo Sporting — mais pragmático, mais unido e menos deslumbrado.
Mesmo com um fevereiro complicado, marcado por seis jogos sem vencer e a perda da Taça da Liga frente ao Benfica, a equipa recuperou ânimo.
A reta final da época foi imperial. Sob o comando de Borges, os 'leões' voltaram a morder. Retomaram a liderança da Primeira Liga e asseguraram a presença no Jamor, onde irão disputar a final da Taça de Portugal, mais uma vez frente ao Benfica, para encerrar a época com tudo em jogo.
Numa temporada em que o trono do Sporting teve três diferentes donos, Rui Borges pegou no trabalho feito por Ruben Amorim, pegou nos cacos deixados por João Pereira e levou o clube de Alvalade ao tão desejado bicampeonato, que fugia há 71 anos.
Um destino 'verde e branco' traçado desde criança
Poucos sabem, mas a ligação de Rui Borges ao Sporting não começou agora.
A sua primeira experiência em Alvalade remonta à infância, quando foi convidado a treinar nos 'leões' ao lado do amigo Hugo Ribeiro, também natural de Mirandela e Eduardo, antigo guarda-redes do Sporting de Braga e da Seleção Nacional.
Na altura, tinham apenas 12 anos e estavam nas camadas jovens do Mirandela, mas, apesar da oportunidade, acabaram por não permanecer no clube.
Ao erguer o troféu de campeão nacional, Rui Borges não só selou uma das épocas mais atribuladas da história recente do clube 'verde e branco' como também afirmou, sem palavras, aquilo que sempre o guiou: no futebol, como na vida, quem sabe ouvir e sabe esperar, acaba por chegar.