Donald Trump falou do projeto e as reações começaram a chegar. A ideia do Presidente dos Estados Unidos de controlar a Faixa de Gaza e de deslocar os habitantes palestinianos é uma fantasia irrealizável, dada a avalanche de oposições que lhe são opostas, analisa esta quarta-feira a AFP.
As declarações fazem lembrar outras ideias avançadas por Trump: anexar o Canal do Panamá e a Gronelândia, fazer do Canadá o 51.º Estado do país ou enviar "criminosos endurecidos" norte-americanos para El Salvador.
Tal como as outras, as propostas deparam-se com uma multiplicidade de obstáculos, tais como:
As raízes palestinianas em Gaza
O projeto ignora o apego do povo palestiniano à sua terra e isso foi visível no momento em que meio milhão de pessoas deslocadas voltaram à sua terra após o cessar-fogo. E isto apesar do facto de a zona ter sido reduzida a pó.
"Este é o melhor dia da minha vida (...) Vamos reconstruir as nossas casas, mesmo que seja com lama e areia"", disse Lamiss al-Iwady, de 22 anos, à agência noticiosa France-Presse (AFP), a 28 de janeiro passado, quando regressou a casa.
Na terça-feira, o embaixador palestiniano nas Nações Unidas, Riyad Mansour, afirmou: "A nossa pátria é a nossa pátria". E apanhou Donald Trump na sua própria armadilha: "Deixem [os palestinianos] regressar às suas casas originais em Israel, há lá lugares bonitos".
Os países árabes estão contra
Ainda que Donald Trump afirme o contrário, a verdade é que há Estados Árabes a oporem-se ao projeto. No sábado, Egito, Jordânia, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Qatar rejeitaram qualquer "ataque aos direitos inalienáveis" dos palestinianos.
O presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, deslocou-se esta quarta-feira à Jordânia para se encontrar com o rei Abdullah II, um sinal de verdadeira preocupação. É de esperar o mesmo clamor público.
"Espera-se que as reações passem da confusão à indignação, incluindo manifestações em todo o Médio Oriente e não só, nos próximos dias", avisou Emily Harding, do CSIS, um grupo de reflexão de Washington.
A história norte-americana
O plano do presidente dos Estados Unidos implicaria o envio de soldados norte-americanos para Gaza. Um primeiro desvio das suas promessas de campanha.
A oposição feroz do Hamas é um dado adquirido. Embora enfraquecido por 15 meses de guerra, o movimento islamita palestiniano não foi de modo algum erradicado, contrariamente ao objetivo fixado pelo primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu.
Com o seu aliado, a Jihad Islâmica, pode travar uma violenta guerra de guerrilha contra a qual nenhuma potência conseguiu vencer desde a Segunda Guerra Mundial.E os atoleiros históricos em que os Estados Unidos se afundaram no Vietname, no Afeganistão e no Iraque permanecem enraizados na memória dos norte-americanos.
"É contraditório com a sua ideia de 'América primeiro' (...) "Mas [Trump] diz a si próprio que vai correr bem, que não é uma guerra, nem no Afeganistão, nem no Iraque. Pensa sinceramente que os vai convencer. É isso que é preocupante'", observa um diplomata europeu em Jerusalém.
O Direito Internacional
Donald Trump está a quebrar os tabus do Direito internacional herdados do pós-guerra, que Washington defendia, pelo menos na retórica. Os Estados Unidos só poderiam assumir o controlo de Gaza com o consentimento de Israel, que "não pode ceder Gaza aos Estados Unidos", observa Tamer Morris, especialista em Direito internacional da Universidade de Sydney, na Austrália.
Mesmo a Autoridade Palestiniana "não pode dar esse consentimento em nome de um povo" que tem "o direito à autodeterminação", acrescenta no site The Conversation.
Mas, na opinião de Morris, o discurso é, por si só, perigoso. "A forma casual como Trump fala de coisas como tomar o controlo do território e deslocar pessoas dá a impressão de que estas regras podem ser facilmente quebradas".
Tal como salientou esta quarta-feira a ONU, o Direito internacional proíbe qualquer transferência forçada ou expulsão de pessoas de um território ocupado.
A cautela em Israel
Esta quarta-feira, a classe política israelita manteve-se cautelosa, com exceção dos apoiantes de Netanyahu. "A extrema-direita está em êxtase, jubilosa", disse David Khalfa, autor do livro 'Israel-Palestina: Ano Zero'.
"Os elementos mais moderados do parlamento estão a felicitar Trump, mas expressam dúvidas sobre a viabilidade do seu plano", observa. O líder da oposição, Yair Lapid, disse "essencialmente que os israelitas não podem esperar que os norte-americanos apresentem planos para acabar com a crise".
Isto significa que Lapid "acredita que o plano de Trump é irrealista e até contraproducente", segundo o investigador.
"Trump é fundamentalmente um empresário", conclui, colocando a hipótese de que está a tentar "juntar todos os atores da região, para sair do confronto israelo-palestiniano, que está condenado a repetir a mesma tragédia".
Com Lusa