O anteprojeto de reforma da legislação laboral aprovado pelo Governo, que será negociado com os parceiros sociais, prevê a revisão de "mais de uma centena" de artigos do Código de Trabalho e já foi contestada pelas centrais sindicais.

As alterações previstas na proposta - designada "Trabalho XXI" e que o Governo apresentou em 24 de julho como uma revisão "profunda" da legislação laboral - visam desde a área da parentalidade (com alterações nas licenças parentais, amamentação e luto gestacional) ao trabalho flexível, formação nas empresas ou período experimental dos contratos de trabalho, prevendo ainda um alargamento dos setores que passam a estar abrangidos por serviços mínimos em caso de greve.

Na conferência de imprensa realizada após o Conselho de Ministros, em 24 de julho, quando foi aprovado o anteprojeto de reforma, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social afirmou que o objetivo é flexibilizar regimes laborais "que são muito rígidos", de modo a aumentar a "competitividade da economia e promover a produtividade das empresas".

Maria do Rosário Palma Ramalho salientou ainda que a reforma "valoriza os trabalhadores através do mérito", estimula o emprego, "em especial o emprego jovem", e dinamiza a negociação coletiva.

"Em termos de dimensão há 30 temas-chave", indicou, sublinhando que a reforma inclui iniciar o processo de transposição de duas diretivas europeias (uma sobre salários mínimos adequados na União Europeia (UE) e outra sobre as condições de trabalho em plataforma de digitais", e que moderniza o Código do Trabalho, "voltando a olhar para mais de uma centena de artigos", incluindo ainda a revisão de nove diplomas legais complementares do Código de Trabalho.

Eis um resumo das principais alterações previstas no anteprojeto de reforma da legislação laboral:

Licença parental pode chegar a seis meses com partilha entre progenitores

A licença parental inicial, por nascimento de filho, poderá durar até seis meses (o equivalente a 180 dias) se, depois de gozados os 120 dias obrigatórios, os dois progenitores optarem por mais 60 dias em regime partilhado, segundo a proposta do Governo.

Atualmente, o Código do Trabalho prevê que mãe e pai tenham direito a uma licença de 120 dias ou 150 dias consecutivos, cujo gozo podem partilhar após o parto, e que pode ser usufruído em simultâneo pelos dois.

Com as alterações propostas pelo Governo, a licença parental inicial poderá durar seis meses se, depois do gozo obrigatório dos 120 dias, "que pode ser partilhado entre os progenitores", os pais optarem por mais 60 dias, facultativos, "em regime partilhado em períodos iguais".

Se não for o caso, a licença pode ir até 150 dias, com o gozo de um período adicional facultativo de 30 dias aos 120 dias obrigatórios.

O atual Código do Trabalho já prevê que a licença parental inicial possa durar 180 dias se os pais optarem por usufruir 150 dias consecutivos e "no caso de cada um dos progenitores gozar, em exclusivo, um período de 30 dias consecutivos, ou dois períodos de 15 dias consecutivos, após o período de gozo obrigatório pela mãe".

Governo quer pais a gozar 14 dias de licença seguidos após nascimento do filho

O período total da licença parental exclusiva do pai mantém-se nos 28 dias, a gozar nos 42 dias seguintes ao nascimento do bebé, mas o Governo quer que os pais gozem 14 dias seguidos logo após o nascimento do filho, em vez dos atuais sete.

O anteprojeto do Governo retira também a regra que determinava que os restantes dias fossem gozados em períodos interpolados mínimos de sete dias, deixando de prever uma dimensão mínima dos períodos gozados.

Mudanças no subsídio parental

O subsídio parental continua a corresponder a 100% da remuneração de referência nos primeiros 120 dias de licença, mas sofre alterações nos restantes casos.

No caso da opção pelos 150 dias de licença, atualmente este subsídio desce para 80%, mas é de 100% em caso de partilha (se cada um dos progenitores gozar, pelo menos, 30 dias consecutivos ou dois períodos de 15 dias consecutivos).

Com a proposta do Governo, o montante diário nesta modalidade desce dos atuais 100% para 90% da remuneração.

Já no caso da licença de 180 dias, cujo pagamento é hoje de 83% a 90% da remuneração de referência, em função da partilha, o executivo pretende que passe a ser paga a 100% da remuneração de referência se o período adicional de 60 dias for usufruído "em regime partilhado em períodos iguais por ambos os progenitores", ou seja, um mês para cada um.

Alterações nas regras relativas à amamentação

Ao nível da amamentação, a proposta do Governo passa a impor um limite de dois anos na dispensa de trabalho para este efeito, enquanto a lei atualmente em vigor admite que este período se prolongue "durante o tempo que durar a amamentação", sem prazo máximo.

Adicionalmente, passa a ser exigida a apresentação à entidade empregadora de um atestado médico comprovando a situação de amamentação, "com a antecedência de 10 dias relativamente ao início do período de dispensa", devendo este documento ser renovado a cada seis meses "para efeitos de prova de que se encontra em situação de amamentação".

Neste momento não é exigido qualquer atestado até que o bebé tenha um ano, tal como não está determinada qualquer periodicidade para comprovação posterior da amamentação, ficando tal ao critério do empregador.

Já no caso dos trabalhadores a tempo parcial, com a reforma agora proposta é removida a salvaguarda de que o ajuste do período para amamentação ou aleitação face à carga horária não pode "ser inferior a 30 minutos".

Governo quer eliminar falta por luto gestacional

Outra das alterações introduzidas no anteprojeto de reforma da legislação laboral é relativa à licença por interrupção da gravidez, mantendo-se os 14 a 30 dias (o período é decidido pelo médico), pagos a 100%, a que a trabalhadora tem direito nestes casos, mas sendo revogados os três dias consecutivos por luto gestacional atualmente concedidos à mãe que não opte pela licença e que também podem ser gozados pelo pai se a mãe estiver a usufruir desta licença.

Em alternativa, o Governo propõe que ao acompanhante da trabalhadora se aplique o atual regime das faltas para assistência a membro do agregado familiar, que prevê que o trabalhador possa faltar ao trabalho "até 15 dias por ano para prestar assistência inadiável e imprescindível, em caso de doença ou acidente, a cônjuge ou pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador, parente ou afim na linha reta ascendente ou no 2.º grau da linha colateral".

Assim, se o regime atualmente em vigor permite aos pais tirar três dias pagos a 100% por qualquer situação de perda gestacional após as 24 semanas de gravidez, sendo aplicável tanto à mulher gestante como ao outro progenitor, com a revogação destes dias o pai poderá tirar até 15 dias de faltas justificadas ao abrigo do regime de assistência à família, mas que não são remuneradas.

Por outro lado, a falta por luto gestacional exigia apenas uma declaração do estabelecimento hospitalar ou centro de saúde, enquanto a licença por interrupção da gravidez requer "atestado médico com indicação do período" da ausência.

A sua atribuição depende também, de acordo com a Segurança Social, de a trabalhadora ter feito descontos durante pelo menos seis meses e de ter a sua situação contributiva regularizada.

Trabalho flexível e direito de recusa a trabalhar ao fim de semana

No que diz respeito ao trabalho flexível de trabalhadores "com responsabilidades familiares", um entendimento do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) tem permitido que um trabalhador com um filho menor de 12 anos (ou, independentemente da idade, com um filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva) possa recusar determinados horários de trabalho, nomeadamente à noite ou ao fim de semana e feriados.

Contudo, o executivo vem agora clarificar que esta flexibilidade deve "ajustar-se às formas especiais de organização de tempo de trabalho que decorram do período de funcionamento da empresa ou da natureza das funções do trabalhador, nomeadamente em caso de trabalho noturno ou prestado habitualmente aos fins de semana e feriados".

Autodeclaração de doença fraudulenta pode dar direito a despedimento

O Governo quer que a entrega de uma autodeclaração de doença fraudulenta possa dar direito a um despedimento por justa causa.

Em causa está uma proposta de alteração ao artigo 254.° do Código do Trabalho, relativo à prova de motivo justificativo de falta e que prevê que "a apresentação ao empregador de declaração médica ou de autodeclaração de doença com intuito fraudulento" constitua uma "falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento".

Segundo a lei atual, a "apresentação ao empregador de declaração médica com intuito fraudulento constitui falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento", pelo que o objetivo agora é alargá-la também às autodeclarações de doença emitidas através da linha SNS 24.

Governo alarga serviços mínimos a mais setores

O Governo quer integrar as creches e os lares nos serviços mínimos em caso de greve, assim como os setores do abastecimento alimentar e os serviços de segurança privada de bens ou equipamentos essenciais.

Segundo a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Rosário Palma Ramalho, a ideia é "ser um bocadinho mais exigente quanto à definição dos serviços mínimos, mas sem riscar o direito à greve", e tornando-o "apenas combatível com outros direitos fundamentais", nomeadamente o direito à saúde, ao trabalho ou "a circular".

O Código do Trabalho prevê atualmente que em caso de greve os serviços mínimos sejam assegurados "em empresa ou estabelecimento que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis", que incluem correios e telecomunicações, serviços médicos, hospitalares e medicamentosos, salubridade pública, incluindo a realização de funerais, serviços de energia e minas, incluindo o abastecimento de combustíveis.

Contemplados estão também abastecimento de águas, bombeiros, serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado, transportes, incluindo portos, aeroportos, estações de caminho-de-ferro e de camionagem, relativos a passageiros, animais e géneros alimentares deterioráveis e a bens essenciais à economia nacional, abrangendo as respetivas cargas e descargas e transporte e segurança de valores monetários.

Mexidas nos contratos de trabalho a termo certo e incerto

A proposta do Governo prevê que os contratos a termo certo passem a ter uma duração inicial mínima de um ano, ao invés dos atuais seis meses, podendo ser renovados até três vezes.

No que toca à duração máxima, e já tendo em conta as renovações, a proposta é que passe de dois para três anos nos contratos a termo certo e de quatro para cinco anos nos contratos a termo incerto.

A celebração de um contrato a termo certo passa a ser admissível nos primeiros dois anos de funcionamento de uma empresa, independentemente da sua dimensão, quando até agora o era apenas nas empresas com menos de 250 trabalhadores.

Passa também a ser admissível na contratação de um trabalhador que nunca tenha prestado atividade com contrato de trabalho por tempo indeterminado, assim como na contratação de reformados por velhice ou invalidez.

Mudanças noutros regimes de contratos de trabalho

Aos trabalhadores com contrato de trabalho intermitente que exerçam outra atividade durante o período de inatividade deixa de ser deduzida a retribuição recebida com esta atividade da compensação retributiva paga pelo empregador.

Nos contratos em comissão de serviço, o trabalhador tem direito a resolver o contrato de trabalho até 30 dias depois de o empregador decidir pôr termo a essa comissão de serviço, mas apenas tem direito a indemnização se a comissão de serviço tiver durado pelo menos seis anos.

Banco de horas individual regressa

O Governo quer repor o banco de horas individual, mas em moldes diferentes do passado. A proposta determina que o banco de horas individual possa ser instituído, por acordo entre o empregador e o trabalhador, prevendo que o período normal de trabalho possa ser aumentado até duas horas diárias, atingindo as 50 horas semanais, tendo o acréscimo por limite 150 horas por ano e incluir um período de referência que não pode exceder os quatro meses.

A ideia é que "passe a ser subsidiado um banco de horas em regime de negociação coletiva, o que não existia no passado", explicou a ministra do Trabalho, acrescentando que o que existia antes era para a adaptabilidade.

Horas de formação obrigatórias nas microempresas caem para metade

O Governo quer mexer nas horas de formação contínua das empresas, tencionando que estas para passem para 20 horas por ano no caso das microempresas.

O Código do Trabalho prevê atualmente que todos os trabalhadores têm direito a um mínimo de 40 horas de formação contínua por ano, estando o empregador obrigado a assegurar essa formação independentemente da dimensão da empresa.

Já no caso dos contratos a termo com duração igual ou superior a três meses, as horas são proporcionais à duração do contrato.

Fim das restrições ao 'outsourcing' após despedimentos

O Governo quer revogar a norma que estabelece restrições ao 'outsourcing' (contratação de trabalho externo), durante um ano, após despedimentos.

Em causa está o artigo 338.º A do Código do Trabalho, introduzido no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, e que estabelece que "não é permitido recorrer à aquisição de serviços externos a entidade terceira para satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou despedimento por extinção de posto de trabalho".

O executivo pretende agora revogar a norma que proíbe a aquisição e serviços externos a terceiros para satisfazer necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou despedimento por extinção de posto de trabalho.

Quotas de emprego para pessoas com deficiência

O sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência passa a abranger os trabalhadores com um grau de incapacidade igual ou superior a 33%, em alternativa aos atuais 60%, "visando a sua contratação por entidades empregadoras do setor privado e organismos do setor público".

Em caso de recurso ao trabalho temporário por empresa ou à prestação de serviços por centro de emprego protegido que aloque trabalhadores com deficiência para preencher um posto de trabalho na entidade beneficiária, o trabalhador com deficiência alocado integra também o cômputo do pessoal da empresa beneficiária do serviço.

Trabalhadores independentes

Atualmente, um trabalhador independente é considerado economicamente dependente de uma empresa (o que lhe dá mais regalias) quando recebe 50% dos seus rendimentos de um único cliente, mas o Governo quer aumentar essa percentagem para 80%.

Plataformas digitais

A proposta de revisão de legislação laboral inclui a transposição de uma diretiva europeia, que visa a melhoria das condições de trabalho e a proteção dos dados pessoais no trabalho em plataformas digitais.

O artigo 12.º do Código de Trabalho já previa algumas indicações para comprovar a existência de contratos de trabalho com plataformas digitais, mas o Governo pretende introduzir algumas alterações.

Entre as quais quer que se verifiquem cumulativamente dois requisitos para comprovar a existência de um contrato de trabalho: a prestação da atividade tem que ser regular e o prestador tem que estar em situação de dependência económica.

Teletrabalho

É revogada a norma que atualmente prevê que um empregador só pode recusar uma proposta de teletrabalho apresentada pelo trabalhador "por escrito e com a devida fundamentação", desde que esta seja compatível com a função desempenhada. Com esta alteração, será mais fácil ao empregador recusar teletrabalho a um funcionário.

É também revogada a norma que estabelece que, partindo do empregador a proposta de teletrabalho, a oposição do trabalhador não tem de ser fundamentada nem pode levar ao seu despedimento ou penalização.As disposições legais relativas ao teletrabalho passam a aplicar-se, "com as necessárias adaptações", a outras formas de trabalho subordinado prestado à distância, mesmo que não em regime de dependência económica.

Compra de dias de férias

O trabalhador poderá pedir até dois dias de férias adicionais, com perda remuneratória, mas sem a perda de outros benefícios, como o subsídio de refeição ou os subsídios de férias ou Natal. Estes dias podem anteceder ou seguir-se ao período de férias.

São consideradas faltas justificadas, terão que ser acordadas com o empregador e devem ser requeridas "no prazo de 10 dias sobre a marcação do período de férias", sendo que o "empregador apenas se pode opor ao seu gozo com fundamento em necessidades imperiosas de funcionamento da empresa".

Subsídios de férias e Natal podem ser pagos em duodécimos

Outras das várias mudanças que o Governo pretende introduzir diz respeito à possibilidade de os trabalhadores voltarem a poder escolher se querem receber os subsídios de férias e de Natal em duodécimos ou da forma tradicional.

Fim do período experimental de 180 dias no primeiro emprego

O Governo pretende revogar do Código do Trabalho a alínea que estipula que, no caso dos contratos de trabalho por tempo indeterminado é obrigatório um período experimental de 180 dias para os trabalhadores que "estejam à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração".

Atualmente a lei prevê um período experimental de 180 dias nestes casos, mas admite que possa ser "reduzido ou excluído consoante a duração do anterior contrato de trabalho a termo, celebrado com empregador diferente, tenha sido igual ou superior a 90 dias".

Já no que toca ao período experimental dos contratos a termo e dos contratos em comissão de serviço não está prevista qualquer alteração.