O ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergey Lavrov, discursou este sábado de manhã em Nova Iorque (pelas 16h30 em Lisboa), na sede das Nações Unidas, e não poupou nas críticas ao Ocidente. No início do discurso elencou uma série de “guerras ilegais” na NATO, ou seja aquelas que não tiveram aprovação do Conselho de Segurança da ONU, como por exemplo no Iraque e na Líbia, deixando de lado, claro, a invasão da Ucrânia como um desses momentos em que a Rússia lançou uma guerra sobre um país sem pedir autorização à ONU. Deixou também de lado outros massacres, por exemplo na Síria e na Chechénia, que também não passaram pela ONU. Falou ainda da invasão do Afeganistão pelos Estados Unidos (a de 1979, conduzida pelo Exército Vermelho ficou de fora do discurso) e o facto de que essa desestabilização do Médio Oriente levou ao aparecimento de grupos terroristas como a Al-Qaeda. Na Síria, o apoio do Ocidente aos rebeldes, disse, levou ao nascimento de milícias islâmicas radicais que aterrorizam o país.

No bloco seguinte, Lavrov enalteceu os objetivos de “cooperação global” traçados pelos vários secretários-gerais, mas reduziu-os a “excelentes slogans” porque não se pode falar de cooperação, frisou o governante quando “o Ocidente espezinhou todos esses valores inabaláveis da globalização de que nos falaram durante tantos anos, a partir desta tribuna, tentando convencer-nos de que iriam assegurar a igualdade de acesso de todos aos bens da civilização livre”.

“Onde está a presunção de inocência, a liberdade de expressão, o acesso à informação, a concorrência leal nos mercados com regras compreensíveis e imutáveis?”, perguntou Lavrov. Enquanto falava, um dos representantes da delegação ucraniana tirava notas freneticamente. Criticou a imposição de sanções, os bloqueios comerciais, a influência indevida dos Estados Unidos sobre a Organização Mundial do Comércio e o regresso do colonialismo. “O Ocidente também quer transformar a ONU num instrumento para fazer avançar os seus planos mercantis”, disse Lavrov, instando o secretário-geral, António Guterres, a dotar os vários organismos da ONU com pessoas que não provenham apenas de países ocidentais. “O Secretariado deve avançar com ideias unificadoras e propor opções de compromisso, em vez de introduzir nos eventos de trabalho narrativas que sejam benéficas para o Ocidente”, disse Lavrov, relembrando que a ONU não estar dividida entre “os países que se sentam à mesa e os que são apenas o menu”.

O tema das guerras de Israel foi também explorado por Lavrov que apelou a “todos os que ainda têm um sentido de compaixão”, e se indignaram com o 7 de outubro, para que se indignem também com “a punição em massa dos palestinianos”. Outro “exemplo flagrante de métodos terroristas como meio de atingir objetivos políticos” por parte de Israel, é “o ataque desumano ao Líbano que transformou tecnologia civil numa arma letal”, disse Lavrov, referindo-se à explosão de pagers e walkie-talkies, previamente armadilhados por Israel e entregues a alguns membros da milícia libanesa do Hezbollah, apesar de muitos terem explodido nas mãos de civis.

No fim, Lavrov voltou ao tema da NATO, acusando a Aliança Atlântico de estar “há 30 anos” a expandir-se na Europa, “na qual está a tentar enraizar-se”. A expansão da NATO na Ásia Central também foi criticado por criar “ameaças diretas à segurança do nosso país”, a Rússia. Lavrov denuncia ainda a expansão da NATO na região da Ásia-Pacífico, “onde a infraestrutura da NATO está a infiltrar-se” e onde, “para conter ou dissuadir a China e a Rússia, estão a ser criados blocos políticos militares estreitos que minam a arquitetura de segurança inclusiva sob a égide da ASEAN”, concluiu Lavrov, referindo-se à Associação de Nações do Sudeste Asiático.

A parte mais irónica do discurso foi quando Lavrov lembrou que, em 1970, a Assembleia Geral “estabeleceu por unanimidade que todos devem respeitar a integridade territorial dos Estados”. O ministro não fez qualquer referência ao facto de o seu país andar desde 2014 a desrespeitar as fronteiras legalmente reconhecidas do Estado soberano seu vizinho, a Ucrânia.