Depois de uma primeira experiência a correr o país, o “Tasqueando Por Aí” regressa a Lisboa e traz sete sugestões de tascas em diferentes regiões da capital.

A Galé dos Manos (Benfica)

A casa da "Santa" Isabel, aberta para todos, todos, todos

Comer na Galé dos Manos é como comer na casa da avó, mas a pagar. Até o nome da dona - com todo o respeito - é digno de vó. Maria Isabel, que um dia sonhou com a medicina, fideliza gerações desde 1982.

Há quem lhe chame "Santa" na hora da despedida, que nada mais é do que um até breve. A Galé é mesmo como a Igreja, admite Maria, porque está "aberta para todos, todos, todos, como dizia o Papa".

Sentada à mesa connosco, entre as travessas vazias de vitela mirandesa e cozido à portuguesa, especialidades da casa, Maria fala sobre tudo. Desfaz a minha curiosidade sobre os "Manos" da Galé, homenagem aos filhos que teve com Jaime, seu marido há mais de 50 anos, que também trabalha aqui.

Ela é boa com datas e diz que a 31 de maio o restaurante completou 43 anos. Não garante que dure muito mais, nem que haja sucessão. É aproveitar enquanto as portas estão abertas.

Morada: Estrada do Calhariz de Benfica 182, 1500-288
Número: 217 742 817
Preço médio: 15-20€

Manon (Saldanha)

Onde a pressa é amiga da perfeição

Nunca tinha sido servido tão rapidamente como no Manon, uma tasca onde a comida chega antes da bebida. Em menos de cinco minutos já tínhamos na mesa um bacalhau à braz e um hamburgão da casa - dois pratos do dia que mostram que nem sempre a pressa é inimiga da perfeição.

O Manon é um local pequeno e discreto, quase escondido entre as árvores da Avenida Marquês de Tomar, quase ofuscado pelas fachadas da vizinhança. À frente do tasco, há um restaurante de brunch. Poucos metros ao lado, uma casa de croassaints com lojas de Norte a Sul. Ao virar da esquina, uma das mais famosas tabernas de francesinha.

Ainda assim, é provável que nenhum desses sítios esteja tão cheio como o Manon à hora do almoço. Peço desculpa aos clientes fiéis por tirá-lo da "bolha" - nunca o vi recomendado em listas na Internet - mas o povo merece conhecer o Manon.

Morada: Av. Marquês de Tomar 70, 1050-053
Número: 217 974 531
Preço médio: 5-10€

Maçã Verde (Santa Apolónia)

Podia ser um minimercado ou um restaurante vegan, mas não

Maçãs everywhere. A julgar pela entrada e pelas paredes, este sítio podia ser tudo menos uma tasca. A situação agrava-se quando descubro que já se chamou "Green Apple". Tem pinta de minimercado ou restaurante vegan, mas não.

Em Santa Apolónia, "Maçã Verde" é sinónimo de comida portuguesa, boa e barata (a melhor chanfana que já comi custou 9.5€), acompanhada de simpatia permanente até às 23h, quando se fecham as portas da tasca.

A história é antiga e explica o nome. Antes dos anos 1990, o ainda Green Apple era um snack-bar à americana, onde os militares iam buscar uma sandes entre as chegadas e partidas da estação de comboios, do outro lado da rua.

Numa altura em que muitas tascas fecham e dão lugar a qualquer coisa mais fancy, é irónico que o Maçã Verde tenha feito o movimento contrário há mais de três décadas. E ainda bem.

Morada: Rua dos Caminhos de Ferro 84, 1100-486
Número: 965 512 266
Preço médio: 10-15€

A Provinciana (Rossio)

A tasca quase centenária que parece um museu do relógio

A fila assustou-me, admito. Pensei em desistir, como fizeram alguns, mas ainda bem que fiquei. A Provinciana é uma tasca-modelo - menu escrito à mão, azulejos nas paredes, mesas coladas, casal a dividir funções atrás do balcão - com a singularidade de parecer um museu do relógio.

Quando conheci o dono, o sr. Américo, disse-lhe que tinha contado pelo menos 60 relógios. Foi quando ele descobriu que sou de letras. Na realidade, há mais de 90 - todos diferentes, a maioria a funcionar, nenhum com a hora certa. Estão inseridos em barris de vinho, o que revela uma ligação familiar especial. Américo junta a sua paixão pelas horas ao antigo trabalho do pai, que era tanoeiro.

A comida é obra da dona Judite. O serviço de mesa fica a cargo da Carla, filha do casal, que começou por ajudar os pais no verão, mas há 13 anos trabalha aqui de forma integral. No que depender dela, garante continuar o legado, embora dependa sempre do proprietário, a Fundação Benfica. Hoje está tudo em obras, mas o vizinho de cima do restaurante já foi a sede do Sport Lisboa e Benfica.

Respira-se história n'A Provinciana, que como tasca existe desde 1930, muito antes do Américo comprar o negócio em 1988. A Câmara de Lisboa deu-lhe o selo de Loja com História, mas o maior reconhecimento é mesmo a fila. Vale a pena esperar.

Morada: Tv. do Forno 23, 1150-193
Número: 213 464 704
Preço médio: 10-15€

Vida de Tasca (Alvalade)

A tasca que salvou outra tasca (que ainda existe no verso do toldo)

É raro, mas ainda existe calma em Lisboa. Neste pequeno estabelecimento numa rua sem saída em Alvalade, só o barulho dos aviões transporta-nos de volta para o caos da capital. São poucos os carros que passam por aqui, o que permite a dois clientes sem lugar sentarem-se em cadeiras colocadas na berma para beber um copo.

Eu, que queria mesmo comer, tive de ligar antes. "Tiveste sorte Daniel, já só havia uma mesa", diz-me o João, que faz questão de tratar cada cliente pelo nome. Segui a sua recomendação e pedi o "best-seller" da casa, o bitoque que está na foto principal deste artigo. Façam o mesmo e depois peçam a mousse de chocolate, confiem.

Este local herda um património escondido no outro lado do toldo, que não por acaso está ao contrário. De um lado, "Vida de Tasca". Do outro, a "Casa do Alberto", que esteve aqui aberta durante mais de 40 anos. Quando o sr. Alberto decidiu fechar, Leonor Godinho, filha de Sérgio Godinho e antiga participante do Masterchef, pegou no negócio e manteve quase tudo como era. Não mudou o conceito - e a resposta da clientela é a prova de que acertou.

Morada: R. Moniz Barreto 7, 1700-306
Número: 218 490 855
Preço médio: 15-20€

Cantinho do Alfredo (Campolide)

A casa do Albino (não lhe chame Alfredo), pequena e sempre cheia

Não sabia o que pedir quando cheguei ao Cantinho. A ementa colada à porta - quase ilegível - pouco ajudava. Nas mesas não havia menu e não quis chatear o Albino (e não Alfredo), que parecia ocupado a servir e a comentar coisas da política.

O restaurante tem porta estreita, sala pequena e comporta, com jeitinho, umas 25 pessoas, em mesas com pouco distanciamento social. A proximidade encorajou-me a pedir sugestões a um cliente que, felizmente, era da casa.

"Pede as pataniscas, é dos melhores pratos daqui", sugeriu. Eram excelentes, de facto, mas fico com a ideia que podia fechar os olhos e escolher qualquer coisa, que saía feliz da mesma forma.

O mais impressionante é que uma nota de dez euros chega e sobra para tudo - prato, bebida, sobremesa e café. Eis uma tasca rara, com uma relação qualidade/preço difícil de encontrar nos dias de hoje - e no centro de Lisboa.

Morada: R. Gen. Taborda 44, Lisboa
Número: 213 882 662
Preço médio: 5-10€

O Fernandinho (Bairro Alto)

"Quero que seja assim. Senão qualquer dia ninguém conhece a cozinha portuguesa"

Dar o próprio nome ao restaurante não é nada inovador, mas eleva sempre as expectativas. Ainda mais neste caso, em que não é a Tasca ou a Taberna do Fernandinho. É apenas "O Fernandinho". Ele é a tasca.

Lá dentro, Sandra manda na cozinha e prepara os três pratos pedidos - bife à Fernandinho, bacalhau à Fernandinho e salmão grelhado - que rodariam na nossa mesa como os ponteiros do relógio. Escolher só um é difícil. "Já tive sexo menos interessante do que esta refeição", desabafa o vizinho. Só a meio do almoço lembrei-me que tinha uma coca-cola para beber.

Fernandinho, um homem do Minho que anda nas cozinhas desde os 13 anos, vai perambulando pela casa, conversando, contando histórias. "Uma ex-Presidente do teu país já comeu cá", diz ele, enquanto aponta para uma fotografia de Dilma Rousseff na parede. Muitos estrangeiros acabam aqui, por acaso ou sugestão. Estamos ao lado do Bairro Alto, onde não faltam turistas.

Ele podia ter a tentação de vender outra coisa, mas Fernandinho é fiel a si próprio. "Quero que seja assim. Senão qualquer dia ninguém conhece a cozinha portuguesa".

Morada: R do Duque 15, 1200-309
Número: 213 468 555
Preço médio: 15-20€

O “Tasqueando Por Aí” nasce com o objetivo de conhecer Portugal através da cultura que vive em cada mesa. Não é apenas sobre avaliar um bitoque ou uma patanisca. O ambiente conta, porque uma tasca é feita de memórias, tradições e, sobretudo, de pessoas, as que servem e as que comem. Até à próxima viagem.