O Ártico esteve coberto por uma camada de gelo marinho sazonal que sustentava a vida mesmo durante os períodos mais frios dos últimos 750 mil anos, de acordo com um estudo.

Esta descoberta ajuda a compreender como este oceano respondeu às alterações climáticas no passado e como poderá fazê-lo no futuro, noticiou na sexta-feira a agência Efe.

Durante anos, os cientistas debateram se uma gigantesca plataforma de gelo espesso cobriu todo o oceano Ártico durante as eras glaciares mais frias, mas o novo estudo contesta esta ideia, uma vez que os seus autores não encontraram evidências da presença de uma enorme plataforma de gelo com aproximadamente um quilómetro.

O estudo, publicado na sexta-feira na revista Science Advances, foi liderado pelo investigador Jochen Knies, da Universidade Ártica da Noruega.

No âmbito do projeto Into the Blue - i2B (financiado pelo Conselho Europeu de Investigação), a equipa de investigação estudou núcleos de sedimentos recolhidos do fundo do mar nos mares nórdicos centrais e no planalto de Yermak, a norte de Svalbard.

Estes núcleos contêm pequenas assinaturas químicas de algas que viveram no oceano há muito tempo. Algumas destas algas crescem apenas em águas abertas, enquanto outras prosperam sob o gelo marinho sazonal que se forma e derrete todos os anos.

"Os nossos núcleos de sedimentos mostram que a vida marinha estava ativa mesmo durante os períodos mais frios", destacou Knies, principal autor do estudo e co-líder do projeto Into the Blue - i2B.

"Isto diz-nos que deve ter havido luz e água aberta à superfície. Não se veria isto se todo o Ártico estivesse coberto por uma camada de gelo com um quilómetro de espessura", apontou.

Um dos principais indicadores que a equipa procurou foi uma molécula chamada IP25, produzida por algas que vivem no gelo marinho sazonal e cuja presença regular nos sedimentos mostra que o gelo marinho apareceu e desapareceu com as estações do ano, em vez de permanecer congelado durante todo o ano.

Para testar as descobertas baseadas no registo geológico, a equipa utilizou um modelo computacional de alta resolução para simular as condições do Ártico durante dois períodos particularmente frios: o Último Máximo Glaciar, há cerca de 21.000 anos, e uma glaciação mais profunda, há cerca de 140.000 anos, quando vastas camadas de gelo cobriram grande parte do Ártico.

"Os modelos corroboram o que encontramos nos sedimentos", sublinhou Knies.

"Mesmo durante estas glaciações extremas, as águas quentes do Atlântico continuaram a fluir para a enseada do Ártico. Isto ajudou a evitar que algumas partes do oceano congelassem completamente", explicou.

Os modelos mostraram também que o gelo não era estático e mudava com as estações do ano, criando aberturas no gelo através das quais a luz podia atingir a água e onde a vida podia continuar a prosperar.

Esta investigação não só redefine a visão dos climas árticos passados, como também tem implicações para as previsões meteorológicas.

Compreender como o gelo marinho e a circulação oceânica responderam a extremos climáticos passados pode melhorar modelos que projetam mudanças futuras num mundo em aquecimento.

Alguns cientistas defendem que as características do fundo do mar Ártico sugerem que uma enorme plataforma de gelo terrestre já cobriu todo o oceano. Mas este novo estudo oferece outra explicação.

"É possível que tenham existido plataformas de gelo de curta duração em algumas partes do Ártico durante vagas de frio particularmente severas, mas não vemos qualquer evidência de uma única plataforma de gelo maciça que tenha coberto tudo durante milhares de anos", sublinhou Knies.

Uma possível exceção poderá ter ocorrido há cerca de 650.000 anos, quando a atividade biológica no registo sedimentar diminuiu drasticamente, mas, mesmo assim, as evidências apontam para um evento temporário, e não para uma camada de gelo duradoura sobre o Ártico.