
Debaixo de um calor intenso em Studio City, a 20 quilómetros da baixa de Los Angeles, um veterano do exército norte-americano gritava palavras de ordem num dos maiores protestos de que há memória nesta zona. “Eles precisam de entender que não vamos aceitar isto”, disse ao Expresso o ex-militar de 59 anos, Robert M. “O pior desta administração é a crueldade e a maldade, precisamente as coisas que eu quis combater quando me alistei.”
Robert foi um dos milhares de manifestantes que saíram à rua neste sábado para o maior dia de protesto desde que Donald Trump tomou posse, a 20 de Janeiro. Sob o mote “No Kings Day”, os habitantes de Los Angeles foram em massa para a rua, com militares da Guarda Nacional armados e a postos.
Esse foi um dos motivos da indignação de Robert M., já que o Presidente Trump enviou os militares contra a vontade do governador da Califórnia, Gavin Newsom, e da mayor Karen Bass. A situação actual, disse, não é comparável ao que aconteceu nos motins de 1992, quando foi mobilizado para a Guarda Nacional para tentar conter a violência que deflagrou quando o afro-americano Rodney King foi espancado pela polícia. “Era muito pior, era por toda a cidade”, contou.
Ali, em ruas com vista para o parque de diversões Universal Studios Hollywood, o ambiente foi de festa. “Não tenho medo de violência”, afirmou. “Temos de sair à rua em grande número para fazer pressão sobre o Congresso, para que tenham medo de nós nas eleições intercalares do próximo ano.”
Os protestos foram ruidosos e visíveis, com gente de todas as idades. Havia famílias inteiras, incluindo bebés e crianças, a agitar bandeiras dos Estados Unidos. Havia tambores e megafones com palavras de ordem, como “Hey hey, ho ho, Donald Trump has got to go” (Donald Trump tem de se ir embora) e muitos cartazes elaborados, a maior parte alusiva ao desdém que os norte-americanos têm pela monarquia.
“Não temos rei desde 1776”, lia-se em vários cartazes, com coroas cortadas por traços vermelhos. “Acordem e cheirem o fascismo”, dizia outro. As referências à Alemanha nazi eram frequentes; uma jovem mulher empunhava um cartaz onde se lia: “Os meus avôs lutaram na II Guerra Mundial. Agora é a minha vez.”
A vontade de fazer ouvir a sua voz foi também o que levou Tina Mar, 38 anos, a participar no protesto. Mas a cidadã americana admitiu ao Expresso que esteve indecisa até à última hora, por temer que houvesse problemas, e levou o seu passaporte para provar a sua identidade em caso de uma rusga.
“É aterrorizador”, afirmou. “Supostamente não podem fazer nada, mas estão a fazer. Estão a deter cidadãos.”
Mar descreveu a situação como uma crise constitucional, com a administração “a ignorar os processos e a lei” e a obrigar a agência de imigração ICE (Immigration and Customs Enforcement) a ter uma quota mínima de detenções por dia.
“O meu medo é que isto seja apenas o princípio”, explicou. Falou de uma sobrevivente do Holocausto que conheceu há uns anos e lhe contou como a repressão começou por ser direcionada a um grupo e se espalhou. “Depois, toda a gente tinha medo”, afirmou. “Essa é a diferença entre aquela altura e agora: estamos a usar as nossas vozes.”
Os protestos começaram há uma semana, a 6 de Junho, quando a agência ICE irrompeu pela cidade em rusgas de imigração que lançaram o pânico e a indignação. Os agentes detiveram centenas de imigrantes apanhados em locais de trabalho, como restaurantes e serviços de lavagem de carros, e, nalguns casos, apareceram sem distintivo e em carrinhas descaracterizadas, indo atrás de pessoas sem mandado judicial.
Embora a maioria dos protestos tenha sido pacífica, de acordo com a mayor Karen Bass, grupos de vândalos aproveitaram a situação para incendiar carros, grafitar paredes, tentar pilhar lojas e arremessar pedras aos carros da polícia. A mayor impôs um recolher obrigatório na baixa entre as 20h00 e as 06h00 locais, mas Donald Trump decidiu enviar 4.000 membros da Guarda Nacional e 700 fuzileiros para garantir a ordem. O governador Gavin Newsom processou a administração numa tentativa de recuperar o controlo da Guarda Nacional do estado, cuja presença considerou aumentar o perigo de confrontos.
No “Dia Sem Rei”, que coincidiu com a parada militar de Trump em Washington, D.C., e com o seu aniversário, houve protestos por todo o país. Em Los Angeles, o maior perigo esteve na baixa, onde houve barreiras policiais e os agentes chegaram a usar gás lacrimogéneo sobre grupos de manifestantes. Os manifestantes também gritaram e cantaram frente a militares armados da Guarda Nacional, que protegiam edifícios federais. As imagens aéreas mostraram uma das maiores concentrações de manifestantes dos últimos cinco anos, comparáveis apenas ao Verão quente de 2020, quando rebentaram protestos contra a morte de George Floyd às mãos da polícia.
Do outro lado da cidade, em Culver City, a actriz portuguesa Kika Magalhães participou num protesto “muito bonito.” Radicada em Los Angeles há nove anos, a actriz confessou-se emocionada pelo que viu.
“Foi muito pacífico e com muita gente a lutar pela mesma causa”, apontou. Sinais contra o ICE, Trump, fascismo, a favor da reforma da imigração, pessoas a cantar e a abraçarem-se.