Morreu José Mouta Liz, um dos nomes mais importantes das FP-25, organização terrorista de que foi um dos fundadores. Mouta Liz morreu esta sexta-feira ao fim da tarde, no hospital da CUF Tejo, em Lisboa, onde estava internado nos cuidados paliativos. Tinha 86 anos.

Formado em economia, trabalhou no Banco de Portugal onde foi tesoureiro, tendo sido responsável pelos saneamentos ocorridos na instituição no período do PREC, em 1975. Militou no Movimento de Esquerda Socialista (MES) e no Movimento Socialista Unificado (MSU), ambos partidos de esquerda radical. Em 1976 apoiou a candidatura de Otelo Saraiva de Carvalho à presidência da República.

Dois anos mais tarde, torna-se um dos dirigentes máximos da Organização Unitária dos Trabalhadores (OUT), que congregava várias organizações da esquerda radical, defensoras da violência armada como método de acção politica.

A Mouta Liz é imputada responsabilidade direta no assalto a uma carrinha de transporte de valores, do Banco Fonsecas & Burnay, assalto que resultou no roubo de 108 mil contos (cerca de 539 mil euros),

No âmbito da operação Orion - lançada em 1984 para desmantelar a organização FP-25 - e estando a trabalhar no Banco de Portugal quando da execução do mandado de detenção, Mouta Liz conseguiu fugir. Por cortesia, a Polícia Judiciária apresenta-se à administração do Banco e, informado, recorreu a uma baixa médica para não voltar às instalações. Viria a ser preso uns meses depois, em setembro, já depois de ter dado uma entrevista ao jornal Expresso, que decorreu durante um almoço no restaurante Pabe, em Lisboa.

Condenado pelo tribunal da 1.ª instância a 15 anos de prisão, viu a pena agravada pelo Tribunal da Relação para 18 anos, posteriormente reduzida em um ano pelo Supremo Tribunal de Justiça. Foi amnistiado pela Assembleia da Republica, ao abrigo de uma lei que amnistiava as infrações com motivações políticas cometidas entre junho de 1976 e 21 de julho de 1991.

Sobre Otelo Saraiva de Carvalho, e a propósito da sua morte, em 2021, viria a afirmar: “O terrorismo que se pretendeu associar à imagem de Otelo não tem qualquer fundamento jurídico. Ele não foi posto em liberdade por efeito da amnistia, mas como consequência da anulação do julgamento decorrente da inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional, o que implicou o estatuto de presos preventivos aos arguidos e, em consequência a sua libertação por excesso de prisão preventiva".

Manuel Castelo-Branco, filho de Gaspar Castelo-Branco, diretor dos serviços prisionais, morto a tiro pelas FP-25, reagiu numa publicação no Facebook ao desaparecimento de Mouta Liz, dizendo que “só podemos perdoar quem se tenha arrependido". "Não foi o caso, como também Otelo ou Pedro Goulart. Nenhuma morte me deixa contente, mas neste caso, ajuda a fechar um ciclo e arrumar uma dor que o tempo não cura.”

Nascido em Lisboa, a 1 de Agosto de 1939, José Mouta Liz passou parte da infância e juventude na Figueira da Foz, depois de o pai - guarda fiscal - ter pedido para ser transferido quando estava na raia alentejana, em plena Guerra Civil de Espanha, como recordava um artigo publicado no Diário de Notícias, em 2008.

Fez o curso de sargentos milicianos em 1960, tendo depois sido mobilizado para o Leste de Angola. Foi ao regressar que entrou no Banco de Portugal e se envolveu no movimento sindical.

“Assediado para entrar no PS e ficar bem na vida”, como diria ao DN, em vez disso, “optou por se juntar com os militantes, muitos oriundos do PRP, que iriam formar a OUT, partido que desenvolveu relações internacionais intensas com organizações da Líbia (que chegou a ser o seu modelo), Argélia (ver episódio com Zenha) e América Latina”.

No âmbito do processo das FP-25 alegaria sempre a sua inocência. Em abril de 2021, o colectivo de juizes do Tribunal da Boa Hora condenou quatro dos mais de 60 réus acusados de co-autoria moral e material de mais de uma dezena de crimes de sangue, perpetrados no âmbito do chamado «Projecto Global». Otelo Saraiva de Carvalho e Mouta Liz acabariam absolvidos por «falta de provas materiais».