"Em 2024, Moçambique enfrentou uma tempestade perfeita de conflito armado, turbulência política e desastres climáticos. Esses choques sobrepostos criaram uma emergência humanitária volátil e profundamente complexa, tornando Moçambique uma das crises de deslocados mais negligenciadas do mundo pela primeira vez", refere-se no relatório da NRC, divulgado hoje, em que o país africano aparece em terceiro lugar.

No relatório sublinha-se que a violência armada na província de Cabo Delgado, no norte do país, continuou "a desarraigar comunidades, enquanto as tensões se intensificaram em todo o país", após as eleições gerais de 09 de outubro, seguindo-se, poucas semanas depois, o ciclone tropical Chido, que provocou "estragos em infraestruturas já frágeis e afundando ainda mais a população em crises".

"Até o final do ano, quase 600.000 pessoas foram deslocadas por uma combinação de violência e desastre. O acesso a alimentos era uma grande preocupação, e 2,8 milhões enfrentaram insegurança alimentar aguda entre abril e setembro", aponta-se no documento.

Apesar de "necessidades crescentes", no relatório de 2024 do NRC refere-se que "a resposta humanitária teve dificuldades" na mobilização de apoio em Moçambique e que o "financiamento foi drasticamente insuficiente".

"O Plano de Resposta Humanitária de 2024 teve apenas 41% de financiamento -- o menor nível de todos os tempos. A assistência alimentar foi particularmente afetada, cobrindo apenas 13% das necessidades em Cabo Delgado", lê-se ainda no documento, no qual se acrescenta que os primeiros números para 2025 "indicam mais um ano de necessidades não atendidas".

Aponta-se também que o financiamento garantido até o momento "tem sido extremamente limitado, sinalizando uma tendência preocupante e potencialmente agravando a crise".

"A crise em Moçambique desenrolou-se em grande parte fora dos holofotes. A cobertura limitada dos 'media', agravada por crises globais concorrentes, desviou a atenção e os recursos. À medida que o mundo olha para outros lugares, a crise multifacetada de Moçambique está a tornar-se cada vez mais invisível e perigosa", alerta o NRC.

O Conselho Norueguês para Refugiados publica anualmente um relatório sobre as dez crises de deslocamento mais negligenciadas do mundo, com o objetivo de "focar na situação das pessoas cujo sofrimento raramente chega às manchetes internacionais", que "recebem pouca ou nenhuma assistência" e crises "que nunca se tornam o centro das atenções dos esforços da diplomacia internacional".

A lista de 2024 é liderada pela tripla crise de deslocados nos Camarões, nomeadamente a decorrente do longo conflito armado, com 3,4 milhões de pessoas que necessitavam de apoio urgente e proteção, seguindo-se a Etiópia, com 2,3 milhões de pessoas deslocadas, e depois Moçambique.

O número de pessoas deslocadas em todo o mundo duplicou nos últimos dez anos, mas que, ao mesmo tempo, o financiamento humanitário "cobriu apenas metade das crescentes necessidades", acrescenta.

"A mudança de prioridades domésticas, a incerteza económica e a fadiga política levaram a cortes severos no apoio às pessoas afetadas pela crise e pelo deslocamento. O mundo está em transição, mas não devemos aceitar esse abandono como algo inevitável", apela-se.

A lista integra ainda a crise de deslocados no Burkina Faso, no quarto lugar, seguindo-se Mali, Uganda, Irão, República Democrática do Congo, Honduras e Somália.

Alerta-se ainda para o crescente impacto das alterações climáticas nas crises de deslocados, mas também para a "escassez de financiamento", que tem vindo a "tornar-se a norma", necessitando os planos de resposta de pelo menos 50% de financiamento.

PVJ // JMC

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