Vinte e uma personalidades da área da política e da justiça acusam o Governo, numa carta aberta ao primeiro-ministro, de “ataque ao Estado social e de direito” com a operação policial da semana passada, que consideram intolerável.
Os subscritores da carta divulgada este domingo pelo jornal Público consideram urgente alertar Luís Montenegro para a “circunstância intolerável de, 50 anos depois do Abril", que trouxe o Estado social e de direito, o Governo “ter dado esta semana sinais inequívocos de não compreender o sentido profundo de ‘Estado social’ nem de ‘Estado de direito’, atingindo no coração e no osso o projeto social do povo português inscrito na Constituição desde a conquista da democracia”.
A carta é assinada por 21 personalidades, a maioria da área política da esquerda, como o ex-presidente da Assembleia da República Augusto Santos Silva, a antiga ministra da Administração Interna do Governo PS Constança Urbano de Sousa, a ex-secretária de Estado da mesma tutela Isabel Oneto, e os líderes parlamentares do PS, Alexandra Leitão e Fabian Figueiredo, do BE.
O antigo presidente do Tribunal Constitucional Joaquim Sousa Ribeiro, a juíza Maria João Antunes e o constitucionalista Jorge Reis Novais subscrevem a carta aberta, tal como o coordenador científico do Observatório da Emigração Rui Pena Pires, a antiga ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, o advogado e professor universitário João Miranda, e o músico e ativista Dino d’Santiago.
“Há um momento simbólico em que o ataque deste Governo ao Estado social e de direito é exposto ao sol em toda a sua crueza, esse momento que uma imagem inscreveu na nossa memória coletiva, o retrato das pessoas perfiladas pelo Estado contra a parede enquanto no Parlamento de Portugal se debatia e aprovava, com os votos da Aliança Democrática e do Chega, a primeira exceção à universalidade do direito fundamental à saúde”, referem.
Os líderes do PAN, Inês de Sousa Real, do Livre, Rui Tavares, a líder parlamentar do Livre, Isabel Mendes Lopes, e as eurodeputadas Ana Catarina Mendes (PS) e Catarina Martins (BE) assinam a carta, bem como os ex-deputados António Topa Gomes, do PSD, Manuel Loff, do PCP, e José Leitão, do PS, e a deputada socialista Cláudia Santos.
Os subscritores defendem que “ações policiais desproporcionais violam a lei” e a Constituição, e consideram que a imagem de pessoas “perfiladas por dezenas de polícias contra a parede” em função do critério da “sua origem, o da diversidade da sua cultura ou o da cor da sua pele” lembra “tempos que julgávamos enterrados”.
Recordando as palavras do Presidente da República, que defendeu como princípio geral que a segurança deve ser exercida com recato, denunciam uma “inaceitável exposição de pessoas” e defendem que “a forma como aquelas pessoas foram tratadas consubstancia inequivocamente um tratamento degradante, proibido pela Constituição no número 2 do seu artigo 25.º (“ninguém pode ser submetido a (…) tratos (…) degradantes ou desumanos”)”.
Os subscritores da carta dizem ainda respeitar "todos os agentes das forças e serviços de segurança que norteiam a sua conduta pela legalidade" e criticam que "sejam usados como alfinetes na lapela por titulares de cargos políticos em exibições de autoritarismo".
Estas personalidades afirmam que o Governo está a seguir uma receita com objetivos eleitoralistas, que já foi testada noutros países, “com resultados desastrosos de mais desigualdade, mais exclusão social, mais violência”, e defendem que “policiamento de proximidade não significa proximidade com bastões nem rostos de imigrantes próximos da parede”.