O Governo alterou o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial para permitir a construção em terrenos até agora interditos, incluindo na Reserva Agrícola Nacional (RAN) e na Reserva Ecológica Nacional (REN), justificando que pretende aumentar a oferta de terrenos para construir habitação, garantindo a preservação das áreas protegidas. O diploma foi publicado no Diário da República em 30 de dezembro, para entrar em vigor no final de janeiro.

Numa carta, mais de 600 académicos e especialistas ligados à habitação e ao território, além de antigos membros de governos do PS e do PSD e outras figuras públicas, consideram que "a conversão de solos rústicos em urbanos nas condições agora criadas não contribuirá para a resolução da crise da habitação e prejudicará a agricultura, a floresta e o ambiente, potenciando a ocupação de solos" da RAN e da REN.

A iniciativa foi dinamizada pela Rede H - Rede Nacional de Estudos sobre Habitação, um grupo constituído por membros da academia, da sociedade civil, de entidades e de instituições públicas e privadas que têm em comum o interesse pelo tema da Habitação.

O grupo destacou que concorda com as considerações do Presidente da República aquando da promulgação das alterações à "lei dos solos", quando Marcelo Rebelo de Sousa considerou que representam "um entorse significativo em matéria de regime genérico de ordenamento e planeamento do território".

Os signatários alegam que "a possibilidade de reclassificação de solo rústico em solo urbano contraria os princípios do próprio Regime Jurídico em que se insere e não obedece a uma lógica de interesse público".

"Irá ainda fragmentar solo rústico essencial à nossa segurança alimentar e potenciar uma valorização súbita dos terrenos rústicos para fins imobiliários, inibindo o seu uso produtivo", sublinham.

Os subscritores consideram que "nem a necessidade de usar as verbas" do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) nem "a grave crise da habitação podem ser álibis para justificar a 'entorse significativa' reconhecida pelo PR, até porque a realidade os contraria".

"Não existe falta generalizada de solos urbanos nos perímetros urbanos, existem autarquias com graves carências de habitação que não avançaram com as candidaturas ao PRR por diferentes motivos, e os fundos do PRR destinados à Habitação estão contratualizados com as autarquias e entidades beneficiárias elegíveis, não havendo risco de perda de verba por falta de terrenos", afirmam.

Na Carta Aberta é defendido que seja evitado um modelo de "proliferação de bairros periféricos que estigmatiza quem neles reside, perpetuando a pobreza e agravando os custos sociais".

Em contrapartida, consideram necessárias "políticas de habitação que reduzam a pressão sobre a expansão urbana e contrariem o desordenamento do território e a segregação", políticas de gestão urbana eficientes, maior investimento público na habitação acessível, melhor uso do parque habitacional, zonamento inclusivo e recurso ao IMI para disciplinar os usos do solo e desincentivar a especulação.

Entre os subscritores, destacam-se membros de vários Governos do PS e do PSD, como os antigos governantes Amílcar Theias, João Cravinho, Ana Pinho, Artur da Rosa Pires, Carlos Miguel, Carlos Pimenta e João Ferrão.

Também subscreveram o documento ex-diretores gerais e gestores públicos das áreas do Território e da Habitação, como a professora Helena Freitas e a arquiteta Helena Roseta, dirigentes associativos como Francisco Ferreira (ZERO), Pedro Bingre do Amaral (LPN), Viriato Soromenho-Marques (Quercus), além de outras figuras públicas como Maria do Rosário Partidário, que coordenou a comissão técnica independente para o Novo Aeroporto de Lisboa.

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