
O ministro da Presidência aceitou manter um encontro, na tarde de sexta-feira, em Lisboa, com jornalistas imigrantes residentes em Portugal para falar do assunto de política interna mais mediático dos últimos tempos: as novas políticas de imigração a serem tomadas pelo governo da Aliança Democrática, anunciadas por ele mesmo no início da última semana no Parlamento, e que, segundo justificou, são o reflexo do resultado das últimas eleições legislativas. Leitão Amaro esperava por perguntas difíceis e com tom crítico, que seriam feitas por quem sente na pele as dificuldades de ser imigrante em Portugal e pensa que as novas medidas vão agravar ainda mais estas dificuldades.
“Eu garanto-vos uma coisa: vocês podem não concordar com o caminho ou com os passos e todas as curvas que estamos a dar, mas tenho a certeza que todos concordam com o destino a que queremos chegar, que é um país onde as pessoas, por serem estrangeiras, imigrantes, refugiadas não são tratadas como foram durante estes anos”, rematou, quando respondia à pergunta sobre que mensagem pode enviar aos imigrantes que sentem que Portugal não os quer mais.
O ministro respondeu a perguntas feitas pelos jornalistas Farid Amed Patwary, do Bangladesh, e Juliana Iorio, do Brasil, em representação doutros jornalistas estrangeiros residentes em Portugal e que estão integrados no Migrant Media Project, um projecto de jornalismo inclusivo promovido pela associação Pão a Pão em parceria com o jornal Expresso e a Fundação Calouste Gulbenkian.
Na conversa que foi moderada por David Dinis, director-adjunto do Expresso, o ministro defendeu as medidas propostas reafirmando que o Portugal não pode ser um país de portas fechadas, mas também não pode ter as portas escancaradas.
“Não quero que haja uma maioria em Portugal que escolha as portas todas fechadas ou a remigração, e não quero que os portugueses persistam com uma sensação de que o Estado não está a fazer a sua parte e que por isso extravasa a sua desconfiança na resposta do Estado na sua desconfiança sobre o outro, porque é estrangeiro ou tem uma cor da pele diferente”.
Leitão Amaro continuou a justificar as medidas propostas apontando como causas o rápido crescimento demográfico da população imigrante nos últimos sete anos, a falta de acompanhamento especializado na reintegração de crianças imigrantes nas escolas públicas, a rotura do sistema de saúde e doutros serviços públicos, a crise no sector da habitação, entre outras situações que, segundo disse, não conferem dignidade aos imigrantes.
“A sociedade portuguesa passou nos últimos sete anos pela maior transformação demográfica que se tem memória, uma transformação com uma rapidez em número e em natureza. Para nós é novo; estamos a navegar num mar a fazer um caminho para o qual não tínhamos um mapa, já agora, porque nos tinham dito que estava tudo bem, mas muitos de vocês sabiam que não estava tudo bem”, respondeu.
“E esta transformação enorme com a qual o Estado não se preparou, pior, degradou a sua capacidade de fiscalização, criou uma realidade que eu não quero; não é este país que eu quero construir”, continuou.
A jornalista Juliana Iorio pediu esclarecimentos sobre a prioridade que se quer dar à atracção de imigrantes qualificados na facilitação de vistos de procura de trabalho, questionando que mecanismos o governo quer utilizar para promover a empregabilidade desses profissionais e reconhecer as competências que apresentarem. Ex-colaboradora do Diário de Notícias, a brasileira residente há 25 anos em Portugal realçou ainda a necessidade que Portugal tem de mão-de-obra menos qualificada em sectores como agricultura, restauração, construção e outros, e desafiou o ministro da Presidência a explicar como o seu governo pretende, com o modelo proposto, recrutar essa mão-de-obra.
Leitão Amaro rejeitou que a prioridade moral e legal esteja nos altamente qualificados, mas sim nos menores de idade, dando como exemplo as alterações em relação ao reagrupamento familiar, em que os menores não estão abrangidos por limitação quer do local em que estejam, quer do tempo em que o progenitor tenha adquirido residência legal em Portugal.
“De facto, mexemos no canal dos vistos de procura de trabalho e dissemos que é só para altamente qualificados, mas isso não excluiu o acesso de todos ao visto de trabalho que é pedido no mesmo local e cujos requisitos são semelhantes, com uma diferença que é a de ter contrato de trabalho ou não”, disse, realçando que uma semana antes das eleições, o governo assinou um acordo com as empresas, “que muitos designaram de via verde”, cujo objectivo é levar os empregadores a assumir compromissos de integração dos trabalhadores menos qualificados que venham a recrutar.
Farid Amed Patwary questionou o ministro da Presidência se ao decidir promover politicamente a saída de imigrantes que vivem e trabalham em Portugal há mais de três anos, que descontam para a segurança social e contribuem para a economia, o governo tem a certeza de que foram observadas todas as leis que permitiriam a sua regularização.
Leitão Amaro foi confrontado com outras questões e críticas às medidas anunciadas, as quais disse não estarem ainda fechadas e pretende discutir com organizações como o Conselho Nacional para as Migrações. Referiu que algumas escolhas e propostas feitas ao longo da última semana são das que mais lhe custaram a tomar e propor ao longo da vida. Falou de algumas soluções que já estão sendo implementadas para garantir maior dignidade aos imigrantes, como o atendimento a cerca de 440 mil estrangeiros que há mais de três anos aguardavam por um título de residência, a troca da autorização de residência CPLP por títulos válidos em todo espaço Schengen, a presença de 280 mediadores nas escolas a apoiarem a integração dos alunos filhos de imigrantes, entre outras.
“Para conseguirmos cuidar e acolher bem quem chega de fora, preservar a coesão social, a legitimidade política a um governo e um país que não quer ser de portas fechadas nem de ódio, é preciso algumas medidas que limitam, e essas medidas são muito duras, sobretudo para quem cá está e tinha expectativas”, admitiu, reforçando que é o que tem de se fazer para que se possa gerir “um país que seja bom para todos”.
A conversa, que decorreu nos Jardins do Bombarda em Lisboa, prosseguiu depois com outros convidados: Amanda Lima (DN-Brasil), Shiv Singh (Associação Casa da Índia), Paula Cardoso e Vladimir Prata, representando a comunidade angolana, que discutiram as percepções dos media portugueses sobre os imigrantes, assim como as dificuldades dos jornalistas migrantes em conseguir trabalho nas redações portuguesas.
Por fim, os jornalistas Josephine Riesman e S.I. (Sara) Rosenbaum contaram ao público o que é ter de fugir dos EUA e vir para Portugal, face à perseguição de que é alvo a comunidade trans nos Estados Unidos da América de Donald Trump.
* Vladimir Prata é jornalista angolano, residente em Portugal
Este artigo faz parte do Migrant Media Project, desenvolvido pela Associação Pão a Pão em parceria com o Expresso e com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian