José Sócrates e os restantes 20 arguidos da Operação Marquês começam hoje a ser julgados no Campus de Justiça, mais de uma década depois de se ter conhecido o processo que acusa um ex-primeiro-ministro de corrupção.

A primeira sessão do julgamento está marcada para as 09:30, no Tribunal Central Criminal de Lisboa, no Campus de Justiça, onde o coletivo de juízes presidido por Susana Seca vai julgar o ex-primeiro-ministro José Sócrates e mais 20 arguidos, entre pessoas singulares e empresas, por 117 crimes.

Após decisões instrutórias, confirmações de recursos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, extinções de sociedades acusadas pelo Ministério Público (MP) e prescrições, a acusação inicial do Ministério Público já perdeu sete arguidos, dos 28 iniciais.

O principal arguido, José Sócrates, inicialmente acusado de 31 crimes, vai responder por 22, entre os quais três de corrupção passiva de titular de cargo político, 13 de branqueamento de capitais e seis de fraude fiscal qualificada.

O amigo do antigo primeiro-ministro e empresário Carlos Santos Silva é o arguido com mais crimes imputados pela acusação do Ministério Público, respondendo por 23 crimes, contra os 33 iniciais, entre eles um crime de corrupção passiva de titular de cargo político, um de corrupção ativa, 14 de branqueamento de capitais e sete de fraude fiscal qualificada.

Entre o rol de arguidos estão ainda o ex-banqueiro do extinto Banco Espírito Santo, Ricardo Salgado, que responde por três crimes de corrupção ativa, um dos quais de titular de cargo político, e oito crimes de branqueamento de capitais.

Ricardo Salgado já respondeu em tribunal num processo extraído da Operação Marquês, tendo sido condenado por abuso de confiança a oito anos de prisão efetiva, uma pena cujo cumprimento ficou condicionado à avaliação da condição de saúde do ex-banqueiro, diagnosticado com Alzheimer.

Outro dos arguidos já condenados em processos extraídos do processo principal é Armando Vara, ex-ministro de António Guterres e ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos, que no processo principal vai responder por um crime de corrupção passiva de titular de cargo político e um crime de branqueamento de capitais.

Vão ainda responder perante o coletivo liderado por Susana Seca dois ex-administradores da extinta Portugal Telecom, Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, Rui Horta e Costa, ex-administrador do empreendimento de luxo no Algarve Vale de Lobo, o empresário luso-angolano Helder Bataglia, o primo de Sócrates, José Pinto de Sousa, a ex-mulher do antigo primeiro-ministro, Sofia Fava, assim como o ex-motorista do antigo governante, João Perna.

Em 21 de novembro de 2014 José Sócrates foi detido no aeroporto de Lisboa quando regressava de Paris. A situação, inédita em Portugal, tinha por base suspeitas de crimes de corrupção, fraude fiscal, branqueamento de capitais, confirmadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) nesse mesmo dia, em comunicado, no qual anunciou o inquérito da Operação Marquês, dirigido pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), então liderado pelo atual procurador-geral da República, Amadeu Guerra.

Após dois dias de interrogatório pelo então juiz de instrução Carlos Alexandre, José Sócrates veria ser-lhe decretada prisão preventiva, que cumpriu na cadeia de Évora durante nove meses, a que se seguiu um mês de prisão domiciliária.

Do anúncio público do inquérito à acusação do Ministério Público passaram-se anos: só a 11 de outubro de 2017 foi conhecida a acusação, depois de sucessivos adiamentos, que imputava a 28 arguidos 189 crimes.

A leitura da decisão instrutória, em abril de 2021, viria a ser um dos momentos mais marcantes do processo, com o juiz Ivo Rosa a deitar por terra praticamente toda a acusação do MP, nomeadamente os crimes mais graves, os de corrupção.

A leitura da decisão instrutória, que numa decisão rara na justiça portuguesa teve transmissão televisiva, ainda que apenas das imagens, deixou o procurador Rosário Teixeira, titular do inquérito, de mãos na cabeça perante o país.

Uma decisão da Relação de Lisboa em janeiro de 2024 acabaria por recuperar a quase totalidade da acusação inicial do Ministério Público que, ultrapassada uma década de inquérito e instrução, assim como sucessivos recursos do antigo primeiro-ministro, começa hoje a ser julgada.

A dúvida agora é se este megaprocesso ficará ainda maior. Cabe à juíza Susana Seca decidir se aceita juntar ao processo principal o processo mais pequeno, que resultou da decisão instrutória de Ivo Rosa, e que teve no mês passado decisão instrutória, enviando Sócrates e Santos Silva para julgamento por crimes de branqueamento de capitais que podem assim vir a ser julgados em conjunto com os do processo principal.

Os números do processo que tem mais de 650 testemunhas

Onze anos após a detenção de José Sócrates no aeroporto de Lisboa, arranca hoje o julgamento da Operação Marquês, que leva a tribunal o ex-primeiro-ministro e mais 20 arguidos e conta com mais de 650 testemunhas.

Estão em causa 117 crimes, incluindo corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal, pelos quais serão julgados os 21 arguidos neste processo. Para já, estão marcadas 53 sessões que se estendem até ao final deste ano, devendo no futuro ser feita a marcação das seguintes e, durante este julgamento serão ouvidas 225 testemunhas chamadas pelo Ministério Público e cerca de 20 chamadas pela defesa de cada um dos 21 arguidos.

As sessões vão decorrer no sexto piso do Tribunal Central Criminal de Lisboa, no Campus da Justiça, numa sala que terá reservados 32 lugares para a defesa dos arguidos - 18 singulares e 3 empresas. Há ainda oito assistentes neste processo.

O caso teve origem numa acusação do Ministério Público que conta mais de 4 mil páginas e que foi deduzida em 2017. Na altura, o Ministério Público revelou que foram inquiridas mais de 200 testemunhas e recolhidos dados bancários de cerca de 500 contas.

O principal arguido deste processo é José Sócrates, que vai a julgamento por 22 crimes - três de corrupção passiva de titular de cargo político, 13 de branqueamento de capitais e seis de fraude fiscal qualificada. Surge a seguir Carlos Santos Silva, que segundo o Ministério Público foi nomeado por José Sócrates para movimentar o dinheiro para as contas do ex-primeiro-ministro, acusado de 23 crimes.

Entre os arguidos deste processo está também o antigo presidente do BES Ricardo Salgado, que está acusado de 11 crimes de corrupção ativa e de branqueamento de capitais.

Tal como no julgamento do processo BES, em que o principal arguido é Ricardo Salgado, este julgamento vai contar com um sistema de som, visualização de documentos e transmissão para as duas salas de imprensa situadas nos edifícios A e B do Campus da Justiça e que têm capacidade para 32 jornalistas.

Este processo chega a julgamento mais de uma década depois de ficar conhecido e é a primeira vez em que um antigo primeiro-ministro é julgado. A data de início só ficou definida em março deste ano, depois de a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, conhecida em janeiro do ano passado, ter devolvido a maior parte dos crimes que tinham caído na fase de instrução.