Seis dias após a tempestade que provocou nove mortos na ilha cabo-verdiana de São Vicente, Jéssica Lopes tenta assimilar a perda dos pertences e a dificuldade de garantir alimentação, depois de ter pagado quase o dobro pelo arroz.

"Perdemos tudo. Roupas, móveis, alimentação. O colchão temos de pôr ao sol todos os dias para podermos dormir, mas não temos panos de cama, nem luz, nem água, e cozinhar tornou-se um grande desafio", conta à Lusa Jéssica Lopes, de 32 anos, sentada à porta de casa, rodeada de lama, móveis danificados e plásticos arrastados pela enxurrada.

Com dois filhos, de 14 e 3 anos, Jéssica, residente na Praça Estrela, afirma que "o mais difícil é esquecer o acontecimento e seguir em frente depois de anos de conquista".

"O arroz que custava 100 escudos já comprei por 150 [0,91 e 1,36 euros]. Comprámos porque não tínhamos escolha. Podem subir ainda outros produtos como o óleo. O meu marido trabalha, mas temos um salário básico e eu estou desempregada", lamenta, acrescentando o receio de doenças devido ao acumular da água das chuvas.

"Há poças de água à porta, lama por todo o lado. Nós, vizinhos, já limpámos, mas eu não consigo dormir descansada com tudo isto", acrescenta.

Erickson Coronel, 28 anos, taxista, também relata que os preços já começaram a subir, como a água de 0,5 litros, que passou de 45 para 80 escudos [0,41 e 0,73 euros].

"É quase o dobro, poderia ter comprado duas garrafas, mas compreendo a situação e não reclamo", explica, acrescentando que a circulação de veículos também continua limitada devido às estradas danificadas.

No comércio, há "muita procura por produtos básicos".

Leinira Dias, 34 anos, proprietária de um minimercado, descreve a corrida por feijão, massas, água e artigos de higiene: "O desafio agora é abastecer e responder à demanda", refere, explicando que alguns produtos provenientes de outras ilhas já estão a subir de preço, como o queijo, a batata e a cenoura.

Maitê Lima, 23 anos, trabalha num outro minimercado e conta que, depois de reabrir na terça-feira, as vendas estão mais movimentadas do que o habitual, mas ainda sem qualquer alteração nos preços.

"Água, pão e bolachas estão a ser comprados em grande quantidade, sobretudo por quem vai distribuir às pessoas, também porque algumas lojas ainda não abriram devido ao prejuízo", explica.

Nilza Xalino, 49 anos, responsável de um minimercado conta que apesar de ter tido "grandes perdas" em casa e no armazém dos produtos, o estabelecimento ficou intacto e já regista uma procura elevada por produtos básicos, mas mantém os preços mais acessíveis, consciente da situação de quem também perdeu tudo.

A Lusa tentou obter esclarecimentos junto da Câmara do Comércio do Barlavento sobre a subida dos preços e a situação nos estabelecimentos comerciais, mas não recebeu qualquer resposta até ao momento.

As cheias na segunda-feira deixaram bairros inundados, destruíram estradas e pontes e afetaram o abastecimento de energia e uma pessoa está ainda por localizar.

O Governo cabo-verdiano declarou situação de calamidade por seis meses em São Vicente, Porto Novo (Santo Antão) e nos dois concelhos de São Nicolau.

Além disso, já foi anunciado um plano estratégico de resposta que contempla apoios de emergência às famílias, mas também às atividades económicas, com linhas de crédito com juros bonificados e verbas a fundo perdido, justificando a decisão com o "quadro dramático, excecional".

O Governo utilizará os recursos do Fundo Nacional de Emergência e do Fundo Nacional de Emergência, criado em 2019 precisamente para responder a situações de catástrofes naturais ou impacto de choques económicos externos.

Um navio da Marinha portuguesa atracou na sexta-feira em São Vicente, com 56 militares, equipamentos de remoção de escombros, uma dessalinizadora para o hospital e drones para recolha de imagens aéreas em zonas de difícil acesso, além de mergulhadores e equipas preparadas para apoiar a população.

Países como Timor-Leste, Guiné-Bissau, Portugal e São Tomé e Príncipe já manifestaram solidariedade.