
Os avanços legislativos e na organização policial com a realização do Euro2004 em Portugal foram o 'ponto de viragem' para mitigar episódios de violência, como o da final da Taça de Portugal de futebol de 1995/96, segundo as autoridades.
Benfica e Sporting reencontram-se no encontro decisivo da prova 'rainha', no domingo, no Estádio Nacional, em Oeiras, 29 anos depois de o sportinguista Rui Mendes ter morrido na bancada norte do recinto, vítima de um disparo de um 'very light' do lado oposto, feito pelo adepto benfiquista Hugo Inácio.
Este vai ser o primeiro dérbi numa final da Taça entre os dois rivais - que disputaram até à última jornada da I Liga o título de campeão nacional - desde esse fatídico encontro de 1996, com o comissário da Polícia de Segurança Pública (PSP) Ricardo Conceição, coordenador do Ponto Nacional de Informações sobre o Desporto (PNID), a reconhecer à Lusa que a envolvência "única" do recinto, na mata do Jamor, "encerra um conjunto de desafios diferentes" de outros estádios.
Mesmo com o policiamento do jogo, marcado para domingo, às 17:15, a cargo do Comando Metropolitano de Lisboa e, em particular, à divisão de Oeiras, o responsável diz que estas estruturas valem-se da "experiência anual, com adeptos e clubes diferentes", no corolário de um "trabalho de planeamento feito com muita antecedência".
Ao PNID cabe a avaliação do risco e a sistematização das comunicações relativamente ao policiamento do encontro, numa ação de troca de informações constante com a Guarda Nacional Republicana (GNR) e os promotores, no caso a Federação Portuguesa de Futebol (FPF).
A fase final do Campeonato da Europa de 2004, com a adaptação legislativa, acompanhada pela inauguração e renovação dos estádios, fez prevalecer a preocupação com a pirotecnia, em relação aos casos, até então mais comuns, referentes à ameaça à integridade física, rixa e agressões.
"Houve uma mudança de paradigma, em termos de policiamento de eventos desportivos e Portugal foi pioneiro e é uma referência nessa transformação. Ainda hoje, mais de 20 anos depois, esse é um tema que surge em vários fóruns internacionais, sobre essas alterações, que passaram pela aposta no diálogo, na mediação dos adeptos, moderando o comportamento e adequando-os à legislação, o direcionamento da força [na intervenção], a visibilidade e a pró-atividade da polícia e, a par disso, o surgimento das unidades de 'spotting', que tem sido uma aposta particular da PSP, nomeadamente na formação e isso verifica-se na qualidade dos nossos 'spotters', detalhou o responsável.
Ricardo Conceição acrescenta a esse momento o ano de 2016, por ocasião do Euro2016 vencido por Portugal, com a Convenção de Saint-Denis, sobre a abordagem integrada e multidisciplinar da segurança, da proteção e dos serviços em eventos desportivos, adotada em Portugal em fevereiro de 2018.
"O grande mote é que os eventos sejam protegidos, na sua medida certa, mais na dimensão do bem-estar das pessoas, não só no estádio, mas na cidade em que decorre esse evento. A partir daí, grande parte dos países europeus tem tentado preconizar um evento de ocupação das forças de seguranças, mas também todos os envolvidos, organizadores [neste caso a FPF], os promotores [os clubes], os municípios, para que as pessoas possam desfrutar do futebol. Acho que as coisas estão melhores do que no passado e é sempre esse o nosso objetivo", vincou à Lusa.
A grande maioria dos 430 adeptos interditos de acederem a recintos desportivos está afastada devido à "introdução ou utilização de substâncias ou engenhos explosivos, artigos de pirotecnia ou fumígenos, ou objetos que produzam efeitos similares", o que, segundo Ricardo Conceição, obriga a que a polícia "faça, sempre, mais e melhor na prevenção" destas infrações.
Em janeiro de 2023, o Governo de António Costa voltou a criminalizar a pirotecnia, punindo-a com pena de prisão até cinco anos, ou pena de multa até 600 dias, com o seu manuseamento, com taxa de álcool no sangue superior à permitida por lei, com prisão até um ano ou multa até 120 dias.
O uso e porte de 'very lights' já eram considerados crime, ao abrigo do Regime Jurídico das Armas e Munições, por se tratar, efetivamente, de uma arma, que se assemelha a uma pistola, e que dispara um projétil de sinalização.
O episódio de 18 de maio de 1996 teve muitas repercussões no desporto nacional, sendo que uma das primeiras passou pelo compromisso para a instalação, logo na época seguinte, de 1996/97, de sistema de videovigilância e controlo por circuito fechado de televisão.
O Governo socialista da altura, liderado por António Guterres, avançou, em outubro de 1996, com uma proposta de lei para criminalizar o uso e o porte de explosivos e engenhos pirotécnicos em espaços públicos, tentando equiparar os 'very lights' a armas proibidas.
Em 1998, Hugo Inácio foi condenado a quatro anos de prisão por homicídio por negligência grosseira, pela morte de Rui Mendes, tendo fugido da prisão durante uma saída precária em 2000 e sido recapturado em 2011.
O cadastro foi ampliado em 2012, com uma condenação por 18 meses de prisão, acrescida de dois anos de proibição de entrar em recintos desportivos por dois anos, por ter agredido e injuriado um polícia, num jogo do Benfica na Liga dos Campeões. Mais recentemente, em 2016, foi condenado a três anos de prisão e proibição de entrar em recintos desportivos durante sete anos, por posse de material pirotécnico.
De acordo com o Correio da Manhã, Hugo Inácio ainda está impedido de frequentar recintos desportivos.