João Sousa Pinto voou para a China, no dia 6 de março, para dar início a uma viagem de um mês, sem imaginar que iria receber um email que lhe iria proporcionar uma experiência única: participar (e vencer) uma das provas que faz parte da Maratona Internacional de Pyongyang, o evento desportivo internacional que é uma das poucas portas de entrada a estrangeiros na Coreia do Norte.

"Estava na China, logo no início da viagem, quando recebi um email a informar que abriram as inscrições para 200 atletas participarem na maratona. Um minuto depois, fiz o pagamento, enviei os documentos e inscrevi-me. Sabia que era uma oportunidade única", contou o jovem em entrevista à NIT.

Sem pensar duas vezes, o jovem de 25 anos, natural do Porto, inscreveu-se para participar na corrida de 10 quilómetros, um processo que considerou "fácil e descomplicado". Fê-lo através da Kyoto Tours, a agência de viagens "parceira exclusiva" do evento, que João já tinha contacto antes para marcar uma viagem até à cidade norte-coreana de Rason, que abriu ao turismo em fevereiro e que entretanto já voltou a fechar as fronteiras.

"Tinha-me inscrito numa dessas tours, mas foi cancelada. Fiquei um bocado triste na altura, mas continuei em contacto com um dos responsáveis da empresa, que me disse que eram capazes de abrir vagas para a maratona", contou João.

Para participar na corrida gastou cerca de 2.195€, um valor que incluiu voos de e para Pequim, a estadia, os guias e os vistos.

A experiência na Coreia do Norte

Viajou para a Coreia do Norte no dia 3 abril e quando lá chegou o processo foi "diferente do normal".

Tal como todos os outros turistas, teve de mostrar o telemóvel, para que as autoridades confirmassem que não tinha imagens duvidosas na galeria. Além disso, teve de dar o passaporte e as malas para que fossem revistadas.

"Demos os passaportes e revistaram as nossas malas, para ver se tínhamos alguma coisa de propaganda ou posters dos líderes", revelou.

Sobre ter ficado sem passaporte, o analista de investimentos diz que foi uma das coisas mais desconfortáveis da viagem.

"Foi um bocado desconfortável, porque gosto sempre de ter os documentos comigo, dá aquela sensação de segurança", contou João ao SAPO24.

Além disso, o mais desconfortável para João foi também o facto de ter andado sempre acompanhado por guias.

"Eram eles que escolhiam onde nós nos deslocávamos, por isso não era 100% como costumo fazer em outras viagens", revelou ainda.

Com João viajaram cerca de 100 pessoas, mas na maratona participaram cerca de 200, os outros participantes chegaram alguns dias depois.

À chegada, todos os participantes foram divididos em grupos de 20 pessoas. Cada grupo tinha o seu autocarro, cada um com cinco guias que os acompanharam em todos os segundos da viagem.

Nos dias antes da prova, João e outros participantes conheceram alguns marcos da cidade, como o Museu da Revolução Coreana e as estufas onde produzem vegetais.

Para João, um dos momentos mais impactantes da viagem foi quando visitou as estátuas dos líderes.

"Foi o dia em que tivemos de ir de calças, sem mostrar os ombros, e tivemos que levar um ramo de flores para mostrar respeito. Só podíamos tirar fotografias de corpo inteiro, não podíamos fazer zoom nem gozar com as fotografias", contou.

Reprodução Redes Sociais João Sousa Pinto

A ausência de trânsito e de Internet na cidade foi algo que também marcou João.

"É um país sem trânsito, isso chocou-me um bocado, quase ninguém deve ter carro. As pessoas também não têm acesso à Internet, existe um servidor privado onde aparecem notícias e podem fazer pesquisas que são controladas, existem aplicações próprias para ouvir música, para falarem uns com os outros, não há Instagram, nem WhatsApp, nada disso", explicou.

Além disso, o facto das pessoas não poderem sair do país também marcou o português.

"Isso marcou-me", mas "eles não têm consciência do que há cá fora, não sabem o que estão a perder". "A sensação que me dá é que eles gostam do país e querem lá estar", disse o desportista.

O que viu e viveu na Coreia do Norte surpreendeu João pela positiva.

"É uma cidade limpa, muito bem tratada e sem lixo no chão, com prédios modernos. Até os guias, que ao início tinham aquele aspeto militar, eram super acessíveis", afirmou.

Durante o tempo que esteve no país mais fechado do mundo, João não teve qualquer tipo de contacto com o exterior nem contactou o governo português.

"Os meus pais não sabiam, não os quis preocupar, mas havia quem soubesse e estava pronto para entrar em contacto com uma embaixada caso eu não dissesse nada até dia 9 de abril", confessou.
"É sempre arriscado, é ir para o desconhecido, mas correu tudo bem", acrescentou.

A maratona, "um evento único"

Apesar de ter uma rotina de treino regular em Portugal, João garante que não fez grande preparação para a prova porque na altura em que se inscreveu estava de férias.

Contudo, sabia que tinha fortes possibilidade de ficar nos primeiros lugares porque a maioria dos participantes não eram atletas profissionais, mas sim "'youtubers' e famosos", que tal como ele aproveitaram a maratona para conhecer o país.

"Sentia-me confiante e ficar em primeiro foi a cereja no topo do bolo", confessou o jovem português que acabou mesmo por vencer a prova de 10 quilómetros.

Na prova participaram pessoas de todo o mundo, sobretudo "russos e chineses". Para João o melhor da experiência foi a organização.

"Havia de tudo, comida europeia, massagem, piscina, banho turco, todas as condições", recordou.
"É um evento único, e acho que eles gostam de mostrar uma boa imagem do país. Como sabem que vão estrangeiros, esforçam-se ainda mais para tentar passar uma boa imagem".

Para o ano, caso abram as inscrições, João tenciona inscrever-se novamente.