
Num acórdão do Tribunal Constitucional de dia 17, a que a SIC teve acesso, sete juízes contra seis votaram pela inconstitucionalidade da norma da lei do Código Civil que prevê um prazo máximo de 10 anos, após a maioridade, para alguém avançar com uma ação de investigação da paternidade.
Este processo em concreto teve origem no caso de um homem, filho de pai incógnito, que foi a tribunal indicar a pessoa que, apenas em 2021, soube ser o seu verdadeiro progenitor. O presumível pai contestou a ação, mas foi obrigado a fazer um exame genético, cujo resultado foi peremptório: "Apurou-se probabilidade de o réu ser pai do autor de 99,999999999995%".
A primeira instância declarou a paternidade e ordenou o averbamento no registo de nascimento. Mas a decisão seria revogada pelo Tribunal da Relação de Évora, que entendeu que o autor da ação tinha, afinal, tido conhecimento da paternidade em data incerta - mas entre 2014 e 2015, altura em que já estava ultrapassado o prazo especial de caducidade, fixado no Código Civil.
Chegado ao Supremo, o processo deu mais uma reviravolta. Num acórdão de 30 de outubro de 2023, um coletivo presidido pela conselheira Maria Clara Sottomayor arrasou a imposição de prazos.
"A pessoa humana, à luz dos valores da Constituição, deve ter o direito de, em qualquer momento da sua vida, questionar o Estado sobre quem é e quem são os seus progenitores biológicos. Os motivos que teve para só numa fase tardia da vida intentar a ação de investigação da paternidade dizem respeito ao seu foro íntimo e estão relacionados com a sua história e a dos seus pais biológicos. Por dizerem respeito à dignidade mais profunda do ser humano – o direito a saber quem é e de onde veio – o Estado não tem legitimidade para avaliar e hierarquizar estes motivos em função do decurso do tempo (ou de qualquer outro critério), fixando um prazo para o exercício do direito da ação de investigação da paternidade."
O Tribunal Constitucional e o argumento do avanço da ciência
O Supremo fez ressuscitar o acórdão de primeira instância, contudo, a história não acabaria aqui. O Ministério Público do Supremo recorreu para o Tribunal Constitucional, mas, no Palácio Ratton, o procurador-geral adjunto tinha afinal um entendimento completamente oposto ao do colega.
"As ações de investigação da paternidade devem poder ser instauradas a todo o tempo, sendo constitucionalmente ilegítima qualquer limitação temporal para o exercício destes direitos" , entendeu Luís Eloy , p rocurador- g eral a djunto do Tribunal Constitucional .
A tese já tinha sido acolhida em janeiro, numa decisão de uma secção do TC, e recolheu agora a maioria entre os 13 juízes, quando o caso chegou ao plenário.
O avanço da ciência e dos testes de ADN é uma das principais razões para o Tribunal deixar cair os argumentos que existiam a favor dos prazos.
"Os interesses tradicionalmente apontados para a existência de prazos de caducidade claudicam, hoje, desde logo, e em primeiro lugar, porque os meios de prova ao dispor se apresentam como fiáveis e duradouros", é referido no acórdão do TC, com a data de 17 de junho de 2025.
"Não se pode, igualmente, argumentar que, através de tal prazo de caducidade, se proteja o investigado, assim como a sua família, de interesses oportunistas pois que (...) não é pelo decurso do tempo que diminui ou aumenta uma tal eventual motivação, antes pelo contrário , imbuídos que estejam por interesses mais imediatos, não serão estes que deixarão, certamente, passar prazos de caducidade; estarão mais atentos " , lê-se ainda.
Este acórdão do Tribunal Constitucional não terá consequência direta no caso de Andrew Salgueiro Maia, mas dá uma esperança ao luso-americano.
A decisão pode ser decisiva para o Parlamento fazer uma alteração à lei e abre assim caminho para que Andrew volte a pedir à Justiça que reconheça, finalmente, que é filho de Salgueiro Maia.