Mais de 100 militantes do Bloco de Esquerda (BE) do distrito de Santarém anunciaram esta quinta-feira a sua desvinculação do partido. Numa carta enviada ao Expresso, os subscritores protestam contra a atual direção, que "nunca assume a responsabilidade pelas sucessivas derrotas eleitorais", e lamentam que o partido se tenha afastado, após a geringonça, "da opção de construir um forte polo à esquerda, alternativo ao rotativismo do bloco central".

Os subscritores acusam ainda a direção de deslizar "placidamente para o velho centralismo democrático, castrador e sem democracia", e de tratar trabalhadores do partido com "práticas que envergonhariam muitos patrões", acrescentando que "o caso das aleitantes não é único", sem avançarem com detalhes.

Os militantes subscritores deploram os efeitos que os anos de geringonça deixaram no BE, nomeadamente através da aproximação ao Partido Socialista: "o Bloco de Esquerda há muito se afastou da opção de construir um forte polo à esquerda, alternativo ao rotativismo do bloco central. A geringonça, uma opção adequada numa conjuntura específica, impregnou irremediavelmente a linha estratégica do BE. As propostas políticas são sistemática e convenientemente buriladas, quando não metidas na gaveta, na esperança de virem a ser aceites pelo PS".

"A afirmação da luta dos trabalhadores como fundamental em qualquer transformação de fundo foi substituída por agendas identitárias e parciais, importantes sem dúvida, mas de limitado alcance. A afirmação de um projeto global alternativo de sociedade foi substituída por cadernos reivindicativos parcelares aceitáveis", acrescentam.

A carta acusa a liderança do BE de desencadear, "para não enfrentar as suas responsabilidades, um processo de progressiva centralização das decisões, afastando vozes incómodas ou não controladas pelo aparelho. A diversidade do BE, outrora vista como uma riqueza, hoje é encarada como uma ameaça. Quem não pertencer a um dos dois grupos dominantes do Partido (TEA e RAC) é sistematicamente excluído de lugares elegíveis para deputados nacionais e europeus, autarcas, intervenções em atos públicos".

"A escolha dos candidatos a deputados pelo distrito, estatutariamente da competência das Assembleia Distrital, só é acatada quando o escolhido é de um dos grupos que dominam o partido; a constituição de núcleos é ferreamente controlada pelo aparelho; órgãos estatutários, como a Comissão Política são esvaziados por órgãos não estatutários, como o Secretariado Nacional; a distribuição de recursos e funcionários pelas organizações distritais depende da fidelidade ao centro único e à “linha oficial”; o apoio a iniciativas de núcleos depende de serem ou não “fiéis” ao pequeno núcleo central; propostas de iniciativas da Distrital de Santarém são deixadas sem resposta", elencam.

Ainda, chamam a atenção para o facto de "funcionários do partido [serem] vítimas de práticas que envergonhariam muitos patrões (o caso das aleitantes não é único); quadros com provas dadas são destratados pela intriga de corredor. Quando tal não basta, recorre-se a insinuação difamatória ou inventa-se um processo disciplinar interno, como o que visa a concelhia de Salvaterra de Magos, encarada como obstáculo ao domínio da estrutura distrital do Bloco de Esquerda".

"Apesar disto, durante anos, fomos defendendo a unidade na diversidade, traço matricial do BE, e propondo alternativas políticas que evitassem o colapso crescente. Infelizmente, chegámos a um ponto em que consideramos definitivamente bloqueado qualquer esforço regenerador. Por isso saímos", concluem.