
A agitação, na Casa Branca, a cerca de 500 metros das portagens da Maputo da N4, principal estrada que liga à fronteira de Ressano Garcia, com a África do Sul, começou pela manhã, com populares a assinalar, na rua, o denominado "Dia dos Verdadeiros Heróis do Povo Moçambicano", instituído unilateralmente pelo ex-candidato Venâncio Mondlane.
No local, populares relataram que a polícia entrou no bairro, junto à N4, durante a manhã, baleando mortalmente na cabeça um dos jovens, lançando gás lacrimogéneo e disparando vários tiros.
"É um feriado normal, ninguém fechou a estrada. De repente aparece o Conselho Municipal e a UIR, começam a disparar sem perguntar nada", descreveu um dos jovens, de máscara, protegendo-se do gás lançado pouco antes e garantindo que estavam na rua a limpar e a festejar o denominado "Dia dos Verdadeiros Heróis do Povo Moçambicano".
Outro jovem explicou que o colega "não estava a fazer nada" e foi atingido a tiro "a sair de casa", o que provocou a revolta dentro do bairro, que rapidamente passou para a N4, arremessando pedras contra viaturas, incluindo da polícia, e mais tarde tentando vandalizar um espaço comercial, que levou a nova intervenção policial.
"Eles [polícia] deram logo um tiro na cabeça, a sair, sem perguntar (...) Nós não fizemos nada", garantiu o jovem.
Cerca das 11:30 locais (09:30 em Lisboa), um grupo de jovens carregou o corpo da vítima mortal para o separador central da N4, cortando a espaços o trânsito no local, com elementos da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) da polícia moçambicana a realizar por várias vezes disparos de gás lacrimogéneo e tiro real, tentando, sem sucesso, desmobilizar o protesto e recolher o corpo.
Ao fim de uma hora de tensão, a intervenção policial conseguiu afastar os jovens do corpo da vítima, que foi rapidamente removida por elementos do Serviço Nacional de Investigação Criminal (Sernic), apesar da resistência dos populares.
O ex-candidato presidencial Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados das eleições gerais de 09 de outubro, apelou para o país parar hoje, designando 18 de março como o "Dia dos Verdadeiros Heróis do Povo Moçambicano".
Este apelo levou muitos a encarar o dia de hoje como feriado, com a cidade de Maputo com um reduzido movimento, anormal para uma terça-feira, enquanto em alguns bairros periféricos a circulação está condicionada, com algumas manifestações e agitação social.
No dia 18 de março de 2023, agentes da polícia moçambicana alegaram ter "ordens superiores", nunca esclarecidas, para dispersar grupos que pretendiam realizar marchas pacíficas, em vários pontos do país, em homenagem ao 'rapper' de intervenção social Azagaia, que tinha morrido uma semana antes.
Centenas de pessoas também se concentraram hoje no cemitério de Michafutene, recordando nomeadamente Azagaia e Elvino Dias -- ambos sepultados no local -, este último conhecido como "advogado do povo", baleado com vários tiros na noite de 18 de outubro de 2024, em Maputo.
Elvino Dias era então assessor jurídico de Venâncio Mondlane e no mesmo carro atingido por desconhecidos seguia ainda Paulo Guambe, mandatário do Podemos, partido que apoiava aquele candidato presidencial, também atingido mortalmente.
Este crime continua por esclarecer pela polícia e marcou o início da violência pós-eleitoral que ainda se regista em Moçambique e que já provocou praticamente 400 mortos, segundo organizações não-governamentais.
Edson da Luz (Azagaia), Elvino Dias e Paulo Guambe integram a lista de 14 pessoas que Venâncio Mondlane defende como "heróis nacionais", tal como os históricos da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder) Eduardo Mondlane e Samora Machel, mas também Carlos Cardoso, José Craveirinha ou o fundador da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) Afonso Dhlakama.
PVJ // VM
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