O tema divide opiniões. Ainda que os rótulos de garrafas já alertem sobre os efeitos nocivos do álcool, as autoridades de saúde dos Estados Unidos querem ir mais longe e, por isso, o cirurgião-geral, Vivek Murthy propôs que passem, também, a incluir alertas para o perigo de desenvolver cancro à semelhança dos maços de tabaco.
Com esta alteração, o assunto volta a estar em cima da mesa. A proposta já foi lançada e espera, agora, aprovação do congresso para avançar, mas parece estar a reunir reações positivas dentro do meio científico.
“É de loucos que haja muito mais informações numa lata de ervilhas do que numa garrafa de uísque. (...) Os consumidores têm o direito a informações básicas sobre riscos à saúde, tamanho da porção e bebidas por recipiente”, diz Timothy Naimi, diretor do Instituto Canadiano de Pesquisa de Uso de Substâncias citado pela AP.
Segundo o relatório de Vivek Murthy “o álcool é uma causa relacionada e evitável de cancro, responsável por cerca de cem mil casos de cancro e vinte mil mortes anualmente nos Estados Unidos, mais do que as 13.500 mortes por acidente de viação associadas ao consumo de álcool por ano nos EUA, mas a maioria dos norte-americanos desconhece esse risco”.
“O consumo de álcool é muito comum. Em 2019-2020, 72% dos adultos dos EUA relataram que consumiram uma ou mais bebidas por semana, mas menos de metade dos adultos dos EUA estão conscientes da relação entre o consumo de álcool e o risco de cancro”, pode ler-se no relatório.
Ao longo dos anos, há quem tenha defendido que o consumo de álcool promova a saúde cardiovascular. “A relação direta entre o consumo de álcool e o cancro foi estabelecida pela primeira vez no final da década de 1980, e as provas desta relação têm-se reforçado ao longo do tempo”.
"Este conjunto de provas científicas demonstra uma relação causal entre o consumo de álcool e o aumento do risco de, pelo menos, sete tipos diferentes de cancro (...) Quanto mais álcool for consumido, maior é o risco de cancro”, explica o autor do relatório.
As opiniões pelo mundo
Se a medida for implementada, os Estados Unidos não seriam os primeiros a impor a rotulagem específica nas garrafas. O mesmo vai ser feito na Irlanda e a medida vai entrar em vigor a 22 de maio de 2026 para que o mercado tenha tempo de se adaptar.
Uma decisão que foi aprovada pela União Europeia, mas que levantou várias contestações. No início de 2023, Portugal foi um dos nove países que se opôs à decisão.
“Portugal já tomou uma posição pública, sendo contra aquilo que a Irlanda está a propor. Não faz sentido fazer esse nível de especulação através da rotulagem, disse Maria do Céu Antunes, na altura ministra da Agricultura, cita o Jornal Público num artigo publicado a 30 de janeiro de 2023.
Quais os perigos para a saúde?
O álcool é uma das principais causas do cancro, podendo afetar, principalmente, a boca, o esófago, a garganta, o fígado, o intestino e a mama. No corpo, desenvolve-se numa substância chamada acetaldeído, que pode danificar as células e impedi-las de se repararem, o que cria condições para o cancro se desenvolver.
"O consumo de qualquer quantidade de álcool aumenta o risco de cancro. Quanto mais álcool consumir, mais elevado será o risco de contrair cancro. Reduzir o consumo de álcool ou — ainda melhor — evitar o álcool completamente ajudá-lo-á a reduzir o risco de cancro”, pode ler-se no site da Agência Internacional de pesquisa do cancro.
E, segundo a agência internacional, pode desenvolver-se de diferentes formas:
- No corpo, o álcool etílico transforma-se numa substância química chamada acetaldeído.
- O álcool danifica as células do fígado e causa uma cirrose hepática, o que aumenta a possibilidade de desenvolver cancro no fígado.
- Álcool aumenta os níveis de algumas hormonas, tais como o estrogénio, que aumenta o risco de cancro na mama.
Orientações internacionais estabelecem que o limite recomendável deverá ser de uma bebida-padrão (ou seja 10 a 12 gramas de álcool puro) por dia para as mulheres e duas para os homens. Quantidades superiores podem causar lesões.
"Deixar de consumir álcool, ou cortar drasticamente no seu consumo, levará a uma redução do risco de desenvolver cancro a longo prazo, podendo, no entanto, não eliminar completamente essa possibilidade, consoante a sua exposição ao álcool ao longo da vida. Além disso, levará também a uma redução dos outros danos causados pelo consumo de álcool " , alerta a instituição.
No entanto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) pediu aos Governo para não dizerem que há doses diárias ou mínimas recomendadas, uma vez que nenhuma quantidade é segura.
Risco estende-se a outras doenças
O consumo de álcool pode provocar, também, outro tipo de doenças tais “acidentes vasculares cerebrais e insuficiência cardíaca, problemas mentais e comportamentais, incluindo depressão, violência e perda de memória; doença mental, leucemia em crianças cujas mães consumiram bebidas alcoólicas durante a gravidez e doença hepática alcoólica”.
"Quanto mais álcool ingerir, maior será o risco. Além disso, o consumo de álcool é perigoso quando conjugado com a condução de veículos ou a prática de atividades de lazer e/ou profissionais que requeiram um elevado nível de concentração. O álcool deve ainda ser evitado durante a gravidez e a amamentação, podendo ser igualmente nocivo em combinação com certos medicamentos”, alerta a instituição.