Nomeado cardeal por Francisco, o bispo de Setúbal tem estado nas congregações gerais, reuniões de cardeais, que antecedem o conclave e, no intervalo, procura preparar-se para a reunião eleitoral do sucessor do Papa, que morreu na passada segunda-feira.

"Começaram essas reuniões, começaram a chegar os cardeais de todo o mundo", mas "nós não nos conhecemos, conhecemos umas dezenas deles, 20 ou 30", mas, "a partir daí, ninguém conhece ninguém, o que é bom e que é mau", explicou, em entrevista à Lusa.

"É bom, porque somos todos mais ou menos anónimos", mas também existe um "sentimento de medo, de receio, de pequenez, quanto mais se aproxima a data" do conclave, admitiu.

E o sentimento de orgulho de ser cardeal desaparece, reconheceu em entrevista à Lusa, a última antes de se remeter ao silêncio.

"Não é falsa humildade é medo", porque está em causa a "consciência da responsabilidade e do peso" da escolha de um sucessor do Papa.

"Quanto temos a possibilidade de estar mais ou menos informados, para além daquilo que é a realidade do nosso país, a realidade daqueles com quem nos relacionamos" e "vemos o que o mundo está a viver", percebe-se "o quanto é pesada essa responsabilidade, porque a figura do Papa Francisco era até à data a figura sobrante", naquilo que classificou como uma das poucas "vozes encantatórias" que eram "ouvidas transversalmente".

"Acredito que a partir que a porta [do conclave] se fecha, o Espírito Santo" será "essencial", disse Américo Aguiar, esperando que a "palavra-chave" desse "wi-fi" seja "fácil de descobrir" pelos cardeais.

Até lá, "o que nos é oferecido são estas reuniões diárias que temos todos uns com os outros, e oração", mas "eu tenho aproveitado para andar a circular por aqui, na Basílica, na Praça com estas multidões", para procurar entender "o cheiro das ovelhas, o cheiro da humanidade".

Muitas vezes, o cardeal procura ouvir o que os grupos falam entre si. "Tentar ouvir o que é que as pessoas falam, ouvir as expectativas das pessoas é muito bonito", no seguimento do exemplo do Papa que passeava por São Pedro, procurando assim mostrar "disponibilidade para ouvir junto de irmãos e irmãs, independentemente do seu credo, da sua religião, da sua proveniência".

Sobre o que vai fazer no conclave, Américo Aguiar prefere não comentar. "No primeiro dia em que participei, fiz juramento e assinei um documento que dizia que não me pronunciava absolutamente nada sobre as congregações ou o conclave", disse Américo Aguiar, que não se imagina a discursar da varanda, eleito Papa.

"Não, absolutamente", porque o eleito deve ser alguém que tenha "poder e peso" que não cabe à sua geração, afirmou o cardeal de 51 anos, embora salientando que a decisão caberá sempre ao que considera ser a inspiração divina.

À "queima-roupa, entendo que deva ser alguém que tenha mais quilómetros, mais rodagem, mais perceção da geopolítica mundial e tudo isso", mas "se o Espírito Santo apontar para o cardeal australiano, que tem 44 anos", então "será ele", exemplificou.

Já sobre o futuro da Igreja e o caminho de mudança introduzido por Francisco, Américo Aguiar tem mais certezas: o "Espírito Santo não tem marcha atrás".

Entretanto, o tempo é de luto.

"Todos nós, e os portugueses de modo geral, certamente vamo-nos habituando dentro do que é possível à partida do Papa Francisco" e a "tristeza vai-se transformando em saudade", acrescentou.

PJA // PSC

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