As investigações sobre que empresas poderão estar por trás da explosão de pagers no Líbano, que vitimou mortalmente pelo menos 12 pessoas e feriu outras 2700, estão a trazer novos detalhes sobre o caso. As pistas começaram por apontar para uma empresa sediada em Taiwan, depois para uma da Hungria e, mais tarde, para outra da Bulgária. Mas, segundo o The New York Times (NYT), foi Israel quem produziu e distribuiu os dispositivos.

A investigação preliminar da organização política Hezbollah alegou, segundo noticiou o Financial Times (FT), que os espiões israelitas, de alguma forma, desviaram uma entrega de pagers destinada ao Líbano, embalaram-nos com uma pequena carga de explosivos e fizeram com que os mesmos explodissem quase em simultâneo. “É algo que pode ser feito, e já foi feito, por Israel, mas nunca a esta escala”, referiu uma das fontes ao jornal britânico.

Os dispositivos possuíam um autocolante na parte traseira que identificava uma empresa com sede em Taiwan - a Gold Apollo, fundada e liderada pelo empresário Hsu Ching-Kuang. Em poucas horas, o presidente da empresa e os seus funcionários foram confrontados com uma série de questões por parte da comunicação social, tendo um dos diretores de vendas dito ao FT que a Gold Apollo vendia há anos para o Líbano.

Pouco depois, a empresa taiwanesa afirmou que o modelo de pagers utilizado nas explosões do Líbano foi, afinal, fabricado por uma outra empresa, a BAC Consulting, sediada em Budapeste, na Hungria. De acordo com a Gold Apollo, existia um acordo de licenciamento de longa data entre ambas as empresas, o que permitia à BAC fabricar e vender os pagers em determinadas regiões, mas sob a marca e a designação comercial “Gold Apollo”. “O produto não era nosso. Só que tinha a nossa marca”, disse Hsu Ching-Kuang aos jornalistas, segundo noticiou a Reuters. De acordo com a agência britânica, Hsu disse, anteriormente, que já tinha havido problemas com as remessas da empresa húngara, acrescentando que os pagamentos eram feitos através do Médio Oriente.

Os registos da BAC Consulting revelaram que a empresa foi criada em maio de 2022 pela empresária Cristiana Rosaria Bársony-Arcidiacono e que, em 2023, havia gerado receitas na ordem dos 800 mil dólares (717,5 mil euros ao câmbio atual). Questionada sobre o envolvimento da BAC neste caso, Cristina respondeu que a empresa funcionava apenas como um elo de ligação na cadeia de distribuição dos dispositivos. “Não sou eu que faço os pagers. Sou apenas uma intermediária. Acho que perceberam mal”, afirmou à NBC News.

Esta quarta-feira, o órgão de comunicação húngaro Telex avançou que a diretora-geral da BAC estaria ligada a uma empresa búlgara, a Norta Global Ltd, com sede em Sófia. Segundo as informações recolhidas pelo site de notícias em questão, foi esta empresa búlgara, e não a BAC Consulting, quem importou os pagers de Taiwan e os vendeu ao Hezbollah. “As autoridades húngaras verificaram que a empresa em causa [a BAC] é uma empresa intermediária, não tem instalações de fabrico ou produção na Hungria, tem um diretor no endereço indicado e os aparelhos em questão nunca estiveram na Hungria”, esclareceu Zoltán Kovács, secretário de Estado para Diplomacia e Relações Públicas da Hungria, citado pelo Telex.

Israel por trás de todo o processo

Segundo noticiou o The New York Times, a ofensiva israelita começou muito antes de o Hezbollah ter decidido alargar a sua utilização de pagers. Três funcionários dos serviços secretos conhecedores da operação contaram ao órgão de comunicação norte-americano que Israel criou, pelo menos, duas empresas de fachada, de forma a esconder as verdadeiras entidades por trás da criação dos dispositivos: os oficiais dos serviços secretos israelitas. A BAC Consulting terá sido uma delas.

A empresa em questão aceitou vários clientes, para os quais produziu uma série de pagers, mas o único cliente que realmente importava era o Hezbollah. Produzidos em separado, estes dispositivos continham baterias com o explosivo PETN (um dos mais potentes), avançou o NYT.

Os pagers começaram a ser enviados para o Líbano no verão de 2022 em pequenas quantidades, mas rapidamente a exportação começou a aumentar, especialmente depois de Hassan Nasrallah, o secretário-geral do Hezbollah, ter denunciado que Israel havia adquirido novos meios para rastrear telemóveis, acabando por substituí-los pelos pagers.

Aquilo que para o Hezbollah era uma forma de defesa, para Israel era uma maneira de ter o inimigo sempre controlado, à distância de um “botão”.

De acordo com o que o NYT apurou, para desencadear as explosões, Israel ativou os pagers, enviando-lhes uma mensagem em árabe, semelhante às enviadas pelos altos dirigentes do Hezbollah. A informação ainda não foi confirmada por nenhuma autoridade.

Ao jornal britânico Independent, um dos funcionários da organização política xiita referiu que a detonação dos pagers foi a “maior falha de segurança” de que o grupo foi alvo em quase um ano de guerra com Israel.

Em resposta ao ataque, Nasrallah descreveu as explosões levadas a cabo através dos pagers como um possível “ato de guerra” e alertou que Israel vai enfrentar uma “retribuição dura e punição justa, onde espera e onde não espera”. “A frente libanesa não irá parar até que a agressão em Gaza termine”, avisou.