
"Com este nome, se eu me portar mal, toda a gente sabe que fui eu." O nome de batismo, Amândio Rui Machado dos Santos, não é para aqui chamado; é, sim, aquele que se lhe colou à pele aos 6 anos, à entrada para o Colégio de Ermesinde - Santa Rita. E a verdade é que ser reconhecido nunca o impediu de fazer nada, fosse levar até ao fim a teimosia de correr num Porsche 911 que não tinha como comprar ou encontrar forma de ajudar quem encontrasse em posições de fragilidade.
É Mex, no máximo, Mex Machado. É assim que todos lhe chamam desde que se juntou na escola ao irmão, uma década mais velho, tratado este pela primeira metade do nome da empresa do pai, a Intramex - Indústria Transformadora de Madeiras Exóticas. O próprio contribuiu para assim se celebrizar entre os colegas, a quem levava frequentemente material do escritório do pai e camisolas do Paços de Ferreira, a que presidira ("sempre com autorização dele"), para conquistar amigos num ambiente que lhe era hostil — "a criança mais nova ali, depois de mim, era um miúdo com 12 anos", conta. E a paixão que desde os primeiros anos desenvolveu pelos carros faria o resto, afirmando-se Mex, piloto de rally, aventureiro e inconformado, disposto a quebrar todas as convenções para fazer vingar a ambição e a visão que tinha para o desporto motorizado, observando o mundo para criar oportunidades de negócio originais a partir das necessidades das pessoas em volta, como fez com a Itoorer e agora com a Wisem, ou dedicando-se a ajudar crianças desfavorecidas pela sorte, como faz na associação Por Ti, que fundou por espírito de missão.
Vai perdendo alguma reserva, natural para quem conta a sua história a quem há cinco minutos nem conhecia, conforme se entusiasma com os episódios que o fazem viajar no tempo e envergonha-se do que pode ser tomado por vaidade, baixa o olhar e a voz, ainda que tenha orgulho no que foi capaz de conquistar. Tinha apenas 21 anos quando se mudou de armas e bagagens para Inglaterra, para se formar em Engenharia Mecânica na Kingston University. "Fiz ótimos relacionamentos e aprendi imenso porque o curso tinha parte teórica e prática: sei montar e desmontar automóveis, programar linhas de montagem, tudo isso. Não fui para brincar, fui precisamente porque aqui estavam sempre a chamar-me para programas e festas, e eu queria concentrar-me nos estudos", explica, como se o empenho que lhe rendeu lugar entre os melhores do curso, acumulado com a aprendizagem de Inglês e uma formação paralela em Marketing à noite não fossem prova suficiente.

A paixão dos carros já vinha de antes. O pai trabalhava com madeiras exóticas e quando o levava para a fábrica ele ficava no carro a ler as histórias de Michel Vaillant e a imaginar-se piloto. Porque o pai também passava muito tempo fora, quando aqui estava havia tradições que não dispensava em família e uma das preferidas do filho era assistir religiosamente, em julho, às corridas de Vila do Conde. E ainda pequeno Mex deu por ele a pensar que não estava certo que não o deixassem passar para conhecer os pilotos e tocar nos carros. Essa injustiça, viria a corrigi-la mal pôde, abrindo a Assistência da sua equipa de rally a quem quisesse ter ao menos parte da experiência. Mas isso foi mais tarde.
O desenho do percurso
Acabado de cumprir um quarto de século, de volta a Portugal, passaria por um emprego na C. Santos — "os clientes vinham sempre chateados, iam ali tratar de arranjos ou avarias..." —, até que um amigo o apontou à Sports&You, muito mais à medida dos seus gostos, desde logo porque ali poderia organizar competições. Os olhos brilham-lhe com a recordação dessa primeira oportunidade: "Ali já se organizava campeonatos da BMW Euro Series, era uma logística enorme pela Europa, com cinco camiões, 22 Fórmulas... E tinha grandes nomes a correr connosco, como o Martin Tomczyk, campeão de DTM, e o Nico Rosberg, que depois foi para a F1. O pai dele chegou a dar-nos os parabéns pela organização", entusiasma-se. Passou ainda pelo lugar de diretor desportivo da Vodafone-Castrol Team, com Pedro Matos Chaves, chegando à marca de bicampeões nacionais em 1999 e 20000, antes de ser convidado para responsável europeu da Fundação Luís Figo.
Porque talento não lhe faltava, daí seguiu, convidado, para ponta-de-lança da Motorsport, onde trabalhou com outros pilotos, mas o ritmo era demasiado intenso e ao fim de 34 fins de semana seguidos a trabalhar, falhando aniversários, casamentos de amigos e todas as demais datas importantes, fazia-lhe falta normalidade na vida. O destino, personalizado num head hunter, respondeu à chamada e levou-o à empresa que o fixou durante uma década — que incluiu dois filhos nascidos com dois anos de diferença, o casamento e as experiências de piloto — para a qual ainda só tem elogios. "A Carglass é uma empresa espetacular", resume, a justificar os quatro anos passados aos comandos locais, seguidos de outros tantos no Brasil e mais um em Espanha. E talvez tivesse ficado até hoje, tinha até já desenhada a nova rota, que o levaria à Argentina, mas os laços familiares falariam mais alto. Com a mãe diagnosticada com Alzheimer e o pai condenado por um cancro, não poderia afastar-se, não conseguiria deixar de lhes prestar assistência.

Perdeu ambos em ano e meio, como perdeu o rasto a muitos amigos quando essa amputação o levou à depressão — "parecia que tinha o telemóvel avariado... simplesmente não tocava" — mas como sempre, fez-se à vida. Em lugar de procurar emprego, decidiu arriscar num negócio que vira explodir na China e no qual via potencial, adaptado aos hábitos ocidentais. "Era uma empresa que punha telemóveis nos hotéis, disponibilizando aos hóspedes um serviço fechado e gratuito, com dados ilimitados e recomendações para os clientes", explica. Uma consulta ao mercado deixou claro que não seria pela hotelaria que a fórmula teria sucesso, mas podia funcionar com as rent-a-car.
"Tanto eu, que tinha vivido no Brasil, como o meu sócio, que tinha estado em Angola, tínhamos essa experiência: o roaming era caríssimo, nunca sabíamos onde ir, que restaurantes e serviços eram bons e o GPS fazia sempre falta. Então criámos uma app fechada, desenhada para as rent-a-car, que tinha dentro hotspot até cinco aparelhos, chamadas ilimitadas via VOIP, sugestões de restaurantes, hotéis, cabeleireiros, etc., com rating e indicações de como chegar, contactos úteis, como embaixadas e serviços de assistência por perda de passaporte, e íamos acrescentando com o feedback dos clientes." Conseguiram implementar a app na Sixt Portugal, depois na Hertz Espanha, Europa e EUA. O sucesso foi instantâneo: dos 50 telefones iniciais, subiram para 400 e logo para 25 mil, com um investimento de 1 milhão de euros.
Estava tudo a correr sobre rodas quando veio a covid e tudo congelou. Passada a pandemia, o negócio retomou, mas Mex e o sócio tinham visões distintas para o futuro e estar alavancado em crédito era coisa que não lhe agradava, por isso escolheu sair e tornar a recomeçar, com uma ideia nova e um novo parceiro, Diogo Pinto de Sousa, que ajudara a desenvolver a Itoorer e a quem se juntava agora para construir um serviço de marketing por whatsapp para empresas. "No Brasil, o Whatsapp (WA) já funciona muito em campanhas mas aqui ainda se envia 17 mil milhões de SMS por ano", explica, com o conhecimento de quem não se limita a ter ideias, antes estuda a fundo os temas se neles vê potencial de negócio, de novo com inspiração chinesa. "Mas o SMS tem limitações que o Whatsapp não tem: num só pode ter 159 caracteres por mensagem, enquanto o outro permite 4 mil; um precisa de enviar links, no outro pode enviar todo o tipo de anexos, vídeos, inquéritos de satisfação, etc.; além do que o whatsapp tem taxas de abertura incomparáveis e até os mais velhos já o usam. Isto dá para tudo."
A convicção é comprovada pelo crescimento que a Wisem tem tido num par de anos, estando já a trabalhar soluções que permitem desde fazer contratos de fornecimento de energia a marcar consultas e exames médicos, mas também, por exemplo, encomendar comida enquanto faz compras no shopping e ser notificado quando for hora de levantar o pedido, pagar a água quando os serviços já fecharam ou o parquímetro com simples geração de um QR Code. Tudo por whatsapp, tudo sem necessidade de instalar uma dúzia de apps, tudo com respeito absoluto pelo cumprimento do RGPD. E depois (na verdade, antes) há todo o potencial desta ferramenta de marketing, que já garantiu parcerias com gigantes como a TAP (divulga vantagens, programas stopover, etc.), a Lufthansa (sistema de upgrade, apoio a quem perde voos...), a MEO (ferramenta de marketing dirigida a PME), a americana Powerfront, a Aquapor, a e-Park... A plataforma está até a conquistar as cidades, abrindo uma via fluida de comunicação entre as autarquias e os munícipes.
Uma vida a correr
Inconformado talvez seja a palavra que melhor define Mex Machado e o que melhor justifica as suas conquistas, a par da atenção ao que o rodeia e da vontade de ajudar a mudar o que vê que não está certo. Por isso não se deu por vencido quando a vida profissional não o levou a um volante de corrida nem se limitou a lamentar a distância que as equipas de rally tinham dos fãs. "As pessoas mostram-nos o que está errado; digo-o muitas vezes aos autarcas que vou conhecendo: se há um caminho marcado num jardim que foge às passadeiras é porque a passadeira não está onde as pessoas a querem."
Quanto a ele, se quer algo, faz por conseguir, mesmo que reconheça alguma loucura nas ideias que foi tendo. Como quando se aventurou pelo mundo das corridas, em que esteve 12 anos, boa parte deles a acumular com a carreira na Carglass e a organização de rallies. "Eu tinha 24 anos e não tinha dinheiro para correr, porque o meu pai sempre se recusou a pagar-me loucuras (risos), por isso tentei a sorte num concurso da Auto Hoje." Convencido por um amigo, pagou os 150 euros de candidatura e fez os testes e quando lhe ligaram a dizer que tinha passado à segunda fase desligou o telefone porque achou ser brincadeira. Por sorte mútua, insistiram na chamada e Mex acabou por se destacar entre os 300 concorrentes e ser o feliz contemplado com um ano de patrocínio ao volante do Peugeot 106 Kit Car que Joana Lemos antes guiara. "Era espetacular", recorda com a memória desse tempo a trazer-lhe mais luz aos olhos. Logo na estreia, ia em 3.º lugar quando se despistou numa curva, entre o óleo e a areia. Mas Mex não desiste, insiste, e a inexperiência cura-se com a prática, por isso persistiu e conseguiu dois segundos lugares e uma vitória num rally, resultados que lhe valeram, ainda a meio da época, o patrocínio do grupo M. Coutinho.
Sempre crítico dos bloqueios que impunham a quem ia assistir às corridas, acabou por ser desafiado a promover o Campeonato Open de Ralis em Portugal e quase duplicou participação e notoriedade, mas foi na primeira divisão, em que competia, que levou a sua forma de fazer as coisas a bom porto, montando toda a operação a solo. Na Assistência da sua equipa, não havia baias a manter as pessoas afastadas, antes incentivos a que o visitassem no local onde o carro era preparado nas corridas. Havia sofás, um painel de televisões para acompanhar toda a ação em direto, simuladores, minicampos de futebol e de ténis, DJ e até uma app para o público ganhar prémios. E ainda convidava quem viesse a entrar e tirar fotos no seu carro. Live the moment era o seu slogan e permitir a todos viver um bocadinho daquela emoção que sentia era a missão que concretizava com a ajuda da McDonald's e da MEO.
Quando o grupo M. Coutinho teve de deixar cair o patrocínio para se concentrar nos negócios, em lugar de desanimar, viu o momento certo para dar o salto e atirar-se à possibilidade de correr no carro dos seus sonhos: um Porsche 911 GT3 nova geração que obrigou a Federação a abrir uma nova classe de competição, acabando por atrair outros modelos Grand Turismo, como um Aston Martin e um Alpine. Sem ter dinheiro para financiar o sonho, partilhou o plano com Filipe Garcia na festa da Comunhão do filho: encontraria um patrocinador para comprar o carro, a quem daria em troca 50% do espaço; depois financiava ele a preparação para os rallies garantindo um valor final seguro de 80/90 mil euros, que implicaria que o patrocinador só pagaria a diferença entre esse valor e os 150 mil de custo do automóvel. "Ele ouviu e quando eu me calei disse-me que avançasse, que ele seria meu financiador", conta. "Isto foi sábado e na segunda-feira já eu estava na Holanda para o comprar."

Dois meses antes da pandemia, Mex ainda resolveu arranjar outro Porsche, esse para conduzir exclusivamente em terra, ao qual fez toda a assistência como queria: "Tinha 500 cavalos e tração só atrás. Aquilo nunca andava a direito!", recorda a rir.
Porque o destino tem destas coisas, foi o primeiro Porsche que o conduziu à mulher. Ele estava separado daquela que fora a sua primeira paixão, aos 6 anos, que reencontrara aos 16 e com quem já depois dos 30 teve os filhos, Duarte e David (hoje com 18 e 16 anos). E jurava que não queria saber mais de amores, só dos filhos e dos carros. Patrícia provou-lhe que essas são promessas vãs: impressionou-o logo que a viu na Porsche Braga, que o patrocinava no segundo ano de competição, deixou-o de queixo caído quando tornou a vê-la um ano depois, numa corrida em Vila Verde que terminara com tanta margem que ainda serviu ao público um pião antes de chegar à meta (que ela filmou na primeira fila), e quando uma amiga comum esclareceu que ambos estavam solteiros, foram jantar, acabaram por casar-se e em 14 anos nunca mais se largaram.
Cumprir uma missão
À distância dos agora 52 anos, Mex reconhece como o moldaram os tempos longínquos em que era apenas o filho de um empresário de Paços de Ferreira, mãe de Paredes, que por quererem o melhor para os filhos lhes deram a educação de um colégio interno no qual, para ligar para casa, tinha de levar ao padre uma requisição, sempre recebida com um esgar de incompreensão. O colégio fê-lo detestar estar em casa ("tenho alergia ao sofá") e nem poder ouvir o Oceano Pacífico, que o transporta à solidão dos 6 anos, ou pior, às recordações de crianças espancadas por terem a cor errada e da expulsão do irmão, a quem denunciou as pérfidas intenções que um amigo desesperado lhe contou serem prática comum de um supervisor de camarata (também afastado). Mas deu-lhe também educação e uma capacidade fora de série de interpretar as necessidades alheias. Inteligência emocional que o fez chegar às primeiras ideias de marketing e desenvolver capacidades de atenção aos clientes que os elevam muitas vezes à categoria de amigos.
Por reconhecer que o privilégio não está acessível a todos, não descansou enquanto não encontrou forma de formalizar uma estrutura capaz de ajudar os miúdos menos afortunados. Foi para isso que fundou a Por Ti, que tem como padrinhos os antigos futebolistas Nuno Gomes e Oceano e conta já com uma boa dose de empresas amigas, que o ajudam a concretizar a missão de dar dias especiais a crianças institucionalizadas. Entre os eventos que consegue organizar, já os levou a jogar padel, firmando uma parceria com Diogo Dalot, a conhecer a Porsche Porto, a jogar futebol no Paços de Ferreira e a libertar energia nos trampolins da Jumpers. E no final, há sempre brindes e presentes para levarem com eles, além das lições. Porque os programas têm sempre um lado educativo, seja a aprender os benefícios do desporto no IdealKorpus, do também antigo jogador Rui Caetano, a saber como comer melhor ("com ajuda da Andreia Santos, nutricionista, casada com o Vítor Baía") ou simplesmente a entender porque os planos B são essenciais na vida ("Pedi ao Bruno para lhes explicar como uma lesão no joelho o afetou quando a carreira dele estava no pico").
"Estas crianças têm tão pouco que chegaram a perguntar-me o que era um gelado... e outro miúdo se eu queria ser pai dele. É uma carga emocional muito grande", confessa, assumindo que gostava de fazer muito mais pelos miúdos mas acaba por ser limitado pela logística, pela burocracia, pelas políticas. Como a simples impossibilidade de pôr um par de rapazes nas escolinhas de futebol, porque havia também meninas que ninguém ajudaria a ser bailarinas, porque não se encontraria transporte adequado para os levar e trazer em segurança, nem havia capacidade de coordenar horários com as regras das instituições. Critica por isso que se gaste tanto em decisões fúteis quando se podia aplicar os fundos disponíveis a mudar vidas. E também por esse desfoque das políticas públicas, além da exposição indesejada e da pobre remuneração, prefere a ação cívica que pode levar a cabo.

Quando lhe pergunto que sonhos tem por cumprir, nem hesita. "Que os meus filhos tenham orgulho naquilo que eu sou, mas depois disso, o que mais gostava era de conseguir ter uma empresa que pudesse crescer de forma que a vendesse e ficasse com o futuro garantido para poder dedicar-me apenas a ajudar causas e inspirar pessoas. Ainda não consigo, mas se pudesse viver apenas com o propósito de ajudar, era o que faria." Assim lhe saísse o Euromilhões...