"Na questão de Olivença a Espanha não tem defesa"

D. Fedrico Trillo y Figueiroa [1]

As declarações do ministro da Defesa, Dr. Nuno Melo, nas comemorações dos 317 anos do Regimento de Cavalaria 3, aquartelado em Estremoz, conhecido por “Dragões de Olivença”, têm levantado inusitada celeuma, que só o desleixo do Estado Português no último século e meio justifica. De facto as declarações do ministro (que se saúdam) de que Olivença é território português ilegalmente ocupado e administrado por Espanha e do qual o Estado Português não abdica, é uma evidência que todos os portugueses, mesmo aqueles que não pertencem à “geração mais bem preparada de sempre”, deviam conhecer e ter presente.

Sem embargo a declaração do ministro é a mais importante posição política sobre este tema, que foi produzida desde o dia 17 de julho de 1841, quando o então Duque de Palmela, na sua qualidade de deputado, invetivou o Estado Espanhol sobre a realidade Oliventina. O Duque de Palmela, que não era um personagem qualquer e foi sempre um estrénuo defensor da causa de Olivença portuguesa, estava cheio de razão como, de resto, está o ainda jovem (e aparentemente pouco preparado para o cargo) Ministro da Defesa. E são de lamentar as suas declarações posteriores, agora na defensiva – seguramente depois de ter levado um puxão de orelhas “laranja” – em que referia que as suas declarações foram feitas não como ministro, mas sim como Presidente do CDS-PP (vá lá que não se lembrou de as ter feito como sócio de um qualquer clube de futebol…).

Ora um membro do governo quando fala não pode, nem deve, despir – se dessa qualidade, sendo suposto que, o que defende é suportado pelo governo no seu todo. Outra coisa não faz sentido nem é admissível, quer em Portugal, na Finlândia ou no Burkina Faso. Foi pior a emenda do que o soneto. Porém, se Nuno Melo, seja na qualidade em que for, tem toda a razão no que disse e é corajoso, já a ocasião e a forma deixam muito a desejar tendo, contudo, a vantagem de “agitar as águas”.

Lamentavelmente a questão de Olivença que se arrasta desde 1801 - quando foi tomada (sem honra nem lustre de ambas as partes), a 20 de maio, por um corpo de Exército espanhol, estando a Espanha pressionada pelo governo francês, ato que ficou consumado pelo Tratado de Badajoz, logo assinado a 6 de junho, é uma questão de Estado. O que perdurou até 1807 data em que o referido tratado foi quebrado pela Espanha, dando origem à subsequente reivindicação, pela Coroa Portuguesa, de que Olivença e seu Termo retornassem à Pátria-mãe. O que foi confirmado pelo Congresso de Viena de 1815, ao qual a Coroa Espanhola se obrigou, em 1817, e nunca cumpriu (com muitos outros episódios pelo meio).

Sendo uma questão de estado entre dois países independentes, não deve ser circunscrito ao Governo, mas envolver todos os órgãos de soberania. A questão de Olivença é um problema de Direito Internacional que envolve assuntos de soberania e não pode, nem deve, ser resolvida com “boutades” ou iniciativas isoladas de um membro do governo, muito menos por um líder partidário. E, neste âmbito, os Partidos Políticos não devem sequer ter o direito a terem “opiniões” ou divergirem quanto à essência do problema, pois Olivença é uma questão “de jure” e factual, além de patriótica. Mas, enfim, de “partidos políticos” tudo há a esperar.

Nesta III República – seria fastidioso (e penoso) ir mais atrás - a questão de Olivença já há muito devia ter sido colocada (até para dar cumprimento ao artigo 5.3 da Constituição da República, em vigor desde 1976 [2]), podendo começar por se colocar a questão numa das cimeiras Luso-Espanholas (e não “ibéricas”), que se realizam semestralmente. E se o governo espanhol recusar discutir o assunto e resolvê-lo a contento, o que é mais do que expectável – apesar das boas relações que todo o mundo dizem existir – ter já preparado um conjunto de medidas para levar o contencioso às instâncias internacionais competentes a fim de colocar um ponto final numa situação indecorosa e que não tem razão de existir. Ao mesmo tempo que tem que se realizar uma campanha de esclarecimento da opinião pública nacional e internacional a fim de convirem nos interesses nacionais portugueses.

Não se pode, nem deve, é continuar, como há século e meio, vítima das nossas fraquezas, vir a terreiro com a desculpa de que “não é oportuno”. Nunca é oportuno… Esta questão envergonha os dois Estados, espanhol e português, o primeiro porque não reconhece que andou mal; não obedece à lei e se macula com a prática de uma imoralidade política, portando-se como se não fosse uma “pessoa de Bem”; o segundo, porque não se dá ao respeito nem tem vergonha na cara; não defende os direitos e o território da Nação Portuguesa que é suposto representar.[3]

Mas também o que se pode esperar da sobranceria e arrogância que são características comportamentais de “nuestros hermanos” (que nunca o foram); que nem os acordos internacionais sobre a água conseguem cumprir; nos atacam sub-repticiamente nos direitos que temos às ilhas chamadas Selvagens e têm dois pesos e duas medidas para Olivença e Gibraltar e ainda relativamente a Ceuta e Mellila e outros “rochedos sobre que exercem soberania na costa marroquina? E desta terceira república (com “r” minúsculo) quando é herdeira dos vergonhosíssimos atos que envolveram a suposta “descolonização” dos centenários territórios ultramarinos portugueses fora do Continente Europeu?

Bem pode o “Alcalde” de Olivença (com “ç” e não com “z”) vir perorar diatribes e tentar esconder-se atrás dos supostos interesses da população, que tal não lhe confere razão alguma. De facto os interesses ou supostos direitos das pessoas, não se sobrepõem ao Direito Internacional (nem às regras da boa convivência entre os povos); nem ninguém, em Portugal quer fazer mal seja a quem for. Os atuais habitantes de Olivença optariam pela nacionalidade que entendessem (portugueses, espanhóis ou dupla nacionalidade – que hoje já perto de mil têm) e nenhuma das suas situações profissionais ou de posse, seriam molestadas.

Caberia aos optantes pela nacionalidade espanhola abandonar ou não o território, acatando os que optassem ficar, as regras de viverem num país estrangeiro o que aliás já é comum diria, a milhões de espanhóis. E tudo isto já seria uma benesse e grande, pois ao longo destes mais de dois séculos, a população portuguesa de Olivença expatriou-se; perdeu os seus direitos; foi substituída por outra espanhola (ilegalmente, note-se) e os que restaram foi-lhes infligida uma fortíssima dose de colonialismo, que atingiu o seu píncaro durante a época do Generalíssimo Francisco Franco.

Olivença é terra portuguesa e assim deve continuar (voltar) a ser. Em Estratégia, pelo que é fundamental morre-se; pelo que é importante, combate-se, pelo que é secundário, negoceia-se. Onde está Olivença nas nossas prioridades?[4]

João José Brandão Ferreira, Oficial Piloto Aviador (Ref.)
(das mui antigas, nobres e, por vezes, gloriosas Forças Armadas Portuguesas)

[1] Na altura Presidente do Congresso dos deputados, nas comemorações dos 700 anos do tratado de Alcanizes; Mosteiro de Santa Maria de Aguiar, em 12/09/1997

[2] “O Estado não aliena qualquer parte do território português ou dos direitos de soberania que sobre ele exerce, sem prejuízo de rectificação de fronteiras”.

[3] “Pact sunt servander”, ou seja “os tratados são para cumprir”, art. 6º da Convenção de Viena sobre o direito dos tratados. E acrescenta: “todo o tratado em vigor vincula as partes e deve por elas ser executado de boa fé”.

[4] O Grupo dos Amigos de Olivença, patriótica organização, fundada em 1938, com o objectivo de fazer retroceder Olivença e seu Termo (cerca de 450Km2), á completa soberania e família portuguesa, está em condições de responder a todas as questões, neste âmbito, já que o Estado português aos “costumes costuma dizer nada”.