Abrimos as notícias e a crise está instalada no setor do vinho, nada de bom, nada de positivo, à exceção dos eventos, lançamentos que alguns produtores, distribuidores e revistas teimam em fazer... Mas provavelmente está tudo tão mau que mais vale não fazerem nada, ficarem quietinhos em casa. Fechar os negócios e depois dizer que foi culpa da crise… Daqui a 50 anos, quando não houver vinho, diremos que foi devido à crise dos loucos anos 20.

Não me parece que seja uma opção válida, até porque, se deixarmos de olhar apenas para as notícias nacionais e considerarmos também as internacionais, veremos, claro, notícias de crise na Fileira do Vinho mundialmente. Aliás, para quem está atento, essas dificuldades não são novas; já vêm de há alguns anos. Mas o que vemos agora são artigos e notícias com ideias, soluções, algumas notícias positivas e algumas de recuperação. Há reflexões sobre como criar novas formas de comunicar, como repensar a narrativa do vinho e enfrentar os desafios atuais. E, talvez o mais importante, questiona-se porque se consome menos vinho e como lidar com a pressão dos lobbies que demonizam o álcool, onde o vinho frequentemente aparece como um alvo central e representativo.

Não podemos negar que há um decréscimo do consumo de vinho, que enfrenta mais concorrência não apenas entre marcas de vinho, mas também entre outras categorias de bebidas. Há novas opções no mercado, novos hábitos de consumo e novas formas de comunicar com as gerações mais jovens. Tudo isso transforma o setor de maneira profunda.

Também não podemos ignorar que há uma crescente preocupação com saúde e estética, o que leva a uma redução do consumo de álcool. A Organização Mundial da Saúde tem, entre as suas prioridades, a redução do consumo de álcool, com um plano para diminuir a ingestão global. E claro, não podemos ignorar o impacto do consumo de álcool na saúde pública, responsável por milhares de mortes diretas e indiretas todos os anos.

Além disso, vários países e organismos internacionais estão a pressionar para que haja mais restrições ao consumo de álcool, incluindo advertências nos rótulos, aumento de impostos e outras medidas de controlo. Isso coloca a Fileira do Vinho numa posição ainda mais delicada, exigindo respostas ágeis e inovadoras.

Na produção, há assimetrias consideráveis. Grandes grupos dominam o mercado, enquanto pequenos produtores lutam com muito menos capital e menos ferramentas competitivas. Os viticultores enfrentam custos e burocracias crescentes e, muitas vezes, são pagos de forma insuficiente, colocando a sua sobrevivência em risco. Esta disparidade é um reflexo das desigualdades estruturais do setor, que precisam ser abordadas com políticas públicas e privadas que promovam a equidade e a sustentabilidade dos pequenos produtores.

Também não podemos esquecer que o mercado é global, e os empresários que trabalham com volumes elevados estão sob forte pressão para manter preços baixos. Isso leva a uma procura por soluções de mercado que nem sempre valorizam o vinho como produto cultural e de qualidade, transformando-o, em alguns casos, numa commodity. O resultado são países que conseguem exportar vinho a preços muito baixos, como é o caso de Espanha, que exporta grandes quantidades de vinho a granel para França, Alemanha, Itália e Portugal, entre outros países.

Outro ponto crítico é como o vinho importado é colocado no mercado. Será que é rotulado como vinho português, como vinho da União Europeia, ou como vinho do país de origem? Estas questões de transparência podem impactar a perceção do consumidor e a confiança no produto.

No Brasil, há grandes problemas com vinho contrabandeado, que entra no mercado a preços muito reduzidos, e, muitas vezes, pode ser vinho falsificado. Aliás, a falsificação de vinho é uma questão crescente, com algumas estimativas a apontarem que até 20% do vinho vendido no mercado global pode ser falsificado.

Há também outros obstáculos que cada um dos intervenientes do setor enfrenta. Alguns produtores acreditam que os apoios governamentais ou europeus não são adequados, são de acesso complexo ou não respondem às necessidades reais do mercado atual. Outros consideram que as atividades de promoção internacional, como as da Viniportugal, não são acessíveis a produtores de menor dimensão e que as estratégias de marketing adotadas não acompanham as tendências do mercado de hoje.

A estrutura de preços praticados pela cadeia de distribuição e, sobretudo, na restauração, também não favorece um crescimento sustentável das vendas de vinho. A primeira quebra no consumo global de álcool registada pela IWSR nos últimos 30 anos, com uma descida de 1%, é um sinal claro da necessidade de adaptação a um mercado que está em mutação.

Este panorama não é exclusivo ao vinho. É preciso levar em conta o momento geopolítico e económico global, com conflitos, crises e incertezas, que afetam diretamente o poder de compra dos consumidores e os padrões de consumo.

Dito isto, apesar dos desafios, o vinho continua a ser um setor com grande potencial. Não é um negócio simples. Tem glamour, mas também exige muito trabalho, inovação e resiliência. Sabemos que hoje um tweet pode fazer uma empresa cair em desgraça nos mercados, ou, por outro lado, ser valorizada artificialmente. As notícias geram pânico, movimentos emocionais e mudanças de comportamento nos consumidores. A Fileira do Vinho está, assim, cada vez mais exposta às dinâmicas rápidas e imprevisíveis da era digital.

Antes de avançarmos para soluções, voltemos à notícia que dá título ao artigo.

Boas notícias no mercado interno: vendas em alta na restauração

Segundo dados do IVV e Nielsen, no 1.º semestre de 2024, as vendas no mercado nacional na restauração cresceram 47,6% em valor, e, no caso dos vinhos DOP e IGP, o aumento foi ainda maior, com 58,9%. Estes vinhos certificados representam 56,5% do total vendido em comparação com os vinhos não certificados (ex-vinho de mesa).

O preço médio, um dos maiores desafios, cresceu 11,5%, o que demonstra que o crescimento em valor não foi impulsionado apenas pela inflação, mas por uma real valorização do produto. Esta é, sem dúvida, uma excelente notícia.

Na distribuição, houve uma ligeira subida em valor nos vinhos DOP e IGP, de 2,3%, o que representa 72,8% do valor vendido, mas observou-se uma queda tanto em valor como em volume nos vinhos não certificados.

Vendas vinho
Vendas vinho

Exportações e Importações: sinais mistos, mas otimismo

Quanto às exportações, as notícias não são tão positivas, mas há sinais de recuperação. As exportações cresceram 8,6% em volume e 1,3% em valor no 1º Semestre de 2024. O crescimento é mais acentuado no mercado intra-UE, com um aumento de 17,2% em volume e 5,3% em valor. As exportações para fora da União Europeia, contudo, registaram um decréscimo em valor, o que reflete os desafios no mercado global.

Em contrapartida, as importações de vinho em Portugal caíram quase 30% no primeiro semestre de 2024. Isso pode ser passageiro, mas é um dado relevante, possivelmente refletindo uma maior sensibilidade ao vinho português, stocks mais altos ou uma competição mais forte em termos de preço.

Cenário internacional: o que fazem os outros países?

De Espanha chegam notícias de crescimento, mas sobretudo no setor do vinho a granel. No primeiro semestre de 2024, as exportações de vinho espanhol atingiram 1.021,7 milhões de litros (+0,3%) e 1.475,2 milhões de euros (+1,5%), o melhor resultado histórico em valor. As exportações de vinhos com DOP caíram 4% em volume e 24 milhões de euros em valor. Por outro lado, os vinhos a granel tiveram um desempenho positivo, com aumentos de 11% em valor e 2% em volume.

As exportações de vinho chileno também registaram uma notável recuperação. O volume exportado aumentou 9,6% e o valor subiu 3,3% no primeiro trimestre de 2024, comparado ao mesmo período do ano anterior, atingindo 184,6 milhões de litros e 366,3 milhões de dólares. Isso, apesar de uma queda de 5,8% no preço médio de exportação, que caiu para 1,98 dólares por litro. O mercado britânico foi o principal motor deste crescimento, com um aumento de quase 40% no valor das importações de vinho chileno.

O Instituto do Vinho Alemão (DWI) anunciou que as exportações de vinho da Alemanha aumentaram 9% em volume e valor nos primeiros três meses do ano. Destaca-se o crescimento das exportações para a China, com um aumento de 47% em valor e 39% em volume. Além disso, houve um crescimento expressivo nas vendas na Holanda, Polónia, Japão e Dinamarca.

Conclusão: União e estratégia para superar desafios

Diante deste cenário complexo, uma coisa é clara: a Fileira do Vinho portuguesa só conseguirá prosperar se todos os agentes se unirem em torno de uma estratégia comum. Produtores, distribuidores, associações, instituições governamentais e demais stakeholders devem trabalhar em conjunto, promovendo um ambiente de colaboração e inovação que permita enfrentar os desafios com confiança e determinação.

É fundamental que as medidas adotadas não sejam apenas reativas, mas também proativas. Apostar numa maior dinamização comercial e na formação das equipas de vendas será um diferencial competitivo. Equipas preparadas, qualificadas e orientadas para a valorização do produto farão a diferença num mercado onde a qualidade e o valor agregado são essenciais.

A digitalização é outra peça central deste puzzle. Investir em marketing digital, com uma presença robusta e consistente nas redes sociais, um website otimizado e estratégias de email marketing, permitirá à Fileira do Vinho comunicar melhor com os consumidores, fidelizá-los e alcançar novos mercados. Uma presença digital forte pode garantir que as marcas de vinho estejam na mente dos consumidores, fortalecendo a sua posição em tempos de incerteza.

Em última análise, o sucesso da Fileira do Vinho depende mais de nós do que do contexto externo. Se houver união, investimento em formação e inovação, e uma forte aposta no marketing digital, o setor não só conseguirá superar a crise, mas também emergirá mais forte, resiliente e competitivo. O vinho português tem todas as condições para continuar a crescer e a destacar-se no mercado global. Mas isso só será possível com o compromisso e a colaboração de todos.

Fontes Dados: IVV/NIELSEN - OEMV - DWI - The Drinks Business
Rodrigo Quina, fundador da Wine2Help