Sabemos que as empresas familiares são decisivas para o desenvolvimento económico e que cada caso tem as suas características próprias, únicas. Mas todas têm em comum a ambição de crescer, de se valorizar, de fortalecer o seu legado e de chegar o mais longe possível sempre nas mãos da família.

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Neste fascinante caminho até ao cume, abundam histórias de sucesso e de fracasso. Uma análise atenta destes casos mostra que há três eixos essenciais que marcam os grupos familiares e as capacidades que têm de escalaras escarpas, evitar as avalanches e sobreviver ao vento, ao frio e à privação de oxigénio...

  1. O que se aprende da história dos grupos familiares e da sua expressão hoje ?
  2. O que marca de forma distintiva grupos familiares no seu conjunto e caso a caso – ou seja, quais os seus atributos e vantagens competitivas ?
  3. Que desafios normalmente enfrentam, quais as potenciais pedras no caminho ?
  4. Que requisitos têm de garantir-se para explorar bem os atributos e ultrapassar os desafios que surgirem ?

Termino com uma palavra de estímulo que leve os grupos familiares portugueses a não estarem nunca satisfeitos.

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Há uma vasta e profunda bibliografia internacional sobre grandes e médios grupos familiares e se a lermos vemos que os autores têm as mesmas opiniões sobre os atributos, as vantagens ou os desafios – o padrão não muda com a geografia ou com a escala...  Por isso, a análise da realidade nacional é interessante, mas tem-se falado pouco sobre os grupos familiares a nível mundial – um panorama sem dúvida mais rico e com maior potencial de retirar inspiração.  É esse o foco deste artigo.

  1. O que se aprende da história dos grupos familiares e da sua expressão hoje ?

É importante ter presente um enquadramento histórico sobre as empresas familiares ao longo dos tempos e perceber fatores distintivos como o desempenho, a longevidade ou a velocidade de criação de riqueza com modelos inovadores.

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As empresas familiares são determinantes na economia atual, mas sempre foram decisivas para a economia ao longo da História. O Homem sempre precisou de ter uma atividade profissional para sustentar a sua família e lhe dar um melhor nível de vida e alguns, pela sua habilidade e espírito empreendedor, optaram  trabalhar por conta própria – carpinteiros, pintores, alfaiates, merceeiros, cambistas...

Muitos tinham sucesso, podiam empregar outras pessoas e era muito comum ensinar o ofício aos filhos para lhes dar o conforto dum legado. São os primeiros empresários da História e já respiram muito do futuro modelo de empresa familiar.  Note-se aqui São José e Jesus – nem todos os processos de sucessão funcionaram bem e de facto São José não conseguiu convencer o seu filho mais velho a abraçar a carpintaria, mas felizmente tinha mais filhos e uma menina.

Mais tarde, nos últimos dois séculos, surgem as primeiras grandes famílias, muitas das quais continuam hoje a ser uma referência: Antinori, Sumitomo, Tata, Agnelli, Rockefeller, Porsche-Piech e tantas outras.

Ao mesmo tempo,  o amor e  entrega de um fundador à sua empresa constitui um legado que ele tudo fará para passar aos filhos, e os filhos aos seus filhos, e por aí adiante. A relutância a vender é normalmente muito grande – e se tudo correr bem passa de geração em geração. Por isso as empresas familiares têm normalmente uma grande longevidade – é o caso da Houshi Ryokan, uma das mais antigas empresas ainda em atividade. Os dez maiores grupos familiares mundiais têm uma receita combinada superior a 2 biliões de USD e estão sobretudo no negócio de consumo. A longevidade já se sente – exceto a Gunvor (2000), as maiores empresas foram fundadas entre 1865 e 1962. Não pararam na caminhada em direção ao cume...

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No outro extremo, os maiores grupos familiares são muito mais jovens e estão ainda nas primeiras gerações. É o caso do império Louis Vuitton Moët Henessy, criado em 1987 pelo presidente Bernard Arnaut, um dos três homens mais ricos do mundo. A sua ânsia por criar o primeiro império mundial de moda  levou-o a vender a bela construtora herdada do pai e investir tudo na compra ao Estado de uma empresa falida, mas que escondia um tesouro: a marca Christian Dior. Foi o primeiro tijolo do seu arranha-céus.

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Incorporando as não familiares, apenas dois grupos familiares estão entre os dez mais valiosos do mundo (BH e Volkswagen) – as empresas de primeira geração dominam totalmente a valorização bolsista mundial... Bezos, Zuckerberg, Musk todos têm filhos por isso algumas podem ser no futuro grupos familiares.

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Não obstante,  as empresas familiares em termos agregados evidenciam um desempenho sistematicamente superior às não familiares. De facto, os grupos familiares constituem a coluna vertebral de qualquer economia não só porque pesam  mais de 50% do PIB ou do emprego, mas porque têm mais sucesso – maior longevidade e um desempenho superior aos grupos não familiares. E em Portugal quase metade das maiores cotadas nacionais são grupos familiares. A Jerónimo Martins está bem acima dos restantes, no pódio com EDP e Galp. Seis famílias que construíram dez dos mais valiosos grupos empresariais portugueses de escala e pegada internacional.

Porquê este sucesso tão expressivo dos grupos familiares? A resposta passa por entender os seus atributos distintivos, o que os distingue, as suas vantagens, mas também como conseguem ultrapassar os seus desafios – muitas vezes mortais.

  1. O que marca de forma distintiva grupos familiares no seu conjunto e caso a caso – ou seja, quais os seus atributos e vantagens competitivas?

A análise de casos em todo o mundo, dos EUA à Índia e à China, evidencia cinco atributos distintivos dos grupos familiares...

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… que por sua vez geram vantagens competitivas poderosas e muito difíceis de replicar pela concorrência não familiar.

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Vejamos três exemplos europeus paradigmáticos no desenvolvimento interno destes atributos e na forma como geram vantagens competitivas.

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Começo com o grupo alemão Goldbeck que não é um colosso – fundado em 1989 por Orwin Goldbeck, um engenheiro genial, fatura 4 mil milhões de euros através de soluções patenteadas de construção modular de edifícios em aço nos maiores mercados europeus, fum caso analisado em detalhe pela ARBORIS para um grupo português do setor. O capital é quase totalmente familiar – os trabalhadores têm ações como prémios de antiguidade e desempenho.

O grupo distingue-se pela consistência de visão de longo prazo, velocidade de decisão, um forte espírito de família alargado à organização e um modelo de sucessão notável – ao longo de 20 anos o fundador escolheu e preparou dois dos seus filhos para sucessores.  Hoje são co-CEO e preservam fortemente o legado do pai, que se mantém com  chairman e não abdicou de ter sempre dois administradores profissionais não executivos de grande confiança para acompanhar os filhos. Um perfeito exemplo dos quatro atributos – e de todas as vantagens.

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Já noutra escala, o grupo LVMH é uma referência incontornável. Nasce da ideia do fundador Bernard Arnault em 1980 em criar o primeiro grupo mundial de marcas de luxo. Desde o início em 1987 não parou de fortalecer as empresas originais e fazer dezenas de aquisições mantendo sempre o foco no luxo . É o primeiro atributo em ação, criar e concretizar uma clara visão de longo prazo, mas também o terceiro: tomar decisões rápidas.

Bernard Arnaut acumula desde 1987 os cargos de CEO e chairman do grupo. Aos 74 anos é um dos homens mais ricos do mundo e preparou cada um dos cinco filhos desde crianças  para carreiras de alto desempenho no Grupo. Dedicou muito tempo a acompanhar a sua educação  e criou opções de sucessão através de desafios dos filhos em cargos de gestão. O segundo princípio em ação: dedicação à família para fortalecimento do negócio e do legado.

Graças à sua cultura e à força dos seus atributos, o trajeto do grupo é a pura materialização dos atributos e das vantagens competitivas apresentadas.

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O desenvolvimento do império INDITEX, ou ZARA, é um exemplo paradigmático da posse dos atributos próprios  e das vantagens distintivas  de de um grupo familiar, colocados de forma espetacular ao longo da História do Grupo. Fundada em 1975 por Amancio Ortega sobre o modelo de negócio inovador de fast fashion, a Zara tornou-se líder mundial em vestuário e desenvolveu novas marcas criando o grupo INDITEX.

Cansado de funções executivas, em 2011 Ortega passa a chairman e nomeia o seu braço direito Pablo Isla para CEO.  Mas a sua cabeça está numa sucessão familiar.  Em 1985 já tinha lançado a filha mais nova Marta Ortega Pérez numa carreira no grupo e, no no final de 2021, a sua filha substitui Isla. No princípio, os mercados reagem mal, as ações caem. Mas Marta estava bem preparada. A valorização é recuperada e hoje o valor do grupo bate recordes. Marta foi aprovada e a dinastia Ortega está assegurada – pelo menos na segunda geração.

3. Que desafios normalmente se enfrentam,  quais as potenciais pedras no caminho ?

Os grupos familiares gozam de facto de  fortes atributos distintivos e vantagens competitivas, mas não estão isentos de desafios - que não são pequenos, podendo levar à sua morte. Distinguem-se normalmente sete desafios no contexto dos grupos familiares, mas não têm todos a mesma magnitude.

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O desafio mais sério é conseguir preservar a unidade acionista através da comunhão de valores, objetivos e visão de negócio e a separação entre o foro pessoal e o foro acionista – sem dúvida ligado à fragilidade do modelo de governança acionista e societário. Ao mesmo nível coloco a gestão do processo de sucessão do líder executivo e o apoio incondicional de todos os acionistas ao familiar escolhido, um desafio tão exigente como o anterior e com tantos exemplos de grupos no cemitério por esta razão. Finalmente, destaco o isolamento da liderança e dos acionistas e o seu afastamento da organização, perdendo-se o “espírito de família” global, uma virtude tão característica e importante dos grupos familiares.

Vejamos alguns exemplos...

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Anheuser Busch  (EUA): Uma das três maiores cervejeiras mundiais há cinco gerações nas mãos da família fundadora Busch. Em 2008 abre-se uma discussão sobre o modelo de sucessão escalando para disputas acesas entre acionistas. Perdida a união acionista, o grupo torna-se presa fácil e é adquirido pela INBEV.

 Cadbury (Reino Unido): Fundado em 1824 por John Cadbury, o negócio prosperou sob controlo familiar por muitos anos até que se decidiu fundir a empresa com a Schweppes na expectativa de fortes sinergias e crescimento. Mas o plano falhou e a Kraft absorveu o grupo face à frágil posição da família.

Onassis (Grécia): Aristotle Onassis foi um ícone do jet set do seu tempo, o romance com Maria Callas ao casamento com Jacqueline Kennedy. Não obstante, a sua vida foi marcada pela tragédia – o filho único morre num acidente aos 24 anos e Aristotle morre dois anos depois, sem ter dado atenção à preparação da sua única filha Christina que morre de depressão em 1988. Todo o património de Onassis acaba liquidado pela neta, Athina.

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Apesar de já terem passado uns anos sobre a estreia, não podia deixar passar a oportunidade sem recordar a série Succession – sobretudo porque foi inspirada num caso verídico. Roy Logan, magnata de telecomunicações e media, tem quatro filhos e declara abertamente a  intenção de se reformar. Vai prometendo a cada um, em diferentes momentos, que é ele (ou ela, a filha) o escolhido, aprofundando o mal estar que sempre gerou no seio dos filhos.

Roy parece retirar um tremendo gozo colocando os filhos uns contra os outros, mas entende-se que no fundo ele sabe que falhou em garantir a preservação do seu império – simplesmente porque foi incapaz de escolher e preparar um sucessor à altura. Quando morre, a sua Waystar Royco morre com ele, absorvida por um grupo mais forte.

A série pode ser uma caricatura, mas ajuda a marcar o ponto de que a sucessão é de facto a maior ameaça a qualquer grupo familiar.

Como corolário do que partilhei neste artigo, é muito legítimo perguntar – então afinal quais são os requisitos que têm de se garantir para explorar bem os atributos e ultrapassar os desafios, as tais pedras que surgirem pelo caminho? Mais uma vez em linha com os melhores autores internacionais, há claramente cinco requisitos que têm de ser assegurados com a maior obstinação.

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Se o líder de um grupo familiar olhar com atenção para este quadro, ele vai dizer que são chavões, são vulgaridades que qualquer empresa que se preze cumpre. Os Onassis, os Cadbury, os Astor ou os Budweiser também pensavam assim. Já estavam a ver o cume e era só uma questão de ir caminhando sem preocupação. Mas não viram aquela curva no caminho, não deram aos perigos da montanha a atenção e o respeito necessário, não perceberam que as cantorias de celebração antecipada estavam a fazer tremer as encostas... e sabemos o que lhes aconteceu.

A atitude normal e mais fácil é dar por garantido que o grupo cumpre todos os requisitos. Os melhores líderes pensam ao contrário – os requisitos nunca estão garantidos, pode sempre fazer-se melhor numa abordagem quase infinitesimal e que quase toca o limite da rentabilidade do investimento. É essa a atitude dos Arnault, dos Goldbeck, dos Ortega e de tantos outros. É essa a atitude dos vencedores. É essa a poção mágica que os alimenta.