
Ao tocar do búzio, pelas 7h00, os homens começavam a reunir-se para partir para o mar em pequenas embarcações de madeira em forma de meia-lua. Cada barco, equipado com cordas e redes, era arrastado à força de braços pela areia, sobre rolos de madeira, até alcançar o mar. À chegada da viagem que não excedia as duas ou três milhas, primeiro juntas de bois, depois tratores, ajudam a puxar as redes para a praia. O peixe era separado: parte seguia para leilão público enquanto um lote era distribuído pelos pescadores. Cada qual com o seu quinhão, era comum os homens juntarem-se no areal grelhando o peixe e assando batatas na areia, enquanto conviviam e contavam histórias da faina.
A tradição – e método de confeção - volta a ganhar protagonismo durante o Festival da Sardinha Assada na Telha e da Batata Assada n'Areia, evento que de 29 a 31 de agosto, recupera e destaca as riquezas gastronómicas da região da Gândara - que se estende entre as bacias dos rios Vouga e Mondego. Destacam-se na iniciativa este dois dois pratos que combinam os sabores autênticos de terra e mar que pode provar nos jardins da Associação de Moradores da Praia da Tocha, promotora do festival, nas noites de sexta-feira e sábado, e ao almoço, no domingo. Atuações musicais animam a festa.
Na região, onde era comum o fabrico artesanal dos adobes, tijolos cozidos ao sol, eram também comuns as telhas que integram a confeção da sardinha. O prato também é tradicional no vizinho concelho de Mira.
Arte Xávega e Qualidade de Ouro
Outrora uma aldeia de pescadores – desde o século XVII - a praia da Tocha, no concelho de Cantanhede, foi-se transformando em zona balnear sem perder o rasto a tradições e práticas antigas. Pelo areal, ainda se estendem as redes e os barcos típicos, enquanto os pescadores aguardam que o tempo permita a saída para o mar. Da aldeia de pescadores restam ainda vestígios dos antigos palheiros, antes utilizados para guardar o material utilizado na faina, durante o verão.
Já a arte xávega mantém-se viva e, a par desta prática secular, a praia da Tocha há 35 anos que ostenta Bandeira Azul. À longevidade do galardão que atesta a qualidade balnear e ambiental soma-se a Bandeira das Acessibilidades - símbolo das boas condições de acesso à praia aos utentes com mobilidade reduzida. O areal é também distinguido com Qualidade de Ouro pela Quercos.
Robalo a arder
Com especial destaque para os frutos do mar, a gastronomia local centra-se no peixe e marisco. Nas receitas mais tradicionais, além da “Sardinha Assada na Telha”, servida com batata a murro, broa de milho ou torta, uma espécie de broa achatada recheada, normalmente, de chouriça, como entrada ou prato principal, o restaurante Cova do Finfas (Tel. 231443520), localizado na praia da Tocha, cultiva outras receitas com sabor a mar e grande procura: o “Robalo a arder”. Envolto numa massa elaborada com sal, o robalo vai ao forno até ficar no ponto.
Ainda na praia da Tocha, Passe pelo mercado local, onde as lojas replicam os palheiros típicos da praia, local onde os pescadores guardavam os utensílios da faina durante os meses de verão. Ali perto, na localidade de Cochadas, vários moinhos de rodízio recuperados mostram como se moía a farinha para o pão e a broa. Junto ao curso de água, um parque de merendas com abundante sombra convida a um piquenique entre a natureza.
Surfar longe das multidões
A viagem não se faz apenas de contemplação. O local é ideal para praticar surf longe das multidões, a partir do conceito do projeto Surf No Crowd. Calma, serenidade e boas ondas são comuns aos areais que se estendem do município de Cantanhede, Figueira da Foz e Mira, incluindo a praia da Tocha. Além das ondas propriamente ditas, também os iniciantes têm aqui uma oportunidade de aprender através das oferta de escolas, clubes e associações de surf. Para se equipar, há diversas lojas dedicadas à modalidade.
Além da praia da Tocha, a região convida a mergulhos noutra praia atlântica, a do Palheirão – localizada a norte – um refúgio capaz de oferecer um carácter ainda selvagem. Também conhecida como Praia Dourada, oferece um areal extenso ao longo, entre dunas e o oceano.
Além das praias, o concelho de Cantanhede é brindado por diverso património natural que merece ser descoberto, em particular as lagoas. Na freguesia da Tocha, a Lagoa dos Teixoeiros, também conhecida como da Mata, tem uma área de cerca de 7 hectares, integrando o Sítio "Dunas de Mira, Gândaras e Gafanhas" da Rede Natura 2000. Protegida pela mesma rede, também a Lagoa da Salgueira, com cerca de cinco hectares, merece observação, também por servir de habitat a diversas espécies de flora e fauna.
Praias fluviais
Para águas tranquilas e sem ondulação, pode optar pelas diversas praias fluviais que banham o concelho de Cantanhede, brindadas pela Bandeira Azul. Conhecida como Piscina Natural de Ançã ou Piscina Fluvial de Ançã, localiza-se no centro da localidade. A piscina natural situa-se junto à ponte romana, um dos vários pontos de interesse históricos da freguesia. A zona da piscina oferece diferentes graus de profundidade, adequados a adultos e crianças, e conta com uma plataforma (ilha) ao centro. O enquadramento inclui o casario tradicional de Ançã e vegetação envolvente. É possível percorrer a ribeira, com caminhos de pedra e pequenas pontes. Para além dos banhos refrescantes, vale visitar o Moinho da Fonte de Ançã, ainda em funcionamento para moer cereal que dá origem aos famosos bolos de Ançã ou de Cornos. Para um momento de descanso, há o Quintal da Fonte, bar de apoio, ou a oportunidade de explorar o Museu Etnográfico e a praça do Pelourinho.
A praia fluvial de Olhos de Fervença - cujo nome tem origem nos pequenos “olhos” por onde a água brotava do chão, a borbulhar no solo arenoso – distinguida com Bandeira Azul este verão, situa-se na freguesia de Cadima e dispõe de zona de lazer, um pequeno areal e área de prado relvado para banhos de sol e descanso, circuitos pedonais, bar com esplanada, balneários, parque de merendas e campo de jogos. Com profundidade máxima de 1,20 m, as águas da ribeira da Corujeira proporcionam banhos refrescantes. Os socalcos em anfiteatro convidam ao descanso, enquanto a beleza natural incentiva a percorrer os trilhos existentes.
Localizada na freguesia de Ourentã, junto à N 234 a cerca de seis quilómetros da A1, a Praia Fluvial das Sete Fontes também hasteou pela primeira vez em 2025 a bandeira azul. A área balnear foi construída em forma oval e a zona de banhos tem uma profundidade máxima de 1,2 m, garantindo segurança para toda a família. As sete fontes que dão nome a esta zona de lazer ainda existem junto ao bar. O espaço conta ainda com um percurso de manutenção de fácil utilização, um lavadouro público coberto, parque de estacionamento e um parque infantil. O parque de lazer dispõe de espaço para merendas ao lado da piscina fluvial, equipado com mesas e churrasqueira. Por detrás do Bar 7 Seven, com agradável esplanada e chuveiros, junto ao parque infantil, encontra-se outra área de merendas.
Brindar com Baga ou espumante?
Integrando a Região Demarcada da Bairrada, Cantanhede é também território fértil para a vinha. A casta endógena Baga e o espumante destacam-se na produção local que pode conhecer em detalhe na Adega de Cantanhede, aberta a diversas experiências. Vindima, visita guiadas às caves de espumante ou prova de vinhos são algumas das que pode reservar, antes ou depois de passar pela loja.
A Quinta de Baixo, localizada em Cordinhã, também proporciona de visitas guiadas à adega, às quintas, disponibilizando ainda uma sala para provas de vinhos e espumantes cultivados nos 22 hectares de solos argilo-calcários que nutrem vinhas com idades entre 10 e 80 anos.
Regressar ao ZX Spectrum
Lembra-se do ZX Spectrum? Aquele que foi para muitos o primeiro “computador pessoal” é tema central do Museu Load. Além da história do dispositivo e da tecnologia que haveria de transformar a utilização destes equipamentos em uso diário, pode conhecer outros equipamentos tecnológicos, além do papel desempenhado por Portugal na fábrica da TIMEX, neste fenómeno iniciado nos anos 80.
O Museu LOAD ZX Spectrum (Tel. 231429813), localizado em Cantanhede, resulta de uma parceria entre o Município de Cantanhede e a Associação Geração Spectrum que gere o espólio do cantanhedense João Diogo Ramos, um dos grandes colecionadores internacionais nesta área.
Espaços verdes e pedra escultórica
Além de desfrutar de diversos espaços verdes como o Parque Urbano de São Mateus e o Jardim Municipal, detendo-se em locais como o Museu da Pedra de Cantanhede, justifica uma visita a Ançã, que além da praia fluvial guarda outros tesouros e histórias. Daqui saiu a célebre pedra de Ançã, utilizada por muitos escultores nacionais para elaborarem a sua arte e presença assídua em diversos edifícios. Descubra-a no Palácio do Marquês de Cascais e no Solar dos Neiva, em Ançã, bem como nas várias capelas da localidade, muitas delas com retábulos elaborados a partir da pedra local.
Na vila, merece ainda visita o Moinho da Nascente, recuperado e em funcionamento, onde funciona um pequeno museu etnográfico, a abundante Fonte de Ançã e, para um relaxar, o Parque de Merendas dos Fornos da Cal, onde se erguem várias esculturas elaboradas com a alva pedra típica da localidade. Não parta sem provar os tradicionais Bolo de Ançã e Bolo de Cornos (ver Onde Comer).
Onde Comer
Marcada por uma gastronomia diversa, reflexo da localização do município de Cantanhede, situado entre a Mealhada e o mar, também os sabores tradicionais variam entre estes dois polos. Da Bairrada herda um dos baluartes, o “Leitão assado”, servido com batatas cozidas ou fritas, laranja, salada e o imperativo molho. Na companhia, de preferência, com um espumante da região. Merecem prova os derivados, como a “Cabidela de leitão”. Considere a força de sugestões como a “Chanfana à Bairrada”, os torresmos, as “Favas à nossa moda” com carne entremeada, chouriço, morcela, farinheira, a “Sopa à lavrador” e os “Negalhos da Bairrada”. Do Atlântico vêm os tesouros para as especialidades marítimas, do peixe grelhado às caldeiradas. Há mais de 100 anos que se confeciona o “Bolo de Ançã”. À base de farinha, açúcar, ovos e manteiga, é redondo, sem recheio, de textura suave, não muito doce e tem um efeito parecido com uma crista no topo. Tradição na vila de Ançã, enquadra-se na família dos folares doces.
Recomendado pelo Guia Boa Cama Boa Mesa 2025, o Marquês de Marialva (Tel. 231420010) é um dos mais antigos restaurantes da Região Centro. Em Cantanhede está há 50 anos de portas abertas. A idade trouxe também modernidade: com uma ementa clássica, inovou com a criação de um menu de degustação onde os pratos símbolo da casa são servidos plenos de sabor. Os “Rojões à Marquês com verduras” e a “Chanfana à moda da Bairrada” são os expoentes máximos do regionalismo gastronómico, bem como o “Cabrito assado à padeiro”. O serviço, igualmente clássico, com redobradas atenções, ajuda a tornar este local único.
Para provar “Leitão assado à Bairrada” e “Frango no espeto com molho de leitão” recomenda-se o restaurante Júlia Duarte, em Murtede (Tel. 231202129), enquanto na Cabana do Pastor, localizado em Carvalho (Tel. 966915948), as especialidades são “Negalhos” e “Cabrito”. Em Cantanhede, no Restaurante Adiafa (Tel. 969164363) brilham o “Atum braseado com arroz de berbigão” e a “Bochecha de porco crocante com puré de castanhas”. Para o momento mais doce, escolha o Bolo de Ançã e o Bolo de cornos confecionados em Ançã por Aldina Rasteiro (Tel. 914915036).