
Aqui estou, não para vos prometer estradas, hospitais e escolas – essas coisas enfadonhas ficam para os candidatos aborrecidos, ainda presos à ilusão de uma “ciência de governar” que, como já dizia Eça de Queiroz, simplesmente não existe: “A política é uma arma (…) onde há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre” (Distrito de Évora, 1867). Pois comigo não há abdicação: há gomas, triciclos, rodas-gigantes, má língua, anulação do pensamento e bilhetes prioritários para o paraíso!
Imaginem a felicidade: acordar todos os dias sem o peso do imposto municipal, da décima, da derrama ou daquela contribuição escondida que aparece no fim do mês, mas com uma raspadinha na caixa do correio — o único investimento nacional que ainda vem embrulhado em papel brilhante. Machado de Assis já sabia como funciona a política: “Jurai sempre e a propósito de tudo, porque os homens foram feitos para crer antes nos que juram falso do que nos que não juram nada” (O Sermão do Diabo). Pois eu juro! Juro que não pagarão nada. E se perguntarem como, a resposta é simples: raspadinhas, rifas e cabazes municipais sorteados em direto na televisão e rádio local.
E como um povo feliz precisa de estilo, cada adulto receberá um triciclo oficial. Sim, senhoras e senhores: o trânsito será transformado numa gigantesca festa infantil para adultos. Buzinas que tocam marchas populares, cestinhos floridos e, para os mais românticos, triciclos com capelinha para dois.
No centro da cidade, onde hoje cresce o matagal e rangem os sapatos, erguerei a maior roda-gigante de Portugal. Lá de cima, contemplarão as freguesias, estradas com mais curvas e os buracos nas ruas — que não serão tapados, porque, convenhamos, o buraco também é património cultural. Freud explicou: “Os ideais culturais tornam-se fonte de discórdia e inimizades” (O Futuro de Uma Ilusão). Pois eu digo: unamo-nos em torno do buraco, esse ideal democrático, esse imaginário concelhio urbano a todos irmana!
E quanto à fé? Não se preocupem: já celebrei um contrato exclusivo com as instâncias superiores. O voto em mim equivale a um lugar garantido no paraíso, sem filas e sem burocracia celestial. É o vosso fast pass eterno. Claudio Magris lembrava- nos que a publicidade moderna é uma pregadora quaresmal, recordando que por baixo da carne esplêndida há pó (Instantâneos). Pois eu digo: sim, há pó… mas também haverá triciclos celestiais, má língua, inveja e pipocas de algodão doce na eternidade!
E não me falem em esquerda ou direita. Vergílio Ferreira já avisava: “Trabalhamos com papéis que não sabemos se têm cobertura, como no faz-de-conta infantil” (Pensar). Ora, se todos governam com cheques sem fundo, ao menos os meus vêm coloridos e com brinde!
E depois das eleições? Como escreveu Gonçalo M. Tavares, o povo costuma entrar no comboio do esquecimento até à campanha seguinte (O Senhor Kraus). Mas não comigo: comigo há roda-gigante grátis todos os domingos, para que a paixão política nunca arrefeça — e para que os músculos se mantenham firmes no triciclo oficial.
E se por acaso alguém protestar? Não tem problema! Fernando Pessoa já nos tranquilizava: “Quando a manifestação resulta pequeníssima, conte tal criatura com o apoio dum país inteiro” (Ideias Políticas). Portanto, se só aparecerem dois ou três gatos pingados, é sinal de que a nação inteira está comigo.
Enfim, meus amigos, Miguel Torga resumiu bem: “É humoralmente que elegemos, que legislamos, que governamos” (Diário, 1978). Pois votem de bom humor, e de preferência de sorriso no rosto!
A minha promessa é simples:
Os outros prometem obras.
Eu prometo milagres.
Ergamos o copo à dinâmica alegre do pirulito!
Nota: As citações apresentadas foram retiradas do site www. citador.pt. Não obstante, recomenda-se vivamente a leitura integral das obras e textos dos autores citados.
Carlos M.B. Geraldes, PhD.