"O filme ['Sirat'] é seco, árido, sóbrio. Para mim, não é tanto uma questão de ser ou não luminoso ou otimista, mas se conseguimos que o espectador faça introspeção", disse o realizador de 43 anos em entrevista à Lusa.

No Cinema Trindade, no Porto, onde esteve a apresentar algumas sessões do filme, premiado pelo júri na secção oficial do festival de cinema de Cannes, Laxe detalhou o processo criativo que o leva a fazer obras "extremas".

'Sirat', sucessor do igualmente premiado em Cannes 'O Que Arde' (2019), segue a jornada de pai e filho que procuram a filha e irmã, Mar, desaparecida numa parte do deserto em Marrocos em que as 'raves' de música eletrónica se multiplicam.

Sob essa banda sonora, Laxe sobrepõe imagens que comprovam a aridez da própria história, uma jornada que diz aproximar-se de narrativas epopeicas, como o Épico de Gilgamesh ou as jornadas do Rei Artur em busca do Santo Graal.

Nessa festa no deserto, a ideia distópica do fim do mundo choca com uma história "dura" que, diz o espanhol nascido em Paris, procura aproximar os espectadores "de si mesmos".

"É uma maneira subtil, a epopeia, de substituir o metafísico. A aventura épica, o 'western', o género, é a minha maneira de chegar a um certo público de maneira subtil, dentro da épica exterior e não da interior. [...] Queria que o espectador olhasse para dentro. Sabia que estava a fazer um filme duro. A minha intenção era cuidar do espectador. Mas não sabia que ia remexer tanto, ir tão fundo", explica.

Nessa intenção, não tinha "vontade de fazer sofrer", até porque lhe custou "escrever, montar, as sequências mais duras do filme", mas decidiu 'forçar' esse caminho para retratar, e criticar, uma "sociedade muito tanatofóbica", isto é, com medo extremo da morte.

"Escapamos da morte, da dor, da angústia. Estamos com mais medos. Para mim, é importante confrontar-me com a morte, meditar nela. [...] A minha pergunta de vida é 'vou morrer com dignidade?'. E as personagens deste filme, morrem com dignidade? Eu diria que sim. Na cultura 'rave', nada mais há de transcendental do que morrer num ato de serviço num 'dancefloor'", afirma.

Para Óliver Laxe, "um filme tem de transcender o autor, de o superar", e 'Sirat' é, para uns, sinal de esperança e para outros de desesperança, como se pode ler nas muitas críticas a uma obra já apontada à nomeação aos Óscares.

"Eu tinha mais a intenção da esperança. De realismo, sim, mas de continuar o caminho. A realidade é dura, mas temos fé de que o caminho nos leva a bom porto. E há que olhar para dentro", acrescenta.

O confronto e a meditação na morte marcam muito do discurso, e do trabalho, de Laxe, que não filma para que esse cinema "seja entendido, mas sentido", e diz não entender abordagens mais relacionadas com a moralidade a essas mortes no ecrã.

"Mas tu vês televisão, o que se passa no mundo hoje em dia?", atira.

Com um grande interesse e identificação com a cultura 'rave', o galego nota que, neste caso, "não é pela festa, mas pela viagem", e mesmo com "um lado tóxico e escapista, de Peter Pan, de não querer crescer", como diz existir "em todas as dimensões da sociedade", dá-se conta de que pode lidar melhor com a "ferida" e a resolução interior.

"Eu parto da base de que estamos todos feridos. Os teus amigos estão feridos e não sabem. [...] Nós, europeus, estamos numa imagem idealizada de nós mesmos como pessoas equilibradas. Em Portugal, são mais enraizados, humildes, uma sociedade em que a vida vos faz humildes", comenta.

A imagem de purgatório, de uma "descida aos infernos" a caminho do paraíso, como a palavra 'sirat' simboliza na religião muçulmana, de um caminho através do inferno para se chegar ao céu, é outra das associações fortes do filme.

"Interessa-me aquele tipo mundano, como muitos de nós, que não fez o trabalho a tempo, e a vida, quando não o fazes, obriga-te a fazer o trabalho através da crise. É esse o mecanismo da vida", reflete.

Na produção do filme, leu "muitos relatos de pais que perderam os filhos".

"A transmissão da sabedoria, o nível de aceitação e desapego que experimentaram através da morte de um filho, algo atroz, sem nome, é algo de muito nobre e digno. É algo extremo perder um filho, mas acredito que seja uma boa maneira de nos prepararmos, de ter consciência de que estamos sempre a um passo do abismo, e há que meditar na morte", diz.

A par de uma reflexão mais filosófica e existencial sobre o cinema, o processo criativo fica marcado, na origem, por ser "um viciado da imagem".

"Sou como um pescador, dizem-me que há ali peixes, sendo esses peixes um banco de imagens novo, e lá vamos. Essas imagens estão vivas, penetram-te, querem existir e apanham-te. Estamos à sua mercê. [...] Eu experimento muito o gosto de fazer certas imagens", explica.

Nesses fascínios, filmar no Porto, por exemplo, deixá-lo-ia "encantado", pela "arquitetura e sucessão de lugares", diz ainda o realizador de 'Sirat', estreado quinta-feira em Portugal, em cuja filmografia a paisagem assume o papel de personagem.

Laxe, de 43 anos, foi premiado em Cannes por todos os seus filmes - em 2010, com o Prémio FIPRESCI por 'Todos vosotros sois capitanes', em 2016 na Semana da Crítica, por 'Mimosas', e depois pelo júri da secção Un certain regard, por 'O que arde', até 'Sirat', agora na secção oficial.