
Na sua obra 'A Revolução dos Cravos. O Dia que Caiu a Ditadura Portuguesa', recém-editada pela Relógio d'Água, o escritor, residente no Reino Unido, rejeita que o 25 de Abril de 1974 não esteja "à altura dos seus ideais", apesar "do ressurgimento da extrema-direita e da contestação do legado da Revolução".
Pensar o contrário "é um erro fatal", garante. "O Portugal depois de 1976 ficou, sem dúvida, num milhão de aspetos distintos, melhor do que o Portugal de 1973."
"Se há uma coisa para a qual a memória histórica é importante, é para evitar repetir os maiores erros do passado. O Estado Novo foi um deles - e nunca mais voltará", assegura, lembrando que "a Revolução matou, decisivamente, dois dos elementos mais perversos da história portuguesa: o projeto colonial de séculos e o vil aparelho carcerário, que manteve a população sob a bota do regime, durante quase cinco décadas."
Esta obra, publicada originalmente no Reino Unido, em inglês, no ano passado, nos 50 anos da queda da ditadura, surgiu da necessidade de Alex Fernandes explicar aos seus amigos britânicos o que foi a Revolução dos Cravos, "um dos momentos mais radicais da história portuguesa."
A mensagem foi de imediata entendida. The Times comparou "The Carnation Revolution. The Day Portugal's Dictatorship Fell" (Oneworld Publications) a um 'thriller' político, sublinhando "a mestria" da investigação de Alex Fernandes, à semelhança The Guardian e The Observer. Para o Financial Times, "com o recente aparecimento do partido de extrema-direita Chega, no parlamento, esta é uma leitura importante e oportuna."
"Para compreender a revolução portuguesa de 1974", escreve Alex Fernandes, "é preciso compreender o Estado Novo, e para compreender o Estado Novo é preciso compreender os alicerces que compõem o mito nacional português."
Por isso, o seu livro é também uma retrospetiva da História de Portugal, admitindo que "a memória da Revolução foi corroída", ao fim de 50 anos, mas "o mesmo aconteceu com a memória das razões para o Movimento das Forças Armadas (MFA) a ter lançado e dos seus antecedentes", que passam pela guerra, pelo desgaste e pelo colonialismo.
Referindo-se ao Chega como "um partido fascista", Fernandes recorda que, até ao seu surgimento, Portugal manteve "uma rejeição tácita dos partidos políticos explicitamente fascistas". Todavia, "já existiam elementos de extrema-direita no Parlamento", que antes se "refugiavam na respeitabilidade de tendências como a Democracia Cristã."
"Quarenta e cinco anos é, aparentemente, o tempo que o espetro de Salazar demorou a chegar abertamente à cena política portuguesa", afirma, numa referência à entrada do Chega na Assembleia da República.
Alex Fernandes investiga há anos a Revolução e a História portuguesa. Neste livro, cita um vasto corpo documental, incluindo entrevistas a operacionais do golpe que se transformou em revolução.
O 25 de Abril, como outros processos históricos, afirma, "é uma história que pode ser recontada e reinterpretada de todas as formas, para gerar uma determinada narrativa". "A Revolução [dos Cravos] tornou-se mais uma história que contamos a nós próprios e uns aos outros -- com todo o trabalho de edição que isso envolve."
Fernandes conta a sua história do 25 de Abril, passeando-se com o leitor através de Lisboa, pelos locais que marcam a história portuguesa, pelos lugares da revolução, e termina no n.º 95 da Rua da Misericórdia, na sede da Associação 25 de Abril, onde se encontra com Vasco Lourenço, presidente da associação, nome-chave da comissão coordenadora do Movimento das Forças Armadas, com Vitor Alves, Melo Antunes, Otelo Saraiva de Carvalho.
"Então, o que quer saber?", perguntou-lhe o coronel Vasco Lourenço.
Não escapa ao autor a história do edifício-sede, que antes albergava o jornal oficial da ditadura, o Diário da Manhã, nem a vizinha censura. Tão pouco o trabalho e os objetivos que movem a Associação 25 de Abril, e a necessidade de preservação da memória da Revolução, que teve em Salgueiro Maia (1944-1992) "o ideal platónico de um oficial não manchado por ambições políticas, além de libertar o seu país".
Todos os anos, no dia 25 de Abril, "há vendedores [de cravos] na maioria das esquinas de Lisboa", descreve Alex Fernandes no final da obra. "O desfile pela Avenida da Liberdade é grandioso e ruidoso. Canta-se a 'Grândola, Vila Morena'. Erguem-se cravos. Acena-se aos oficiais idosos [...]. E, talvez o mais importante, relembra-se".
E o relembrar, na sua obra, impõe não só esse "dia inicial inteiro e limpo", como escreveu Sophia de Mello Breyner Andresen, que cita, mas também a noite e o silêncio de onde o país então emergiu, para livre habitar "a substância do tempo."
Para o historiador Andrew M. Mayer, da Universidade de Nova Iorque, "o que é particularmente invulgar neste livro é que, para explicar eficazmente os acontecimentos de um único dia de 1974, o autor teve primeiro de expor quase 500 anos de história portuguesa, abrangendo o império, a escravatura, a monarquia, a economia, a geografia e a evolução dos costumes sociais", escreveu no Washington Independent Review of Books. E conclui: "Ao fazê-lo de uma forma tão espetacular, Fernandes ofereceu aos leitores um presente extraordinário."