Vivemos numa era em que a guerra pelo talento é feroz. As empresas disputam os melhores profissionais não apenas com salários e benefícios, mas também com a promessa de propósito e qualidade de vida. E se a próxima grande vantagem competitiva dos territórios e organizações residir em algo inesperado, a arte e a cultura? Num mundo onde o trabalho híbrido permite que se trabalhe de qualquer lugar, os lugares que oferecem uma experiência cultural rica e inspiradora emergem como verdadeiros ímanes de talento. Arte e cultura estão a tornar-se as “armas secretas” para atrair e reter talento, conferindo alma e identidade aos espaços onde vivemos e trabalhamos.

Durante décadas, a imagem típica de um “bom local de trabalho” girava em torno de escritórios funcionais, eventualmente adornados com um quadro genérico na parede e talvez uma mesa de matraquilhos na sala de convívio. Porém, os profissionais de hoje, especialmente as novas gerações, procuram mais do que um salário chorudo ou perks triviais. Procuram ambientes inspiradores, sentidos de comunidade e valores autênticos. Não surpreende, portanto, que empresas e cidades culturalmente vibrantes levem vantagem. Um inquérito recente indicou que 83% dos colaboradores consideram a presença de arte no ambiente de trabalho importante, e 73% mudariam a sua perceção sobre a organização se a arte fosse removida​ (maxestates.in). Em outras palavras, escritórios sem expressão cultural correm o risco de ser vistos como estéreis e sem alma. Por contraste, um espaço de trabalho recheado de criatividade comunica uma cultura progressista e humana, algo muito valorizado por quem decide onde quer trabalhar.

Os líderes mais atentos já perceberam esta realidade. Há empresas que investem em coleções de arte corporativa ou em programas culturais exatamente para reforçar a sua marca empregadora. Não o fazem por vaidade, mas porque entenderam que um talento de topo escolhe o local de trabalho também pelo ambiente que lá se vive. Um escritório com alma artística distingue-se de um mero “local onde se bate ponto”. A própria Deutsche Bank, por exemplo, mundialmente conhecida pela sua extensa coleção de arte contemporânea nos escritórios, assume que a arte deve criar um ambiente vibrante e criativo para os colaboradores e servir de chamariz para “novos talentos e também clientes”. Em última análise, atrair e reter talento hoje passa por oferecer algo que o dinheiro só por si não compra: significado, conexão e cultura.

Integrar arte e cultura no quotidiano profissional não é apenas uma gentileza estética, é uma estratégia com impacto tangível nos resultados. A ciência tem vindo a comprovar aquilo que a intuição já sugeria: um ambiente de trabalho inspirador faz as pessoas sentirem-se e desempenharem-se melhor. Por exemplo, um estudo de cinco anos da Universidade de Bristol concluiu que a arte no local de trabalho pode elevar a produtividade em até 35% e melhorar o bem-estar dos colaboradores em 42%​ (curtisiumart.com). Quando rodeadas de beleza e criatividade, as pessoas ficam mais motivadas e focadas, em contraste com a apatia gerada por quatro paredes nuas.

Não se trata de casos isolados, múltiplos estudos corroboram este efeito. Uma análise nos Estados Unidos, divulgada pela Forbes, revelou que 78% dos trabalhadores sentem que a arte no escritório reduz os níveis de stress, e 64% reportam um aumento de criatividade graças a ela​ (maxestates.in). Ambientes enriquecidos com elementos artísticos também fomentam mais colaboração e expressão de ideias entre equipas​, ingredientes-chave para a inovação. O efeito positivo estende-se até à saúde: colaboradores que se sentem bem no espaço de trabalho tendem a ter menos doenças e absentismo. Em suma, arte e cultura no escritório não são um luxo, são um catalisador de produtividade, criatividade e bem-estar. Empresas que investem nisso estão, na verdade, a investir numa equipa mais feliz e eficaz.

No Lionesa Business Hub, sentimos estes princípios na pele. Somos um campus empresarial em Matosinhos que agrega 120 empresas e mais de 7 mil pessoas de 46 nacionalidades​, e abraçámos o desafio de transformar espaços em expressões, literalmente. Recentemente lançámos a campanha “Transforming Spaces Into Expressions”, assente na convicção de que cada metro quadrado do espaço de trabalho pode contar uma história artística. Um exemplo concreto foi trazer para o nosso corredor central a exposição “INFERNO – A Viagem de Dante por António Carneiro”, em parceria com o Museu Nacional Soares dos Reis. Diariamente, colaboradores das mais diversas áreas faziam pausas para apreciar os 42 desenhos expostos, numa viagem cultural em pleno horário de expediente. Esta e outras iniciativas convertem salas de reunião em salas de exposição, cafeterias em palcos improvisados, jardins em museus a céu aberto. O campus torna-se uma galeria viva, integrada no dia-a-dia de quem cá trabalha​.

A aposta tem retorno visível. Os momentos artísticos geram conversa entre pessoas de diferentes equipas, inspiram novas ideias e trazem um brilho diferente aos olhos de quem circula pelos edifícios. Não é incomum ver colaboradores a tirar fotografias junto a murais ou esculturas, orgulhosos do local onde trabalham. Esse orgulho traduz-se numa ligação emocional mais forte à empresa e ao território. Quando o local de trabalho proporciona experiências com significado, deixa de ser apenas “o escritório” e passa a ser “a comunidade”. No Lionesa BH, acreditamos nisso tão profundamente que consagrámos Arte e Cultura como um dos cinco pilares da nossa “Pirâmide da Felicidade” organizacional​. Ou seja, ao lado de fatores como carreira, remuneração ou bem-estar físico, colocamos a fruição artística e cultural como elemento central da satisfação da nossa comunidade. Esta integração reflete-se em resultados intangíveis: um sentimento de pertença reforçado e uma atmosfera em que a criatividade flui. Em vez de a cultura empresarial ser apenas um conjunto de frases num quadro de missão, passa a estar literalmente nas paredes e nos espaços, vivida por todos.

Importa salientar que esta filosofia cultural não beneficia apenas os colaboradores e as empresas residentes, mas também o território envolvente. Uma vez por mês abrimos as portas do hub para eventos culturais abertos à comunidade local: concertos, exposições, workshops criativos. O resultado? Quebram-se barreiras entre “o centro empresarial” e a cidade. O Lionesa BH torna-se uma extensão natural da vida cultural da região, e Matosinhos/Norte ganha mais um polo de atração. Talentos de outras partes do país (e do mundo) que nos visitam sentem esse ambiente singular e percebem que aqui não se vem apenas “trabalhar”; vem-se fazer parte de um ecossistema cultural e humano. Esta ligação emocional ao território é um ativo poderoso: pessoas enraizadas culturalmente têm menos propensão a trocar de cidade ou país ao primeiro aceno, porque criar raízes vai muito além do contrato de trabalho, envolve qualidade de vida e identificação com o lugar.

É hora de olharmos de forma crítica para o modelo tradicional de espaços corporativos. Quantos escritórios pelo mundo fora continuam a assemelhar-se a desertos culturais, cubículos monótonos, paletas de cinzento, paredes despidas salvo por um logótipo aqui ou ali? Durante muito tempo, imperou a ideia de que trabalho é trabalho, arte é arte, cada qual no seu lugar. Escritórios eram pensados para maximizar eficiência e minimizar distrações, vendo elementos artísticos como dispensáveis ou até disruptivos. Essa visão criou gerações de espaços funcionais, sim, mas anémicos em estímulo humano. Chegou a altura de colocar este paradigma em causa. Por que motivo um espaço onde passamos um terço do nosso dia deveria ser culturalmente estéril? Por que haveria uma empresa de ignorar o poder inspirador da arte, se uma planta ou um quadro na sala podem fazer mais pela motivação da equipa do que mais um cartaz corporativo na parede?

Felizmente, já há sinais de mudança, mas é preciso ir mais longe e desafiar abertamente outras empresas e cidades a repensarem o seu papel cultural. A integração de arte e cultura não deve ficar confinada a uns quantos “iluminados” do Silicon Valley ou a hubs inovadores. Tem de se democratizar. Cada empresa, grande ou pequena, pode dar passos para trazer a cultura para dentro de casa: seja exibindo artistas locais nos seus corredores, promovendo sessões de música ou teatro para os colaboradores, ou apoiando ativamente eventos culturais na sua região. E para as cidades, o recado é semelhante: em vez de parques industriais monofuncionais, porque não polos empresariais que também sejam polos culturais? Territórios que facilitam e incentivam esta simbiose empresa-cultura serão os que triunfarão na retenção de talento a longo prazo. Afinal, os profissionais altamente qualificados escolhem cada vez mais onde viver antes de escolher para quem trabalhar.

Nós, enquanto gestores, líderes comunitários ou decisores públicos, temos de escolher: queremos espaços de trabalho e cidades vivas ou apáticas? Queremos colaboradores engajados ou meros executores de tarefas? A arte e a cultura oferecem-nos uma ferramenta poderosa para inclinar a balança para o lado certo. Não se trata de pintar todas as paredes de cores garridas ou de encher o escritório de esculturas dispendiosas sem critério. Trata-se de incutir alma aos espaços, de os tornar locais onde apetece estar, onde se aprende e sente algo novo, onde a criatividade pode florescer espontaneamente. Trata-se de contar uma história em cada recanto: a história de quem somos, do que valorizamos, do que sonhamos conquistar.

Em última análise, apostar em arte e cultura é apostar na dimensão mais profundamente humana das organizações e dos territórios. É reconhecer que, por detrás de cada colaborador, há uma pessoa completa, com emoções, criatividade e desejo de pertença. Os territórios com alma, aqueles que não têm medo de misturar o económico com o cultural, serão os vencedores no futuro. Porque talentos vêm e ficam onde se sentem vivos. Porque uma cidade ou empresa que inspira é uma cidade ou empresa onde apetece ficar. E isso traduz-se em vantagem competitiva que não se copia facilmente numa folha de Excel.

Que este seja um convite, ou provocação, a todos os dirigentes empresariais e municipais: cultivem a cultura. Transformem corredores em galerias, refeitórios em centros de convívio artístico, eventos corporativos em experiências culturais. Perguntem-se que legado deixam para além dos resultados trimestrais. Acredito genuinamente que uma empresa com quadros (no sentido artístico e humano) vale mais do que uma empresa de quadros cinzentos. Ao integrar arte e cultura no DNA dos espaços, estamos a criar territórios com alma, onde a produtividade e a criatividade prosperam de mãos dadas com a felicidade e a realização pessoal.

A próxima revolução não será apenas tecnológica ou digital. Será humana, criativa e cultural. Os territórios que entenderem isso hoje serão os que, amanhã, estarão na linha da frente da inovação e da prosperidade, com os melhores talentos a bordo. Afinal, um território com alma não é apenas um local no mapa, é um farol que ilumina e atrai, pela força da sua cultura, aqueles que procuram não só um trabalho, mas um lugar para crescer.

Territórios com alma são, verdadeiramente, a nova vantagem competitiva.​

António Pedro Pinto,
Head of Marketing & Mood Lab no Lionesa Business Hub